De 30 amigos meus do ensino médio, todos com 50 anos ou mais, 15 tiveram um filho.
Sete não tiveram filhos.
Outros sete tiveram dois filhos.
E apenas um teve três filhos.
Ou seja: considerando esse grupo de 60 pessoas já entrando na meia-idade, meus 30 amigos de adolescência mais seus maridos e mulheres (eu e minha mulher inclusos nessa conta), todos com seus ciclos reprodutivos já encerrados, 50% cortarão pela metade sua presença no planeta – um pai e uma mãe irão embora, deixando apenas um descendente.
23,3% manterão sua presença – dois indivíduos sairão de cena, deixando outros dois indivíduos em seu lugar.
Outros 23,3% reduzirão sua presença a zero – duas pessoas morrerão sem reproduzir
E apenas 3,4% – um dos meus 30 amigos – contribuiriam para o aumento da população global: ele tem três filhos. Só que ele produziu seus pimpolhos com duas mulheres. Então, na verdade, nessa conta, três adultos geraram três crianças. Ou seja: eles também ficarão no zero.
Passando a régua: esses 30 casais (que foram crianças nos anos 70, adolescentes nos 80 e jovens adultos na década de 90) geraram ao todo 32 rebentos. Isso significa que 60 pessoas deixarão de existir, tendo contribuído com apenas 32 indivíduos à preservação da espécie. Trata-se de uma redução de 47% dessa população, de uma geração para a outra.
A julgar por esse grupo, a Terra está salva. Conseguiremos regenerar o planeta. Na verdade, nesse ritmo, teríamos de nos preocupar com outra ameaça: nossa própria continuidade como espécie.
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O crescimento da população humana tem sido uma constante desde o surgimento da espécie – e um fator determinante do nosso impacto no planeta.
Da conquista dos continentes à extinção de centenas de espécies animais e vegetais. Da formação de impérios e das guerras de expansão que geraram a escravidão e o mapa político que temos hoje ao surgimento do capitalismo e do mercado de massas.
Tudo isso se valeu de um combustível que até hoje jorrou abundante: a produção de novos indivíduos (trabalhadores, soldados, escravos, consumidores, dizimistas, pagadores de impostos).
Essa torneira parece ter começado a secar. Depois de 250 mil anos, o Homo sapiens finalmente começa a aliviar sua pressão sobre o planeta. Acabamos de ultrapassar a casa dos 8 bilhões de indivíduos – a taxa de natalidade atual é de 2,3 filhos por mulher
Projeta-se que a população humana bata em 10,3 bilhões de pessoas em 2100, caia para 9,9 bilhões em 2200 e estabilize em 9 bilhões em 2300, considerando que a taxa de natalidade até lá caia para dois filhos por mulher. (Lembrando: esse é o ponto de equilíbrio – um pai e uma mãe morrem, deixando dois herdeiros.)
Se essa taxa cair para 1,5 filho por mulher, a população humana se reduzirá a 6,8 bilhões em 2100, 2,3 bilhões em 2200 e chegará a apenas 720 milhões de habitantes em 2300 – menos do que a soma das populações atuais de Estados Unidos e Europa.
No Brasil, a taxa de natalidade já é de 1,6 filhos por mulher. Nesse ritmo, a população brasileira cairá dos atuais 215 milhões de pessoas para 180 milhões em 2100.
Se considerarmos uma taxa ainda menor, de um filho por mulher, que é o índice praticado pelos meus amigos, a população mundial em 2300 pode chegar a meros 30 milhões de indivíduos – menos do que a soma das populações atuais de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Estaríamos à beira da extinção
Penso que o comportamento reprodutivo dos meus amigos pode muito bem representar uma média comum para grande parte dos indivíduos dessa geração, mundo afora. (O único lugar em que a natalidade permanece alta é a África subsaariana.) E penso que as novas gerações tendem a contribuir ainda menos para o crescimento populacional. (Mais sobre isso aqui.)
É possível que, em algum momento dos séculos 22 ou 23, a gente tenha que ter políticas de concepção, e não de contracepção, com incentivos à reprodução humana, de modo a manter viva a nossa espécie. Teremos que planejar e administrar o estoque de seres humanos no planeta, porque com uma taxa de natalidade menor do que dois filhos por mulher a gente uma hora desaparece. (Entre meus amigos, como vimos, apenas 23,3% decidiram ter dois filhos.)
