Criar um produto inédito que resolva um problema do mercado é o sonho de todo empreendedor.
As paulistas Luri Minami, 36, e Erika Tomihama, 34, não tinham uma meta tão ousada na cabeça, mas lançaram uma solução que se encaixa nesse sonho. Em 2021, elas criaram o Amai, que se anuncia como o primeiro absorvente íntimo orgânico do Brasil.
Pense, por um instante, no montante de lixo gerado por todos os absorventes íntimos usados no planeta… É um volume quase inimaginável, assim como o impacto ambiental desse produto, que convencionalmente é fabricado com componentes químicos e elementos plásticos que não só prejudicam o planeta como podem causar alergias à vulva e outros desconfortos às mulheres.
Produzido com algodão orgânico e bioplástico (à base de amido de milho), o absorvente da Amai é biodegradável — se decompõe em até seis meses — e não tem elementos químicos agressivos para a pele.
As caixas do Amai são feitas de papel reciclado; o adesivo é de cola vegetal. A marca ainda tem certificação do EuReciclo, que atesta que a Amai compensa a quantidade de lixo produzido em sua operação por meio de reciclagem.
As duas amigas se conheceram na General Electric, em 2010. Entraram como trainees de finanças, mas em escritórios bem distantes um do outro: Luri em Belo Horizonte e Erika na filial de Paris. Mesmo assim, se aproximaram, trabalhando remotamente em projetos em comum.
Elas também encontraram características em comum: ambas formadas em administração, se consideram disciplinadas, criativas, gostam de resolver problemas e de falar com pessoas. E foi assim que começaram a acalentar o sonho de empreender. Luri relembra:
“Quando a gente falava em empreender juntas, queria que fosse um produto relacionado à mulher e tivesse propósito de ajudar as pessoas e o meio ambiente”
O tempo passou, cada uma seguiu seu caminho. Depois da GE, Erika atuou em marketing na Amazon, enquanto Luri trabalhou na área comercial do varejo farmacêutico (Onofre/CVS Pharmacy) e no setor de operações de uma scale-up, a QuintoAndar.
Até que resolveram colocar o sonho em prática. A primeira tentativa de startup delas era um negócio de aluguel de roupas do dia a dia, em modelo de assinatura, para que as pessoas pudessem renovar o guarda-roupas de forma mais sustentável.
Chegaram a fazer testes com as primeiras clientes, mas aí veio a pandemia, todo mundo que podia se fechou em casa… E elas desistiram do projeto.
A ideia da Amai surgiu de uma conversa informal entre as duas. Em algum momento de 2020, Luri comentou que havia usado absorvente externo numa noite, depois de muitos anos sem usar, e tinha ficado com coceira e assadura.
A amiga achou aquilo bem esquisito. Um produto tão essencial para as mulheres não deveria causar tanto desconforto.
“A Erika achou que não era normal e foi atrás do que poderia ser, e descobriu que todos os absorventes são feitos de plástico. Às vezes falam que tem um ‘toque de algodão’, mas também é plástico”
Um absorvente comum, segundo as sócias da Amai, é composto geralmente de matérias-primas como celulose, polietileno, polipropileno, adesivos termoplásticos, papel siliconado, polímero superabsorventes…
Além disso, ainda segundo elas, para tornar o produto branco, a indústria do setor costuma usar cloro — que, a certa temperatura, gera a dioxina, um subproduto tóxico e perigoso.
Essa descoberta instigou as duas a investigar se outras mulheres sabiam como os absorventes eram feitos, e se também sofriam com alergias e desconfortos ao usar as opções convencionais do mercado.
As duas amigas dispararam posts patrocinados no Instagram indagando sobre o assunto. Assim, chegaram a mulheres que se identificavam com o problema e toparam conversar. Foram cerca de duzentas entrevistas por telefone. Erika conta:
“Depois de ouvir essas mulheres [percebemos que] muitas não sabiam do que o produto era feito — e mesmo não sabendo dizer qual método queriam usar, todas desejavam uma solução prática e confortável”
Assim, as empreendedoras entenderam que o caminho era desenvolver um absorvente externo sem produtos químicos, que não prejudicasse nem o meio ambiente, nem a saúde da mulher.
Ou seja: nada de alterar o pH vaginal ou provocar o abafamento, isto é, o efeito (comum no uso dos absorventes convencionais) de não deixar a região íntima “respirar”.
ELAS FORAM ATRÁS DE FORNECEDORES, E PRODUZIRAM PEQUENOS LOTES DE TESTE ANTES DE LANÇAR O AMAI
Até lançar o Amai, foram vários meses. Luri e Erika passaram o resto de 2020 e boa parte de 2021 desenvolvendo e fazendo testes do produto. Ao todo, investiram 400 mil reais de recursos próprios.
