Depois de 21 anos de trajetória bem-sucedida em grandes corporações, onde liderou a estratégia de construção e expansão de marcas internacionais, Gabriela Onofre pivotou sua carreira.
Era o ano de 2019 quando ela se tornou sócia e assumiu a vice-presidência de marketing da idtech Unico – scale-up unicórnio (avaliada em 2,6 bilhões de dólares) que desenvolve soluções de identidade digital para tornar as relações entre pessoas e empresas mais simples e seguras.
Com mais de 176 milhões de transações autenticadas em 2022, incluindo aberturas de contas, crediário, pagamentos e locações de veículos, as soluções da Unico também teriam barrado mais de 3 milhões de tentativas de fraudes em diversos setores.
Ao trocar a Johnson&Johnson – onde estava há mais de três anos como diretora global de marketing de Stayfree (a marca Sempre Livre) – pela Unico e o mundo de tecnologia, Gabriela tinha um claro objetivo de upskilling:
“Eu vou ficar aqui sabendo só o que eu já sei? Isso não vai ser suficiente daqui a uns poucos anos!”
Antes, na P&G (onde trabalhou por quase 18 anos), Gabriela já tinha lançado, no Brasil, a marca Ariel, que tem a árdua missão de competir com Omo, praticamente sinônimo de sabão em pó no país. Já na Johnson&Johnson, ela ajudou a transformar a analógica Sempre Livre em 100% digital.
O movimento de trocar uma corporação por uma scale-up parecia razoável, porém arriscado. Quando chegou à Unico, a idtech tinha outro nome (Acesso Digital) e era dez vezes menor. Embarcada nas soluções de diversas outras empresas, sua tecnologia proprietária de identificação biométrica aparecia bem pouco para o consumidor final.
Gabriela arregaçou as mangas e ajudou a mudar esse cenário. Estruturou a área de marketing, conduziu o processo de branding e renovou a identidade da Unico. E, em setembro do ano passado, lançou sua primeira campanha publicitária com foco em B2B.
Segundo uma pesquisa, o mercado de identidade digital deve crescer 91% nos próximos quatro anos. Isso não impediu que a Unico tenha se tornado mais uma de muitas empresas de tecnologia a demitir recentemente uma leva de funcionários (150 em três meses). A VP de marketing contextualiza essa decisão:
“Se queremos ser a maior empresa de tecnologia do Brasil, precisamos ser capazes de atrair os melhores desta área, os mais sêniores, as pessoas que vão trazer novas competências. Foi isso que nos levou a essa reorganização”
Leia a seguir a conversa de Gabriela Onofre com o Draft:
Sua apresentação no LinkedIn já abre com um spoiler. Lá você diz que cursou engenharia de alimentos, mas migrou para área de marketing. Pode detalhar essa jornada?
A raiz de tudo é que sou uma pessoa curiosa. Fui aquela criança do “por quê?”. Ao longo da vida escolar, desenvolvi habilidades… gostava de matemática, do raciocínio lógico. Então, caí na engenharia por isso.
Outra coisa é que sempre fui muito conectada com comida e família. A comida sempre foi um ambiente muito importante de confraternização. Minha família sempre viveu na cozinha então, as boas coisas da vida sempre foram em volta dos alimentos.
Eu pensava que o alimento sempre seria fundamental pra todos, seria sempre relevante. E entendi que a engenharia de alimentos era proporcionar isso em escala, ou seja, tem muito a ver com o que faço hoje. Assim, eu quis fazer engenharia de alimentos. Na Poli/USP não tinha, então fui para a Unicamp.
Estar dentro de uma universidade te abre muitas portas. Experimentei várias coisas – fiz iniciação científica e vi que pesquisa e desenvolvimento não eram para mim; fui representante de classe do centro acadêmico; depois, entrei na empresa júnior como assistente de marketing e cheguei a ser diretora.
