O trabalho mudou – e as relações entre chefes e funcionários, também. A transformação digital, acelerada pela pandemia, normalizou o home office. Numa época repleta de reuniões via webcam, há maior mistura da vida pessoal e profissional, e revelações de nuances da intimidade.
Ao mesmo tempo, ganha força a noção de que não é quantidade de horas logado no computador que garante a eficiência, e sim como cada um alterna tarefas diferentes com o mesmo foco. Na busca por equilíbrio, os profissionais têm demandado relações mais sustentáveis com seus empregadores.
Quem explica é Cristiane Mendes, 42 anos, empreendedora, investidora e mentora em startups. Embora o cenário seja complexo, ela vê o copo meio cheio.
“É da mistura que nasce a inovação. A mistura do trabalho remoto e presencial; de profissionais jovens e experientes; do conhecimento profundo da organização e perspectivas externas; do full time e do trabalho sob demanda”
Em 2020, de olho, mente e coração na era do trabalho sob demanda (Open Talent Economy), Cristiane fundou a Chiefs Group, um marketplace de talentos que conecta profissionais C-Level com empresas que precisam de líderes para conduzir projetos inovadores.
A plataforma da Chiefs Group possui 800 executivos dispostos a compartilhar conhecimento, realizar mentorias e investir em negócios com potencial de crescimento.
Para se tornar um Chief, como são chamados os membros do grupo, cada executivo é avaliado quanto às empresas pelas quais passou, os projetos que conduziu, os times que liderou e suas formações e expertises – além da sua disponibilidade atual e o quanto desejam faturar por meio de trabalhos sob demanda.
“Os profissionais mais capacitados são os donos de seus talentos, e detêm as rédeas de suas carreiras. São responsáveis por dosar quando e como vão aplicar sua força de trabalho, e com quais empresas querem colaborar”
Na outra ponta, há os empreendedores, que determinam as posições, tempo de dedicação e habilidades dos executivos que desejam ter como parceiros. Entre as demandas estão planejamento estratégico, otimização de custos, desenvolvimento de canal de vendas e inovação em linhas de produtos.
Por sua vez, a Chiefs Group é responsável por fazer o matching entre os executivos e os empreendedores – e conduzir a jornada dos profissionais dentro das empresas.
O TALENTO COMO OBRA DE ARTE: A DIGITALIZAÇÃO DE CONHECIMENTOS ÚNICOS NA ERA DO BLOCKCHAIN
Cristiane é dona de uma bela trajetória. Em 2001, fundou a Shopping Brasil, uma das líderes em pesquisa de mercado e varejo; uma década depois, vendeu o negócio e partiu para novos desafios.
Por dois anos e meio, foi diretora de operação da Visor, startup de inteligência em logística de bens de consumo, apontada (em 2013) pela IBM como uma das oito empresas mais inovadoras do mundo, à época. Em 2016, ela criou a Delivery Center, uma plataforma que conecta marcas, marketplaces, malha logística e shoppings centers.
Hoje, além da Chiefs Group, Cristiane é sócia-investidora em startups e tem assento no conselho de três empresas: a aceleradora WOW, a Tag Livros e a indústria de móveis Caemmun.
Ao falar sobre negócios e tecnologia, ela esbanja empatia e sagacidade. A impressão de quem ouve é a de se deixar levar por uma meditação guiada, com a voz dela ecoando na sua mente por horas após o fim da conversa.
Sobre a dinâmica da Chiefs Group, Cristiane afirma, que mesmo no caso de um hipotético empate técnico entre dois executivos com a mesma formação e experiência, com passagens pelas mesmas empresas, e nos mesmos cargos, ainda assim a plataforma conseguiria destacar dois talentos diferentes.
“Um talento é o acúmulo de suas experiências, saberes e interesses. É a sua personalidade, técnicas, habilidades, comportamentos e rede de networking. O talento é único. É como uma obra de arte. Logo, pode ser um NFT”
E é aí que mora um dos diferenciais da Chiefs Group. A startup digitaliza as carreiras dos executivos, emitindo tokens de talentos (NFTs), com certificado digital em blockchain.
E para quê tamanho detalhe? Tire um tempo para respirar, e volte a prestar atenção:
Uma vez que o executivo cria sua NFT, há a comprovação ao mercado do seu poder de entrega. Ou seja, o talento se torna um ativo, que passa a ser investido nos negócios, em forma de trabalho sob demanda.
Quando uma empresa contrata o serviço do profissional, ela pega “emprestada” essa marca digital, agregando valor ao negócio. Posteriormente, caso a empresa cresça, o NFT do executivo será valorizado.
