Investir em empresas, fundos e índices associados à agenda ESG ainda é muitas vezes encarado como uma espécie de “boa ação”, uma atitude nobre do investidor que aceita ter lucros menores em nome de causas socialmente relevantes. Dito de outra forma, investir em ESG tem um custo, certo?
Apesar do raciocínio parecer lógico, a verdade é que está errado. Para Helena Masullo, head de estratégia ESG na XP Inc., aliás, esse é precisamente um dos três obstáculos que devem ser superados para que o mercado atinja todo seu potencial no Brasil. “Existem ainda alguns mitos que precisam ser quebrados, como pensar que ESG é sinônimo de filantropia ou então que é preciso abrir mão do retorno financeiro ao investir em empresas com essa pauta”, pontua.
Empresas com forte atuação nessa agenda “costumam ser mais resilientes e inovadoras, com tendência de ter melhor performance a longo prazo, por isso tê-las no portfólio de investimentos, além de contribuir para a geração de impacto positivo, é uma forma de buscar retornos sólidos e consistentes a longo prazo”, completam Patrícia Genelhu, líder da área de investimento sustentável e de impacto do BTG e Rafaella Dortas, diretora responsável por ESG no BTG Pactual.
Entre as vantagens pragmáticas, as especialistas citam “redução dos custos e aumento da eficiência, redução do risco de multas, redução de externalidades e maior adaptabilidade às megatendências de sustentabilidade”.
O choque causado pela pandemia de coronavírus, somado à crise climática e à própria maturação natural do mercado, fortalece a visão ESG como investimento não só de impacto positivo, mas também mais seguro. Masullo explica:
“A relação risco-retorno é melhor. Os fundos ESG oferecem ganhos equivalentes ao benchmark de outros investimentos, mas com menos risco, ou seja, com mais qualidade.”
Só na plataforma da XP estão disponíveis hoje 49 fundos do mundo inteiro com certificação ESG. “O retorno deles em comparação ao benchmark tem sido muito positivo”, atesta ela.
Os números comprovam a observação da executiva. O ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3), que é um indicador do desempenho médio das ações de empresas com reconhecida atuação nas três dimensões ESG, por exemplo, subiu 166,7% nos últimos 15 anos, ante 147,6% do índice médio da B3, o Ibovespa. O MSCI Brazil subiu 20,1% somente neste ano, ante 19,8% do MSCI Brazil ESG.
Fenômeno parecido ocorre quando olhamos para o ICO2 (Índice Carbono Eficiente, da B3) ou o IGCT (de governança, também da B3). Ou seja: empresas socialmente responsáveis têm valorização semelhante à média do mercado, mas menos volatilidade, e, principalmente, menos riscos visíveis aos negócios.
“De acordo com um levantamento recente do Deutsche Bank, na média de três anos até abril de 2021, fundos com a temática da sustentabilidade apresentaram um retorno médio anualizado de 18,2%, superando a média de 15,5% de fundos sem relação com temas ESG no mesmo período”, completam Genelhu e Dortas, do BTG.
DESCONHECIMENTO E DESCONFIANÇA SÃO OBSTÁCULOS
Além da importância de desmistificar a associação entre ESG e retornos menores “em nome da causa”, Masullo destaca que existem mais dois obstáculos importantes para o fortalecimento desse mercado no país: o desconhecimento e a desconfiança. Felizmente, ambos estão diminuindo.
O desconhecimento tem a ver com a falta de informações, entre empresários e investidores, sobre o que vem a ser a tal sigla, concretamente. Segundo pesquisa da própria XP, em 2020, 73% dos investidores manifestavam possuir muito interesse em investir em opções alinhadas a pautas socioambientais, mas 85% confessavam saber pouco ou nada sobre ESG. Em 2021 o interesse manteve-se, mas o desconhecimento caiu significativamente, para 59%.
As especialistas do BTG apontam ainda a regulamentação e a transparência como questões que precisam melhorar no setor. “Em relação à regulamentação, no Brasil hoje as regras para a caracterização de fundos e ativos ESG ainda estão sendo discutidas e formuladas, o que faz com que não haja parametrização entre os fundos disponíveis para investimento e consequente espaço para greenwashing“, diz Patrícia Genelhu.
“Esse cenário contribui para a falta de transparência, já que o investidor, principalmente do varejo, não tem a clareza do processo adotado pelo fundo para se dizer ESG. Por isso, o trabalho que está sendo feito pela Anbima e CVM é tão fundamental”, complementa Rafaella Dortas.
Até o fim deste ano, uma nova norma da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) entrará em vigor para todos os fundos de renda variável e de renda fixa do país, estabelecendo regras claras para classificar os fundos como de “Investimento Sustentável” ou com a observação de que “integra questões ESG”. “Isso será um marco na indústria de fundos. Com as mudanças, a gente começa a dar passos mais largos na direção correta, a estabelecer uma regra do jogo”, celebra Daniel Celano, membro do Grupo Consultivo de Sustentabilidade da Anbima.
Do início da pandemia pra cá, segundo ele, dobrou o número de fundos associados à pauta ESG no Brasil – basicamente ligados a questões de sustentabilidade e governança.
Ainda segundo a entidade, apenas 20% dos gestores brasileiros possuiam em 2018 política específica para tratamento de investimentos responsáveis, conforme pesquisa realizada naquele ano, enquanto em países como Austrália, Canadá, Estados Unidos e Japão os investimentos sustentáveis já são o tipo mais representativo.