Essa passagem foi interessante porque entendi que a gente precisava entender a dor do cliente e colocar nosso serviço à disposição – lógico que era algo muito intuitivo. Percebi que, de tudo que tinha feito na universidade, isso era o que eu mais tinha gostado. Então, decidi tentar estágios em marketing
Fiz um primeiro estágio na área de marketing da Sadia – em um grupo especial com formação técnica, que tinha diálogo com os marqueteiros. Lá, soube que era aquilo que eu queria. Acho que tem muito a ver com entender o outro lado do marketing – construir a narrativa de “entendi sua dor, então como te ajudo a resolvê-la com o serviço ou produto que eu tenho?”.
Eu estava no último ano de estágio na Sadia e a P&G, em que eu também havia me inscrito para programa de estágio, me chamou, fez uma oferta – a única que recebi que não era relacionada a alimentos. Pesquisei e conversei com pessoas, e todos me diziam que a P&G seria uma grande escola de marketing: “Você quer ser marqueteira tendo sido engenheira? Vai pra lá!”.
Eu achei que ficaria três anos na empresa. Fiquei quase 18!
O que há de semelhante e de diferente entre os mindsets de um profissional de engenharia e um de marketing? Como você migrou de um para outro?
Como a P&G é uma empresa que toma as decisões muito baseadas em dados, essa passagem pro marketing foi até tranquila. Era muito sobre entender o consumidor, fazer pesquisas, olhar os dados, aprender a observar. Essa sempre foi a base para se tomar decisões estratégicas, para fazer as escolhas.
Nesse sentido, como marqueteira, eu nunca larguei a engenheira. O marketing não é uma ciência exata – apesar de estar cada vez mais exato –, mas é uma ciência de escuta, de entender o outro, entender a dor. Foi isso que eu aprendi na P&G
Como uma grande escola de marcas, de construção de posicionamento, ali aprendi como se diferenciar, como trazer a necessidade do consumidor e traduzi-la num produto, numa campanha ou posicionamento.
É claro que aprendi um milhão de outras coisas: ser gestora; ter pensamento estratégico multifuncional – que existe, em parte, na engenharia, porque você faz hipóteses, testa coisas e termina com uma conclusão; e trabalhar através dos outros.
Assim como você fez essa guinada lá atrás, da engenharia de alimentos para o marketing, há outra guinada mais recente no seu currículo – de corporações para uma scale-up. Por que, depois de uma longa carreira corporativa, você migrou para a Unico?
Meu último assignment na J&J tinha muito a ver com o futuro, com a inovação. O que me levou pra Johnson’s foi o desafio de fazer o turnaround do negócio e trabalhar Sempre Livre globalmente, estando conectada com adolescentes, que era o grande target.
Nesse mandato houve o resgate da conexão com esse público, apesar de nunca termos deixado de ser a marca amada.
Sempre fui muito conectada nas tendências e percebi que o mundo está diferente. Não é só sobre ser uma marca ou produzir e ter o controle total. É ter mais cocriação
Inclusive, um dos projetos que fiz lá foi uma collab com a Pantys – marca de calcinha absorvente reutilizável – que é, hoje, um super sucesso. Fizemos isso no começo da startup, porque vi essa tendência.
Ao trabalhar com esse público, fui vendo que a tecnologia tinha ganho outra importância: o mundo ia para um lado e eu estava em outro. Me sentia quase envelhecendo.
Ao olhar minha carreira, entendi que tinha sido muito intraempreendedora – montado áreas novas, construído coisas novas. Isso me dava suficiente bagagem pra começar do zero, se eu precisasse, mas eu tinha de estar em tecnologia. Essa foi minha conclusão!
Tive de fazer um networking totalmente novo – até então, meu contato era com grandes empresas de bens de consumo e grandes agências de publicidade – para entender esse novo mundo. Achei que precisava pivotar a minha carreira
E no encontro com a Unico – que então se chamava Acesso Digital – vi nos fundadores Diego [Martins] e Paulinho [Paulo Alencastro] o propósito de mudar o mundo, a vontade de acabar com a burocracia – simplificar através da identidade – e de criar uma empresa de tecnologia a partir do Brasil.