Cristiane não toca a Chiefs Group sozinha. Para tirar a ideia do papel, ela se cercou de um time estrelado.
O grupo de cofundadores inclui Bianca Beck Kunz, advogada e sócia do escritório Amodeo e Beck Advogados; Diego Rondon, cofundador da consultoria de recrutamento e seleção e-volve.in e da aceleradora e-volve.ac, com passagens por 99, GymPass e Creditas; Luis Claudio Allan, jornalista que foi executivo em agências de comunicação e fundador da FirstCom, da People2Biz e da ONG Instituto Crescer; e Cecília Lanat, advogada, sócia e cofundadora de Movile, Delivery Center e Intera.
Fechando o quadro societário, há ainda Vasco Crivelli Visconti, diretor Latam da Meta (Facebook) e Ph.D. em física, com mais de 20 anos de bagagem em mercados como mídia digital, varejo, logística e marketing digital, entre elas B2W; Marcelo Marchetti, empreendedor e advisor, com experiência em negócios de tecnologia de ponta; e Venâncio Veloso, mestre em inovação, estratégia e marketing pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT).
Com passagens Amazon Brasil, Venancio é também cofundador de três startups/scale-ups: a VTEX, que realizou IPO de 4 bilhões de dólares no NYSE; a Sapatino, e-commerce de calçados e acessórios; e a WebPesados, marketplace de máquinas e veículos.
Nos últimos meses, esse time tem mentorado e investido em startups brasileiras. Entre elas estão a Surfmappers, que conecta fotógrafos e surfistas num marketplace com cara de rede social (e foi pauta aqui no Draft); e a Kiddle Pass, plataforma de atividades educacionais, físicas e culturais com foco no contraturno escolar de alunos de até 12 anos, também perfilada recentemente no Draft.
A Chiefs Group não abre o faturamento, mas informa que o montante transacionado na plataforma ao longo de 2022, até aqui, foi de 3,76 milhões de reais. O total de tokens emitidos supera 11 milhões de reais.
Em julho, a empresa recebeu um investimento de 1,5 milhão de reais. Os investidores foram a OnePercent, startup gaúcha especializada no desenvolvimento de soluções em blockchain, e a e-volve.one, consultoria de talentos para empresas digitais.
Esses recursos serão alocados na área de tecnologia, para otimizar a plataforma de Open Talent Economy em blockchain. A meta é oferecer uma melhor experiência digital tanto para os Chiefs quanto para as empresas.
E quais têm sido os desafios do negócio, Cristiane?
“O maior desafio é cultural: as empresas entenderem que o modelo on demand coexiste e agrega valor nas estruturas tradicionais de contratação. É uma maneira de se desafiar, se descobrir e se oxigenar. É sobre inovação”
Dois movimentos recentes embaralham mais o cenário. Nos últimos 12 meses, o Brasil teve novo recorde de pedidos de demissão: 6,467 milhões, o que representa 33% do total de desligamentos, segundo a LCA Consultores.
Ao mesmo tempo, somente entre startups e empresas de tecnologia rolaram mais de 3 mil demissões entre março e junho – o que indica baixa governança no segmento –, os números são do Layoffs Brasil, banco de dados criado para ajudar os demitidos a se recolocar no mercado.
Resgatando Pichon-Rivière (1907-1977), psicanalista francês que afirmava que o grupo é o principal instrumento de transformação da realidade, parece que, quando o assunto é relações de trabalho, a Chiefs Group desempenha a função de porta-voz: aquele que expõe as tensões, ansiedades e conflitos do grupo, ainda inerte frente um cenário desafiador.
“É necessário avançar rápido, pois o trabalho mudou e os executivos já viraram a chave”, diz Cristiane. “Agora, são as empresas que terão que se adaptar.”
“Todo profissional talentoso está sempre em transição de carreira”: movida por esse lema, Cristiane Mendes comanda a Chiefs Group, startup com uma base de 1 200 C-Levels prontos para atuar em projetos pontuais de grandes empresas.
A perspectiva branca e europeia molda desde cedo nossa visão de mundo. Recém-lançada no Web Summit, a edtech Biografia Preta quer chacoalhar esse paradigma aplicando uma “IA afro referenciada” ao ensino de História (e demais disciplinas).
Que tal identificar cada animal do rebanho apenas com uma foto do focinho? A Muu Agrotech investe em IA, rastreabilidade e marketplaces para facilitar a vida de pecuaristas e atestar a procedência e a qualidade da carne que você consome.