No quesito matéria-prima, uma dificuldade foi achar um fornecedor que transformasse algodão em TNT. Acabaram fechando uma parceria com uma empresa da China, que fornece o bioplástico e também fabrica os absorventes de forma terceirizada.
As sócias então produziram pequenos lotes e enviaram a algumas mulheres para teste. Uma vez aprovado o produto, elas lançaram o e-commerce em outubro de 2021.
A marca oferece três tipos de produtos (protetor diário, absorventes para fluxo regular e intenso) com preços de R$ 29,99 a R$ 45,99.
O modelo fluxo intenso é o maior, com 29 centímetros e abas extras (os absorventes normais têm uma aba só) para segurar melhor na calcinha; a versão fluxo regular tem 24 centímetros.
Sem abas e com apenas 15 centímetros, o modelo protetor diário serve para os dias de menstruação mais leve ou para proteger da umidade comum produzida pela vulva.
O negócio ainda não atingiu o break-even, mas está “muito próximo de dar lucro”, segundo elas.
A Amai não informa o faturamento, nem mesmo o total de clientes e de vendas, mas as sócias garantem que esses dois últimos números dobraram entre o primeiro e o segundo trimestre deste ano. E a retenção de consumidoras é alta, dizem.
Luri dá uma ideia do feedback das clientes:
“Muitas dizem que mudaram sua relação com a menstruação, se sentem mais saudáveis ao ver a cor da menstruação, porque o produto não tem química… Também afirmam que a Amai virou um tipo de autocuidado, como um skin care”
Elas também trabalham com um modelo de assinatura, enviando os produtos a cada dois, três ou seis meses. Nesse caso, o valor unitário do absorvente sai com 10% de desconto.
Além disso, nas compras acima de 65 reais para as regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e também para a Bahia, o frete sai de graça.
A experiência corporativa e as expertises complementares de cada sócia foram importantes para colocar a Amai de pé.
Luri trouxe bagagem com finanças, comercial, varejo e atendimento ao cliente; na QuintoAndar, pegou o ritmo de testar produtos. Erika, por sua vez, aportou outras competências:
“Eu já tinha participado de muitos projetos de patente e tinha experiência com pessoal de engenharia e fornecedores. Também havia trabalhado com marketing e trouxe um pouco desse conhecimento”
Isso não significa uma trajetória empreendedora livre de percalços. Um desafio foi precificar o produto considerando os impostos; com um especialista, descobriram benefícios fiscais e chegaram em valores adequados.
No capítulo “erros e aprendizados”, elas citam a sessão de fotos para o lançamento. Contrataram um fotógrafo, mas não tinham ideia de como orientá-lo. Quando as fotos ficaram prontas, viram que as imagens não combinavam com a identidade do produto.
Sem dinheiro para outro ensaio, elas se dividiram e aprenderam a fotografar e editar imagens por conta própria:
“Aprendi a mexer no Photoshop, pesquisamos referências de imagens, a Luri aprendeu a fotografar… E fizemos o photoshooting [sessão de fotos], que durou 15 horas”
Ao longo das duas semanas seguintes, Erika editou as fotos, até chegarem a um resultado que queriam.
Aprender parece ser uma palavra-chave. Enquanto operam o negócio, as sócias ficam de antena ligada em possíveis adaptações a partir dos feedbacks, e tentam descobrir como escalar a prospecção de parceiros e a frente de marketing.
“Vamos pensando em como investir para vender mais, comparando dados — e aprendendo com tudo”, diz Luri.
Enquanto aprendem como tornar o negócio cada vez mais viável, elas se engajam na luta contra a pobreza menstrual, por meio de doações de absorventes orgânicos ao projeto Fluxo Sem Tabu.
“Mesmo sabendo que no começo a empresa não ia dar lucro, a gente já queria ajudar no combate da pobreza menstrual. Por isso, desde o início destinamos [o equivalente a] 1% das nossas vendas para esse projeto”
Hoje, Erika e Luri trabalham com um time de quatro pessoas nas áreas de redes sociais, conteúdo e operações. O negócio ainda se mantém no esquema bootstrapping, mas não descartam a ideia de buscar uma rodada de investimento no futuro.
Por falar em futuro, a ideia daqui pra frente é ampliar o escopo do negócio, ajudar a resolver outras questões de saúde feminina — como melhorar as cólicas, por exemplo — e levar a Amai, cada vez mais, ao maior número possível de mulheres.
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