Vi muito daquilo que eu almejava e, ao mesmo tempo, uma oportunidade de reaprender… de aprender sobre tecnologia, começar numa cultura completamente diferente, ser parte da gestão de uma empresa que começava a escalar.
E eles viram em mim, ao invés de uma pessoa muito sênior ou que só trabalhou em grandes empresas, alguém que podia ajudar na estruturação que traria novas competências de gestão. Uma pessoa que, mais que montar a área de marketing, olharia a empresa como dona mesmo.
Sou muito grata por eles terem topado a minha vinda para cá.
Aqui no Draft já conversamos com a fundadora da Pantys, Emily Ewell, que coincidentemente também é engenheira. Como se deu essa aproximação entre vocês? Foi seu primeiro contato com uma startup?
Sim, foi.
O grande trabalho que eu tinha em Sempre Livre era o resgate da marca de cuidado que educava e acolhia, porém sendo relevante. Antigamente, isso era feito quando a consumidora ligava no 0800 e recebia um livro em casa, que falava de menstruação. Hoje, as pessoas estão nas redes sociais e a gente via a tendência entre as adolescentes de novos formatos [de produtos].
Como eu olhava o negócio globalmente, já tinha visto isso acontecer nos EUA, com outra marca, a Thinx. Lá já tinha havido uma explosão na adoção [de calcinhas absorventes], então existia mercado
Quando a Pantys abriu aqui, por estar no mercado de Fem Care, eu logo soube. Emily e Duda [Maria Eduarda Camargo, cofundadora da marca] fizeram coisas muito certas. Pra mim, o fato de elas terem colocado uma lojinha pequena na Rua Oscar Freire já mostrava que entendiam de branding e tinham vindo para ficar.
Elas abriram em agosto e, se não me engano, em setembro fui lá bater na porta delas. Procurei a Emily no LinkedIn, vi que ela tinha background corporativo e até uma experiência na própria J&J, lá atrás.
Disse a elas: “A Johnson’s não sabe que eu estou aqui, mas sou diretora global de Sempre Livre e acho que a empresa precisa de vocês. Seria muito bacana, e queria ouvir o que vocês esperam da marca… Porque uma parceria entre nós poderia levar vocês a uma escala global”
Acho que o fato de a J&J ter uma marca muito forte ajudou nessa conexão. Emily conhecia a companhia, acreditava em todos os standards de qualidade. E nós falamos: “Vamos entender seu produto, testar qualidade”, e começamos a montar o modelo de negócio.
Para mim, era não apenas estar numa outra categoria e poder rejuvenescer a marca, mas também aprender um novo jeito de falar com o consumidor. Pantys é direct to consumer – D2C, tem essa conversa direta, com os dados na mão e a consumidora numa via de diálogo muito diferente. As grandes corporações estavam aprendendo a fazer isso!
De outro lado, a gente tinha marca, canais de distribuição. Então, aprendemos dos dois lados. Não é fácil movimentar – foi um projeto que demorou dois anos para ir pra rua, e existe até hoje.
Sou muito fã da marca Pantys e do jeito que elas continuam construindo. Essa experiência de ver a agilidade de como elas executavam, aprendiam e melhoravam à medida que faziam me deu a certeza de que era isso que eu queria viver – e que talvez eu precisasse mudar de ambiente. E é isso que vivo aqui na Unico.
Quais são as diferenças, vantagens e desvantagens entre ser head de marketing de uma gigante global e de uma scale-up brasileira? Quais aprendizados e desafios teve ao estar em organizações que nasceram de formas diferentes?
Tive oportunidade de aprender muito nas corporações e até o fato de serem grandes traz aprendizados interessantes.
Por exemplo, eu estava na P&G quando começou o SEM. Ninguém sabia o que era isso e a P&G foi uma das primeiras empresas do mundo a entender como usar; fizemos swaps com times do Google.
(OBS: Search Engine Marketing, ou SEM, é a estratégia – também conhecida como marketing de busca – que usa da visibilidade dos buscadores como o Google para divulgar um site ou negócio.)
Foi a mesma coisa com o Facebook: a P&G foi a primeira cliente global deles. Esse aspecto do edge, de ter acesso ao que está acontecendo do ponto de vista de inovação, é ótimo.
