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“Inverno das startups”: como atravessar o cenário econômico hostil que vem provocando demissões em massa no setor

Felipe Novaes - 31 ago 2022 Felipe Novaes, sócio e cofundador da The Bakery.
Felipe Novaes, sócio e cofundador da The Bakery.
Felipe Novaes - 31 ago 2022
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Startup sempre foi mais que negócio. Palavra mágica que movimenta sonhos de uma geração inteira. Desenvolveu uma cultura própria, passou da ideia de jovens que mal tinham chegado à universidade a projetos cobiçados por grandes corporações. E deu escala inédita a diferentes formas de pensar e resolver problemas da humanidade, com impactos em áreas tão diversas quanto entrega de alimentos e crédito de carbono.

Não é fácil encontrar algo que tenha conquistado valor tão rápido quanto cerca de mil dessas empresas no mundo todo que cresceram e foram avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares, cada, alcançando o admirável título de unicórnios.

E é exatamente a grandeza dos números que chama a atenção na crise que tem se abatido sobre essas organizações nos últimos meses — fruto de um cenário econômico afetado por questões como a guerra na Ucrânia, desordenação das cadeias produtivas mundiais e alta de juros, que resulta em baixa liquidez e menor expectativa de crescimento entre as nações.

Baseados em um modelo que priorizava a expansão meteórica antes da geração de receitas, os unicórnios vinham levando em média 8 anos para se tornarem lucrativos em terras brasileiras, ainda que crescessem 100% anualmente, seja em estrutura, marketing, pessoas e outras áreas, segundo relatório Perspective of Brazil’s Digital Landscape, da McKinsey, divulgado em maio.

QUEM SOBREVIVER AO INVERNO DAS STARTUPS PODERÁ COLHER OS FRUTOS NA PRIMAVERA

Não dá mais para esperar tanto. O novo ambiente, que vem sendo chamado de “inverno das startups”, despertou um perfil de investidor que prefere manter os pés no chão. Avesso ao risco e menos disposto a colocar seu capital em organizações que — apesar do valuation bilionário – ainda demorariam um tempo alto demais para dar retorno, dentro de um cenário de tamanha volatilidade.

Um dos primeiros indicadores a acusar a nova fase diz respeito às demissões, em geral no intuito de preservar o caixa dos unicórnios. De acordo com o site Layoffs Brasil, que monitora o setor, essas empresas já dispensaram mais de 5 mil profissionais no país de janeiro a julho de 2022

E não estamos sozinhos. Na Índia, por exemplo, 11 mil pessoas foram demitidas no setor no período. Nos EUA, foram 32 mil cortados da indústria de tecnologia este ano.

O volume de Venture Capital, investimento que serve de impulso às startups, também reduziu em todos os continentes. Conforme levantamento da KPMG, no Brasil recuou 51% entre o primeiro semestre de 2021 e de 2022. Curiosamente, ainda assim, trata-se do sexto maior volume no país, comparado à série histórica, iniciada em 2014.

E esse é um dos possíveis recados de que, apesar do cenário econômico hostil para os unicórnios, quem sobreviver ao frio do “inverno” em algum momento poderá colher os frutos da primavera

Afinal, o apetite do investidor pela inovação que as startups proporcionam não diminuiu. O que ele está é mais seletivo.

E essa previsão pode ser alimentada por outros fatores, como a declaração recente de um executivo do Softbank de que há 900 bilhões de dólares no estoque global dos fundos de Venture Capital à espera apenas do timing adequado para serem aplicados.

AS STARTUPS RECÉM-FUNDADAS JÁ ESTÃO NASCENDO COM FOCO EM MODELOS MAIS ORGÂNICOS E SUSTENTÁVEIS DE CRESCIMENTO

O estudo da KMPG aponta também que na contramão do Venture Capital, o volume investido em Private Equity (normalmente, com foco em negócios mais maduros e consolidados) subiu quase 20% no primeiro semestre no Brasil, comparado a igual período do ano passado. A tendência reflete a busca por maior segurança e estabilidade em tempos de incertezas no mercado.

A lição de casa a que os unicórnios precisarão se dedicar para recuperar a confiança e o rumo, que inclui adiar projetos, cancelar o investimento em novas tecnologias e cortar despesas adicionais, tem transformado também o comportamento dos empreendedores novatos.

Inspirados pelo movimento das maiores, já existem startups recém-fundadas revendo seus modelos para crescer de forma orgânica e sustentável

O resultado é que dados da Anjos do Brasil, entidade que reúne investidores de startups iniciantes, prevê alta de 10% no volume de aportes nas primeiras etapas do negócio até o fim do ano, incrementando a evolução de 2021, quando o segmento registrou volume investido de 1 bilhão de reais no cenário brasileiro.

