A litigância climática é a estratégia de acionar o Poder Judiciário a fim de expor a agenda ESG ao debate público e “como um meio para facilitar a regulação climática e para obter a responsabilização dos policymakers por meio de decisões judiciais”, como define o escritório de advocacia Machado Meyer.
Embora o mais comum seja a abertura de ações judiciais responsabilizando o Estado – e órgãos submetidos a ele – sobre determinadas políticas climáticas, também há casos de litigância climática envolvendo instituições privadas. Um dos exemplos recentes e de maior repercussão desse tipo de ação ocorreu em maio de 2021. Na ocasião, o Tribunal Distrital de Haia, na Holanda, determinou que a petrolífera Shell diminuísse em 45% suas emissões de carbono até 2030, em comparação com as emissões de 2019 – a meta da empresa, de cortar emissões em 20%, foi considerada insuficiente.
De acordo com reportagem da Reuters, a ação coletiva foi iniciada em 2019 por sete grupos ativistas do clima, incluindo Greenpeace e Friends of the Earth, e mais de 17 mil holandeses alegando que a empresa de energia ameaça direitos humanos ao investir bilhões na produção de combustíveis fósseis.
A decisão é considerada um divisor de águas na mobilização da sociedade civil por mudanças nas políticas ambientais de grandes atores, abrindo um precedente jurídico para desfechos judiciais semelhantes (jurisprudência). Não à toa, o diretor do Sabin Center for Climate Change Law da Universidade Columbia (EUA), declarou à Reuters:
“Não há dúvida de que este é um avanço significativo na litigância climática global e que ele pode repercutir em tribunais ao redor do mundo.”
Um dos casos mais antigos de ação judicial com viés ambiental foi registrado em 1986 nos Estados Unidos. No caso City of Los Angeles v National Highway Transportation Safety Administration, um conjunto de municípios e grupos ambientalistas acionou a justiça para cobrar políticas ambientais da administração federal de rodovias americanas.
A petição consistia em obrigar a Administração Nacional de Segurança Rodoviária (NHTSA, na sigla em inglês) a planejar e a divulgar suas ações em relação aos impactos ambientais causados pelas suas atividades. A justificativa do grupo era baseada em normas federais, como a Lei Nacional de Políticas Ambientais (NEPA, na sigla em inglês) e em diretrizes da própria NHTSA, como os padrões de economia de combustível estipulados anualmente.
Embora a justiça tenha considerado que havia legitimidade na proposição, o pedido dos litigantes em prol de controlar a poluição atmosférica e o aquecimento global foi negado. Mas a semente estava plantada…
De acordo com o estudo Global Trends in Climate Litigation, divulgado pela The London School of Economics and Political Science, entre 1986 e 2014, houve 834 casos de litigância climática pelo mundo – uma média de 29,7 por ano. Nos últimos seis anos (2015-2021), contudo, foram 1.006 ações, numa média anual mais de cinco vezes maior: 167,6 casos por ano.
O paper também fez um levantamento global contabilizando 68 ações judiciais ativas atualmente questionando a inação ou falta de ambição de governos em relação a metas e compromissos climáticos.
A seguir, listamos três ações nacionais recentes:
Licenciamento ambiental de termelétricas no RS
Em agosto de 2021, a 9ª vara federal de Porto Alegre definiu que o Ibama imponha diretrizes climáticas para autorizar o funcionamento de usinas de geração de energia termelétricas, grandes emissoras de carbono. A decisão serve como precedente para que critérios climáticos sejam exigidos em licenciamentos de outras atividades altamente emissoras de gases de efeito estufa (GEE);
Suspensão do Fundo da Amazônia
O governo brasileiro também é alvo da litigância ambiental. A federação está sendo processada no Supremo Tribunal Federal (STF) por causa da suspensão do Fundo Amazônia. De 2019 para cá, um total de R$ 2,9 bilhões doados por Alemanha e Noruega para combate e prevenção do desmatamento em território brasileiro deixaram de ser empregados. A justificativa para interromper o fluxo de recursos seria a existência de supostas irregularidades no repasse para ONGs. Além disso, o governo federal também foi processado no STF por paralisar, também em 2019, o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima – após ser acionado na Justiça, o Brasil liberou mais de R$ 580 milhões em recursos represados por dois anos.
Ministério Público do RJ (MPRJ) recomenda ações ambientalmente responsáveis
Em dezembro de 2020, o MPRJ instaurou o Processo Administrativo nº 01/2019, que impõe uma série de diretrizes sobre prevenção e mitigação das mudanças climáticas direcionadas a instituições públicas do estado do Rio de Janeiro. O processo não tem caráter punitivo imediato mas o não cumprimento das recomendações pode resultar em judicialização. E mesmo que as diretrizes digam respeito à administração pública, é esperado que balizem políticas ambientais na iniciativa privada, bem como decisões judiciais a respeito de processos relacionados à gestão ambiental de empresas.
O bagaço de malte e a borra do café são mais valiosos do que você imagina. A cientista de alimentos Natasha Pádua fundou com o marido a Upcycling Solutions, consultoria dedicada a descobrir como transformar resíduos em novos produtos.
Como uma marca de bolsas e acessórios pode impulsionar a economia da floresta e o comércio justo? A carioca Bossapack contrata indígenas da Amazônia para pintar e impermeabilizar com látex o tecido de suas mochilas e pochetes.
Contra o negacionismo climático, é preciso ensinar as crianças desde cedo. Em um dos municípios menos populosos do Rio de Janeiro, a Recickla vem transformando hábitos (e trazendo dinheiro aos cofres públicos) por meio da educação ambiental.