Em uma grande corporação você tem muitos processos; e quando você chega numa startup ou scale-up, se dá conta de que não sabia o quanto aquilo era importante
Um exemplo: gestão de pessoas. Quando saí da Procter e entrei na Johnson’s, me disseram: “Você administra a curva de salário assim e aqui está o plano de carreira”. Já quando cheguei na Unico, não tinha nada disso. Tivemos que criar plano de carreira, ciclo de performance, política de remuneração justa. Isso é muito diferente.
Talvez a gente se queixe quando está na grande corporação, porque, muitas vezes, isso engessa. Mas quando você está numa startup, tem de incluir isso nas coisas a fazer – desenvolver para que se escale.
Outra diferença é o jeito de aprender. Na P&G tínhamos os colleges: eu ia para Cincinnati, nos EUA, ou ao Panamá, e todo mundo sabia a mesma coisa. Aqui [na Unico] é uma organização em que precisamos entender o que precisamos aprender: quais são as competências? Onde a gente vai procurar isso? É um mar muito mais amplo e superdinâmico.
Tem ainda o “planejar e executar” versus o “executar, aprender, fazer de novo e planejar”. Os ciclos são muito mais rápidos numa scale-up do que numa [companhia] global – pelo tamanho e escala. E, claro, as taxas de crescimento também são muito diferentes
O importante é entender em que cultura organizacional e sob quais valores você quer viver naquele momento. Uma coisa comum a todas as minhas experiências foi que as empresas tinham valores similares aos meus – não importa o tamanho, se é multinacional ou nacional.
A quantas anda esse mercado de idtech? Quais os desafios, transformações e impactos esperados para esse setor?
A Estônia é uma grande inspiração. Já estive lá duas vezes. Ali conseguimos vivenciar como a identidade digital centralizada e organizada possibilitou uma sociedade muito mais simples e transparente, onde a iniciativa privada e o Poder Público trabalham em conjunto em prol do desenvolvimento da sociedade.
Na última vez em que estive na Estônia, a pessoa que nos recebeu no setor de cibersegurança perguntou: “O que é comprovante de residência?”. Ela nem entendia o significado, porque ali é once only [uma única vez]. Ou seja, você tem o registro em um único lugar – nome, filiação, endereço etc. – e ele alimenta todo o ecossistema.
Vivemos em um país que tem burocracia. Por que ela existe? Porque a identidade é um elo de confiança – as empresas e o governo querem ter certeza de que você é você.
Para aumentar a segurança, aumenta-se também a papelada, a burocracia, os processos. Porém, com o advento da tecnologia é cada vez mais possível ter segurança sem toda essa fricção
Acho que o Governo Digital brasileiro [gestão pública com o uso de plataformas tecnológicas para oferecer mais serviços] avançou, não só para ter tudo a partir do CPF. A sociedade está mais preparada hoje, até porque estamos muito mais digitalizados.
Tudo que vivemos nesses últimos três anos fez com que a gente tivesse uma relação mais digital com o dia a dia.
Em média, temos de nos identificar 15 vezes por dia – seja na senha do provedor de email, numa transação num banco, para comprar alguma coisa…
A própria tecnologia da selfie – que era menos disseminada quando a Unico começou – te possibilita ter segurança e fazer as coisas imediatamente.
Se essa tecnologia não estivesse disponível, não teríamos bancarizado tantas pessoas. Foram mais de 40 milhões só com a tecnologia da Unico [que atende, por exemplo, C6 Bank e PicPay, que usam fotos enviadas pelo aplicativo para autenticação do usuário]! Sem ela, o Pix, iniciativa do Governo Federal, não seria tão forte.
Cada vez mais, as pessoas entendem que isso veio pra ficar. E as empresas entendem que é segurança e também um jeito de converter mais vendas.
Hoje, temos clientes aqui que chegam na loja – física ou digital – e só com a face [biometria facial] fazem uma compra. Não precisam mais pôr o cartão, nada! O varejista deixa de perder, por evitar fraudes, e aumenta muito as vendas
Existe um estudo da Liminal que diz que globalmente o mercado de identidade digital deve crescer até 91% nos próximos quatro anos. Então, vai cada vez mais estar no nosso dia a dia.