Apesar de atrasado na pauta, o Brasil começa a reduzir a distância para esses mercados, mostram os números. Para Masullo, há um caminho a ser percorrido no país:
“Esse não é um tema novo no Brasil. Alguns fundos se intitulam como alinhados às pautas ESG há muitos anos, mas só recentemente os investidores brasileiros estão aprendendo mais sobre o tema e sobre como isso adiciona valor a eles.”
Masullo lembra que a Europa é muito forte nessa área, com muita regulação das companhias e do próprio mercado financeiro. “O Brasil está apenas começando.”
Por fim, a desconfiança também opera como obstáculo ao avanço dos fundos ESG entre nós. Afinal, será que as empresas fazem realmente aquilo que dizem fazer, em termos socioambientais e de governança corporativa? Como fugir do greenwashing e da “maquiagem verde”, do discurso pré-fabricado (e muitas vezes vazio) de responsabilidade corporativa? Será que as ações das empresas na pauta ESG são efetivas ou um golpe de marketing? Masullo dá a dica:
“Para o investidor que aloca recursos diretamente nas empresas, o que a gente aconselha é a nunca olhar só as campanhas de marketing, mas também ver os relatórios de sustentabilidade, procurar a estratégia da companhia em relação ao tema e entender o que é foto e o que é filme na atuação da companhia.”
À medida que cresce a regulação do mercado, ela também tranquiliza os investidores em relação à questão. “Os parâmetros nacionais e internacionais ajudam muito a evitar o greenwashing. Nas companhias de capital aberto é ainda mais difícil isso acontecer, porque qualquer passo em falso vai gerar repercussão negativa”, completa. “Está todo mundo consciente de que o cancelamento e a mídia negativa são muito prejudiciais aos negócios.”
PANDEMIA AJUDOU A DESPERTAR CONSCIÊNCIAS
Embora os investimentos alinhados a pautas de responsabilidade corporativa sejam tendência no mundo todo há vários anos, especialistas na área são unânimes em apontar que a pandemia de Covid-19, que se espalha pelo planeta desde 2020, impulsionou essa preocupação de forma decisiva. “Assim como a crise econômica de 2008 [a chamada crise do subprime] subiu a barra do compliance, agora a pandemia traz um despertar para algo que já era necessário”, diz Masullo.
Segundo a head de estratégia ESG na XP, a pandemia fez as pessoas pararem para refletir sobre os efeitos das nossas ações e estabelecer um paralelo entre a crise de saúde pública e a crise climática. “Será que as mudanças climáticas vão gerar uma crise parecida, global?”, exemplifica. “No fim do dia muitos investidores pararam para questionar: ‘Onde estou alocando meus recursos? O que eu estou financiando?’ O mercado financeiro começa a assumir um protagonismo e a trazer para si a responsabilidade disso”, completa Masullo.
“Antes, a mentalidade era de que o governo tinha que fazer alguma coisa. Agora, as empresas e o mercado despertaram para sua parcela de responsabilidade.”
Dentro da agenda ESG, Masullo vê diferenças. Na Europa, há uma preocupação maior com a mudança climática, mas no Brasil a XP detectou entre seus clientes que as maiores preocupações tinham a ver com a dimensão social. “No Brasil não se pode falar da dimensão ambiental sem falar da social. Aqui não tem como não falarmos em redução da pobreza e da miséria, de inflação. Outra grande causa que preocupa os investidores locais é a de água e saneamento”, destaca.
Na pauta social, os investimentos em diversidade estão sendo observados de perto pelos investidores mais engajados, acrescenta. “As empresas precisam mostrar que têm políticas de inclusão e de diversidade.”
Genelhu e Dortas, do BTG, concordam que as pautas sociais estão em maior evidência agora. “Com grande destaque para o financiamento de pequenas e médias empresas e investimentos em empresas e soluções de saúde”, ressalta Dortas.
No mundo, a questão climática ganha urgência. “Também acreditamos que um dos grandes temas será a transição para uma economia de baixo carbono. Temáticas fortes para o ano, segundo levantamentos internacionais, são energia renovável, eficiência energética e infraestrutura para o atingimento das metas de descarbonização, tema que ganhou força após a COP26, realizada no ano passado”, completa Genelhu.
Para Masullo, todas essas são questões “vieram para ficar”. “Isso vai se consolidar cada vez mais e vai acontecer aqui o que já se verifica lá fora, de os gestores trazerem uma visão mais estratégica, e não só incremental, sobre sustentabilidade”, prevê.
O bagaço de malte e a borra do café são mais valiosos do que você imagina. A cientista de alimentos Natasha Pádua fundou com o marido a Upcycling Solutions, consultoria dedicada a descobrir como transformar resíduos em novos produtos.
O descarte incorreto de redes de pesca ameaça a vida marinha. Cofundada pela oceanógrafa Beatriz Mattiuzzo, a Marulho mobiliza redeiras e costureiras caiçaras para converter esse resíduo de nylon em sacolas, fruteiras e outros produtos.
Aos 16, Fernanda Stefani ficou impactada por uma reportagem sobre biopirataria. Hoje, ela lidera a 100% Amazonia, que transforma ativos produzidos por comunidades tradicionais em matéria-prima para as indústrias alimentícia e de cosméticos.