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Outro aspecto importante: a expectativa média de vida ultrapassará a casa dos 90 anos em 2200 e romperá a barreira dos 100 anos em 2300. Ou seja: teremos menos gente e gente muito mais velha. Isso mudará um bocado de coisas. Uma delas, os direitos de fim de vida.
Ao vivermos por mais tempo, aumentaremos nossas chances de enfrentar doenças crônicas ou terminais, situações de incapacitação irreversível, de sofrimento insuportável, além da própria decrepitude física e mental decorrente do envelhecimento
Será necessário garantir a todos os seres humanos o direito à “boa morte” – o encerramento da vida de modo digno, rápido e indolor, com todos os recursos da ciência, quando a pessoa considerar que sua existência deixou de fazer sentido por ter virado um martírio.
Hoje, apenas 12 países têm legislações favoráveis à “boa morte”.
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Outra mudança relevante: com o desenvolvimento tecnológico crescente, com o aumento da produtividade e com os ganhos de eficiência decorrentes disso, de um lado; e com a diminuição da população, de outro; é provável que venhamos a inaugurar, em algum momento dos séculos 22 ou 23, o que poderíamos chamar de Era da Abundância Universal. Em suma: sobrarão recursos.
Teremos menos gente produzindo riqueza, mas a geração de bens e serviços não desacelerará na mesma velocidade da redução populacional, o que nos tornará automaticamente mais prósperos
Isso já vem acontecendo. Meu pai teve onze irmãos – cada um deles recebeu uma mísera fração da atenção e do patrimônio dos meus avós. (Não é possível acumular patrimônio com uma dúzia de filhos – nem cuidar direito deles.) Pouco mais de meio século depois, eu tive dois filhos – que estão recebendo (e continuarão se beneficiando no futuro) de metade de tudo que eu puder lhes oferecer.
É também possível que a ideia de renda universal se transforme num conceito mais amplo de bem-estar humano. Num cenário de abundância, com menos gente para dividir os recursos disponíveis, é possível que deixe de fazer sentido pagar pelas coisas.
Produziremos o suficiente para atender com sobras à demanda existente – e não fará sentido produzir nada além disso. Nesse cenário, nenhuma empresa teria meta de crescimento de um ano para o outro – porque viveríamos num mundo estável, definido pela fartura, pela saciedade, e não pela escassez.
O número de consumidores não cresceria e cada um deles já estaria plenamente atendido em seus desejos. Talvez o próprio dinheiro, como o conhecemos hoje – elemento regulador das trocas entre as pessoas, e de valoração das ofertas disponíveis no mercado –, vá precisar ser repensado.
Nossos descendentes consumirão muito mais do que nós – mas o farão de um jeito melhor, mais sustentável e inteligente
Eles provavelmente viajarão mais – mas se deslocarão menos no dia a dia. Usarão mais eletricidade, para tudo – e nenhum combustível fóssil. Demandarão mais energia – de fontes limpas, não-poluentes.
Provavelmente comerão mais saudável – alimentos produzidos localmente, de modo mais artesanal do que industrial, em grande medida frescos, biológicos e orgânicos. E é provável que trabalhem menos também, em carreiras mais criativas, definidas por um desejo de realização pessoal, e não pelo imperativo da sobrevivência.
É notável que o pote de ouro ao final do arco-íris do capitalismo venha a ser uma fraternidade global muito parecida com aquela preconizada pela utopia comunista – um sistema em que todos contribuem para o bem comum, na medida de suas capacidades, e se beneficiam desse pote, na medida de suas necessidades
Uma espécie de paraíso na Terra. A poucas décadas e poucas gerações de distância da gente.
Adriano Silva, 52, é jornalista, fundador da The Factory e publisher do Projeto Draft, do Future Health e de Net Zero. É autor de dez livros, entre eles a série O Executivo Sincero, Treze Meses Dentro da TV, A República dos Editores e Por Conta Própria: do desemprego ao empreendedorismo – os bastidores da jornada que me salvou de morrer profissionalmente aos 40.
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