(OBS: segundo o levantamento, serviços financeiros, comércio eletrônico e governos representam 78% do mercado global de identidade digital.)
Ao mesmo tempo que existe expectativa de que o mercado de identidade digital cresça, o ecossistema de inovação do Brasil vive um momento difícil, com demissões em massa. A própria Unico demitiu 150 pessoas nos últimos três meses. Por quê? E como a operação vem sendo impactada?
É um desafio… Por que tomamos essa decisão? Nós crescemos 10 vezes em dois anos, e é muito difícil acertar em todas as áreas o que a gente precisa, quais são as competências e o número [ideal] de pessoas.
Tem áreas em que já somos líderes e há outras em que ainda há espaço para desenvolvimento. Para essas, a gente teve de olhar e questionar: como trabalhar mais eficientemente?
A Unico continua contratando, mas a gente precisava ajustar. Havia áreas em que a gente não precisava ter aquele tamanho de departamento; e teve áreas como tecnologia, em que precisávamos seniorizar, trazer novas competências.
Acho que estamos em uma situação mais confortável, dentro do universo das startups, porque estamos num mercado em curva crescente e tivemos inúmeros aportes [o último aconteceu em abril de 2022 – um aporte Série D no valor de 100 milhões de dólares]. Mas é preciso sempre avaliar se estamos na estrutura ideal para continuar crescendo e inovando, independente de termos caixa.
Quem está do lado de fora imagina que uma scale-up que cresce tanto não dispensaria pessoas, só contrataria novas. Porém, pelo que você diz, tem mais a ver com essa dinâmica de errar e aprender, que passa por talentos também. Crescer 10 vezes e dispensar pessoas parece um contrassenso…
Sim! O crescimento acelerado também é um pouco isso – dá um descompasso entre as áreas.
“Será que a gente vai continuar crescendo nessa mesma aceleração? Então, vamos montar um time comercial… Não, veja bem, se a gente não inovar no mesmo pace, não consegue continuar crescendo comercialmente.”
Esse balanço – que nas grandes organizações já está mais assentado, a dinâmica entre as áreas já está bem estabelecida – é o que queremos fazer numa scale-up… e estamos fazendo!
Queremos aprender para deixar isso mais azeitado entre áreas, para entender onde colocar as contratações, porque ninguém quer passar por esse processo de desligamento de pessoas! Mas é parte desse aprendizado, e o impacto deve ser, sempre, cada vez menor
No mesmo dia em que anunciamos nosso último desligamento, anunciamos a entrada de dois diretores de produto sêniores… e temos vagas abertas.
Em geral, por priorização de investimento, uma startup aloca recursos em marketing, comunicação e branding só depois de validar seu modelo de negócio, produto ou serviço. Faz parte da lógica de construção de negócios nesse mercado. Você acha que isso poderia ser antecipado? Quais são as vantagens de se ter uma visão de marketing mais cedo em uma startup?
Sempre acho que quanto antes, melhor. Mesmo quando o fundador ou fundadora começa um negócio do zero, faz aquilo porque viu uma oportunidade, um problema, uma dor do mercado e acha outro jeito de fazer. Então, o propósito já está lá desde o começo, esteja ele organizado num branding ou não.
É claro que nesse comecinho deve-se garantir que existe o famoso Product-Market fit [ajuste do produto ao mercado] – eu vi essa dor; tenho uma hipótese e acho que consigo resolvê-la com essa solução; vamos ver se tem tração, se tem mercado e se as pessoas pagariam por isso?
Nesse início, é normal que as empresas estejam mais entendendo se elas têm um negócio. Mas a raiz do branding já está lá. Nesse momento, é superimportante começar a falar de marca. A marca coloca todo mundo no mesmo barco – no mesmo sonho, até!
Se você está construindo uma empresa é porque quer transformar alguma coisa grande que você vê no mundo. Mas você ainda tem muito pouco, então como você traz os clientes e os talentos?