COMO AS GRANDES EMPRESAS PODEM COLABORAR PARA QUE O INVERNO DAS STARTUPS NÃO CONGELE O MERCADO

A despeito da crise nos unicórnios, as grandes corporações continuam com demandas cada vez mais urgentes de inovação para ganhar competitividade e transformar seus setores. Elas buscam impulsionar a performance em um cenário no qual uma novidade pode condenar modelos de negócio, produtos e serviços tradicionais ao desaparecimento em questão de meses.

A pressão de acionistas é crescente e existe uma necessidade cada vez maior de cumprir metas como as de transformação digital e sustentabilidade. 

No contexto atual, é permanente a percepção de que, embora inovar seja caro, o risco de perder o protagonismo, ou desaparecer do mapa, representaria um custo ainda mais alto

E oportunidades não faltam de fazer diferente, em um país de dimensões continentais como o nosso, com múltiplas ineficiências nas cadeias de produção, infraestrutura e logística, bem como necessidade de implantar tecnologia. 

Setores como telecomunicações e finanças estão mais avançados, enquanto transformação digital, transportes, indústria, bens de consumo básicos, energias alternativas e cibersegurança podem avançar bastante. 

Existe por aqui um potencial enorme de ganhos de escala e no oferecimento de soluções para as empresas. Vale lembrar que 47% das startups brasileiras, aliás, foram criadas especificamente para atender à demanda B2B, enquanto 29% delas se dedicam a resolver problemas ao mesmo tempo de negócios e pessoas, segundo a ABStartups.

Com a aproximação maior entre soluções disruptivas e organizações tradicionais em programas de inovação aberta, nos últimos anos, nos acostumamos a dizer que as grandes corporações tinham que se adaptar à cultura das startups para se manterem competitivas.

Isso sempre despertou a necessidade de CEOs, diretores e seus times entenderem mais sobre o próprio negócio, rever processos internos, eliminar entraves que inviabilizavam o novo e escolher as suas apostas, buscando agilidade e eficiência para inovar e transformar seus modelos.

Eles continuam tendo que se dedicar a isso. Agora, da mesma forma, ganharam uma companhia importante. Chegou a vez de os empreendedores por trás das ideias disruptivas abraçarem novas formas e se adaptarem às condições desse novo tempo para que o relacionamento deles com as grandes corporações se fortaleça ainda mais.

OS APRENDIZADOS SURGEM JUNTO COM A CRISE E AJUDAM A PROTEGER O ECOSSISTEMA DE FUTURAS TRIBULAÇÕES 

A crise dos unicórnios traz lições para que possíveis invernos do futuro sejam mais amenos. Uma das melhores atitudes para a prevenção de crises como a atual é o olhar atento do empreendedor desde o nascimento de sua startup.

Nesse setor, times crescem rapidamente. Em questão de meses, equipes dobram ou triplicam de tamanho. O planejamento, no entanto, é essencial.

Construir uma cultura organizacional forte a partir da formação das primeiras equipes tem reflexos importantíssimos quando a fase de captação e escalabilidade chega

Com o passar do tempo, esse olhar permite desenvolver uma empresa bem gerida e estruturada, mesmo quando ainda não tiver alcançado a rentabilidade financeira de última linha.

É assim que um negócio se torna mais atrativo aos olhos dos investidores, sobretudo em lugares do mundo em que temos um mercado mais conservador, como no Brasil.

Se existe do lado do investidor a necessidade de que a empresa cresça, por outro, o fato de empreendedores irem a mercado buscar um maior volume de dinheiro mais rapidamente também resulta em compromisso.

Nenhum deles vai captar dinheiro de Venture Capital querendo crescer devagar. Quando vão para rodadas de captação, estão apostando em um crescimento acelerado.

E é velocidade do crescimento aliada à solidez e a geração de receitas que, na outra ponta, o investidor também tende a buscar cada vez mais.

Nos esforços mobilizados para vencer esse período difícil, empreendedores, grandes corporações e outros investidores têm, portanto, um ponto de partida em comum: ninguém quer perder tempo.

E isso é ótimo. Quando as pessoas estão dispostas a se unirem por dias melhores, todo inverno tende a aquecer e tornar o clima mais agradável. 


Felipe Novaes é sócio e cofundador da The Bakery, empresa global de inovação corporativa com clientes em 21 países e foco na gestão, governança e execução de iniciativas de inovação, Corporate Venture Capital e Corporate Venture Building. No Brasil, atende grandes companhias, como iFood, Vale, Natura, Grupo Emtel, Johnson & Johnson, ArcelorMittal, Grupo Fleury, Santander, Neoenergia, Suzano, CCR, entre outras.

 

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