Essa é a importância da comunicação dessa narrativa e de uma marca estruturada.
O que se costuma chamar de visão…
Exato! A Unico sempre foi essa empresa que nasceu por questionar tanta burocracia. Por que é tão difícil a relação entre as pessoas e entre as empresas? Por que tem tanta papelada?
Sempre houve a crença de que a tecnologia pode simplificar de maneira segura essa relação, trazer confiança. E o sonho de fazer uma grande empresa brasileira de tecnologia sempre existiu.
Eu brinco que o caminho para isso é tipo o Waze – vamos ajustando a rota. E, por isso, a marca também é importante… para te dar esse senso de propósito, para falar às pessoas que estão fora – e às que estão dentro – o porquê de a gente fazer o que faz.
Outra coisa que vejo muito nas startups… hoje, no marketing de performance, você põe um e tira três, é fácil cair nessa coisa da produtividade. Só que a marca te dá diferenciação.
Lá na frente, quando você é grande ou está começando a escalar, vem a pergunta: por que você é diferente? Qual é a diferença de você ser mais um marketplace, e-commerce ou mais uma startup? Se você não tiver uma narrativa muito clara, tanto faz… alguém vai te copiar na sua tecnologia ou na sua solução
É claro que o produto é fundamental nessa construção, e por isso é tão importante ter uma estrutura de Product Marketing – gente de marketing dentro do produto –, exatamente para que esse olhar do cliente ou do consumidor esteja ali, seja relevante. E para que a solução seja simples, desenhada de maneira quase orgânica.
O diferencial de produto também vai ser um diferencial de marca. Então, acredito que a marca tem que começar o mais rápido possível. Claro que tem de haver adequação ao desafio de negócio, à verba.
Você chegou à Unico para montar a estrutura de marketing, que hoje tem mais de 60 pessoas, e já “chegou, chegando”, propondo a mudança de nome da empresa. Sendo que a Unico já tinha 12 anos de atividade…
Sim, mas tinha pivotado quatro anos antes. Ela tinha percebido que não era em gestão eletrônica de documentos, nesse mundo da burocratização, que iria mudar o mundo – mas, sim, na identidade!
O fato de a empresa ter parado de vender o produto inicial para investir em inovação fez com que ficássemos flat em faturamento, e estávamos começando a escalar o novo produto.
O marketing tem a responsabilidade de entender o cliente, gerar demanda, construir a conexão da narrativa tanto para fora quanto para dentro.
Ao chegar, até pela pivotada, senti que dentro da organização as pessoas estavam meio perdidas… Enquanto que na cabeça dos founders estava muito claro para onde a empresa ia, o que ela era e o que estava mudando
O trabalho do marketing é fazer, como antigamente se fazia na revelação de fotos – quando se passava naquele líquido [revelador e fixador, em uma sala escura]. Eu não inventei outra marca, nem outro propósito ou cultura. Estava tudo aqui.
O nosso trabalho foi muito tirar da organização o que é a Unico, por que ela existe, o que a gente faz de diferente, como é trabalhar aqui – e transformar isso numa narrativa que as pessoas conseguissem entender.
Por exemplo, somos uma categoria muito nova – idtech. As pessoas nem sabem o que fazemos, não sabem em qual caixinha nos colocam. Não sabem dizer se somos uma regtech, uma proptech, uma fintech
Aí fui ver que, realmente, não havia um relatório sobre as idtechs, apesar de Identity-as-a-Service (IDaaS) ser uma das categorias de SaaS. Eu disse: “Se somos isso, temos de fazer o mercado nos enxergar desse jeito! O que a gente faz é identidade digital que transforma essa relação [entre pessoas e empresas] em algo mais simples e seguro”.
O jeito de fazer o branding foi diferente do que eu fazia na P&G ou na J&J porque eu tinha infinitamente menos dinheiro, muito menos tempo e muito menos know-how interno sobre isso – apesar de ter a confiança dos fundadores.
Ao mesmo tempo, entendi a situação da empresa, que era completamente diferente das minhas vivências anteriores. Então, propus um brand sprint – em um mês, a gente fez esse trabalho.
A Unico acredita que a identidade é sua e que cada ser é único. Daí vem o nome. A nossa responsabilidade é sermos apenas o guardião, ser esse meio do caminho: você tem controle e poder sobre a sua identidade
Foi um processo que achei que fosse ser mais difícil, porque é quase [como] falar: “Vamos mudar o nome do seu filho”. Mas todos participaram, e o nome Unico tinha muito a ver com o que a gente quer criar, com a nossa essência.
Como foi lançar essa marca nova? Em setembro de 2022, a Unico soltou sua primeira campanha publicitária multiplataforma…
Primeiro a gente garantiu a comunicação para os clientes porque sempre trabalhamos em cocriação com eles. Os clientes são quase uma extensão da Unico, então era natural que fossem os primeiros a saber.
Fomos ao mercado com PR, ainda construindo essa narrativa, levando a pesquisa sobre idtechs da Liminal. Depois, a gente trouxe pesquisas (acesse aqui): por que a identidade digital é importante?; qual o custo da burocracia para as pessoas?; qual o custo da burocracia para o país?
Ainda estamos nessa jornada de explicar a identidade digital e o impacto que ela tem nas pessoas, nos clientes e na sociedade; em paralelo, entendemos as necessidades
Por que chegamos na campanha no ano passado? Porque a categoria ainda é muito nova.
Muitas vezes, a pessoa fala: “Vocês têm um produto que facilita a compra de carro; outro que facilita a identificação de um banco – seja na abertura de contas ou mudança de celular –; e um terceiro para admissão em uma empresa… mas o que uma coisa tem a ver com a outra?” No fim, é tudo sobre identidade.
Fizemos a campanha com auxílio da N Ideias, de Nizan Guanaes. Decidimos começar de fora para dentro, pensando qual é o grande benefício? Somos uma empresa majoritariamente B2B2C, então por que o B2B nos compra? Para que seja mais fácil para o cliente dele, mais seguro e mais rápido!
Daí vem: “Seu cliente vai fazer, em segundos, o que leva horas”. Todo mundo quer isso. E a campanha diz que “isso é a Unico”, que está em várias áreas da sua vida. Porque ela é uma tecnologia embarcada em outros serviços. Ou seja, você não necessariamente nos vê
Foi uma campanha com estratégia de mídia mais voltada para o B2B – majoritariamente veiculada na TV fechada e mídias digitais.
Uma empresa de tecnologia tem de fazer apenas campanha em meios digitais? Por quê?
Não, a escolha da mídia sempre tem a ver com o contexto e onde você pode encontrar o seu target da maneira mais aberta possível àquela tua comunicação. Pode ser out-of-home (OOH), eventos, TV aberta, TV fechada.
O importante é entender de que você precisa. Se você precisa de profundidade, eventualmente até vai pra uma coisa física – uma revista, por exemplo.
Enfim, não acho que por ser um produto ou serviço digital, tem de estar na mídia digital! A mídia tem que acompanhar o seu público.
Existe uma batalha dos CMOs de startups para explicar que as mídias não-digitais também podem ser úteis?
O que acontece é que as mídias digitais trazem o resultado imediato. A grande luta dos CMOs é a construção de marca, porque ela é uma maratona – e não uma corrida de 100 metros.
Eu acho que é muito menos sobre as mídias e muito mais sobre qual é o impacto da construção de marca pro negócio, para a percepção do cliente, para a percepção do consumidor? E o ponteiro não mexe imediatamente!
O nosso desafio é como trazer insumos – de clientes, dos próprios resultados de mídias digitais ou de acesso a site – e dados que mostrem que esse caminho de construção de marca é positivo. Esse é o desafio do CMO de uma startup.
Na Unico, além de cuidar de comunicação e marketing, você lidera o planejamento de pesquisas proprietárias, parcerias com instituições acadêmicas, entre outras ações. Isso soa como liderar um departamento de inovação ou de P&D dentro de uma scale-up. É isso mesmo?
Não. Temos pessoas de pesquisa, que não estão na minha área… por exemplo, privacy research. Temos uma pessoa super sênior que olha isso e trabalha com universidades sobre qual é o futuro para criptografia, privacidade, e tenta entender como a gente traz privacidade by design para dentro dos produtos da Unico – que é, cada vez mais, o nosso mantra.
A gente trabalha muito em conjunto com eles para entender o que está acontecendo e como podemos trazer essas novidades para dentro da empresa. Como a gente inclui isso na narrativa.
Fomos convidados para estar em um grupo de pesquisa do Fórum Econômico Mundial sobre cibersegurança, o Global Innovators, que vai falar quais são os parâmetros do digital trust em geral. É muito legal a Unico estar ali fazendo parte de uma discussão que vai pautar como as organizações e sociedades vão estar no futuro.
Ao mesmo tempo, como estamos construindo uma categoria, precisamos transformar isso em algo cada vez mais palpável. Por que identidade digital? Em um período de 20 anos, a Estônia cresceu seu PIB sete vezes! A gente, se não me engano, cresceu 2,3…
(OBS: segundo levantamento da FGV, entre 2011 e 2020 a economia brasileira registrou um crescimento médio de 0,3% ao ano, o pior registrado em 120 anos.)
Então, queremos mostrar para entidades públicas e da vida privada que a identidade é um fomentador da economia… isso a gente faz com a FGV – vai sair em breve uma pesquisa –, porque queremos entender o impacto na economia para as pessoas se mobilizarem pela identidade.
Quando você volta com esses dados também é mais fácil conscientizar sobre a importância de ter um processo de identidade digital nas relações pessoas-empresas.
Em teoria, corporações como J&J e P&G, onde você também atuou, têm menor rotatividade de executivas – pois possuem políticas de RH estabelecidas há mais tempo. Isso significa que profissionais maduros, 50+, são mais bem vindos por lá do que em scale-ups e startups?
Acho que não é verdade, mas pode ser que eu esteja enxergando a situação pela perspectiva da Unico. Quando cheguei, eu era a pessoa mais velha. Hoje, temos muita gente sênior, com idade semelhante à minha ou até mais velhas do que eu
Por exemplo, nosso CTO, Nelson Mattos, era nosso advisor. Ele já tinha 20 anos de IBM e 15 anos de Google e resolveu voltar para a carreira executiva dentro da Unico.
A verdade é que nós somos muitos sortudos de tê-lo aqui. Sem o conhecimento dele e a atratividade que ele tem de talentos, talvez não conseguíssemos dar esses saltos de inovação, tecnologia e estruturação que estamos dando.
Talvez exista um preconceito de que uma pessoa sênior não vai aguentar o ritmo de startup, mas isso não é real! A idade é uma coisa que a gente tem no RG. Cada pessoa entende a que, quanto quer se dedicar e que tipo de cultura quer viver. Não é a idade que define isso
Para os fundadores que pensam que só com uma organização jovem serão capazes de se escalar, eu diria: “Não. É na diversidade racial, de idades, de backgrounds, de pensamentos e de gêneros. É do diferente que a gente aprende”.
Vou fazer 50 anos em 2023 e me sinto renovada, rejuvenescida pelo fato de estar trabalhando dentro de uma scale-up. Porque continuo aprendendo.
Bruna Ferreira trilhava uma carreira no setor financeiro, mas decidiu seguir sua inquietação e se juntou a uma amiga para administrar um salão de beleza. Numa nova guinada, ela se descobriu como consultora e hoje ajuda empresas a crescer.
Movida pelo lema “siga sua paixão”, Letícia Schwartz foi viver nos EUA e fez sucesso com livros sobre gastronomia. Até que se apaixonou pela educação e fundou uma consultoria que ajuda alunos a ingressar em faculdades americanas.
Pode um robô ser racista? A provocação está no título de um livro editado por Silvana Bahia. Codiretora do Olabi, criadora da PretaLab e conselheira do Museu do Amanhã, ela fala sobre o desafio de incluir mulheres negras na indústria tech.