Desde muito cedo, sempre me indagava qual era a minha missão de vida. Eu era feliz, mas não me sentia realizada. Havia um vazio na profissão que eu desempenhava, pois descobri que vivia o sonho de outras pessoas.
Fui proprietária de franquias, como Cacau Show e Subway, e trabalhei como gerente de qualidade no grupo Madero. Mas sentia que esse não era meu propósito de vida.
Durante o curso de pós-graduação em Inovação na FAE Business School, consegui compreender que a inovação não é desenvolvida apenas em tecnologia. Percebi que o mundo precisa de Inovação Social.
Sou formada em Direito, então consegui aliar meu curso de bacharelado à minha vocação para o empreendedorismo.
Foi aí que criei a RES Green Innovation, startup voltada para a ressocialização de mulheres privadas de liberdade.
Trabalhamos no setor de costura da Penitenciária Feminina do Paraná produzindo uniformes profissionais, fardarias e slow fashion.
Com o projeto, pretendo também contribuir para a diminuição da reincidência criminal na sociedade.
Iniciar um trabalho desse porte foi um grande desafio — um dos maiores da minha vida. Exigiu muito desejo e resiliência.
Primeiro, pelos aspectos físicos, como a distância da cidade onde moro, Curitiba, até a penitenciária, que fica na região metropolitana.
Segundo, por estar numa prisão de segurança máxima, com pessoas cumprindo penas que excedem 30 anos.
No primeiro mês de trabalho, me dividia entre os compromissos externos e a produção dentro do presídio.
Foi um momento de adaptação a um universo paralelo em um ambiente hostil, enquanto as detentas se ajustavam aos procedimentos de produção
Para se sentirem aptas a atuar, nós capacitamos essas mulheres e, após o cumprimento da pena, as direcionamos ao mercado de trabalho.
Mesmo sendo recente, a empresa (que tem 100% de investimento dos meus próprios recursos) superou minhas expectativas: só em dezembro de 2022, produzimos mais de 5 mil unidades de peças de uniformes com poucas colaboradoras. São apenas cinco no momento.
Com o tempo, as colaboradoras criaram um vínculo comigo e a preocupação com elas passou a aumentar.
Como não temos contato quando estou fora da penitenciária, é necessário ter muita sinergia, como as engrenagens de uma máquina funcionando perfeitamente.
A organização é essencial, cada uma fazendo a sua parte, com a consciência de que se uma falhar, o todo perde. Elas ficam livres para raciocinar sobre o processo de aperfeiçoamento sem imposição efetiva, mas com direcionamento.
Lidero ao lado delas e estou ensinando que elas têm voz e opinião no processo de criação. Deixo claro que desenvolvemos o trabalho juntas, pois todas contribuem, e que ninguém é melhor do que ninguém. Isso criou um grupo unido e bem ajustado
Por várias vezes, saio do canteiro de produção e me dou conta de que mais aprendo do que ensino. Aprendo sobre superação, resiliência, perdão, sobre não julgar a história dos outros.
Quando você entende que cada um tem uma trajetória, é impossível julgar. Passei, sim, a ter empatia para que tenham oportunidades igualitárias e chances de fazerem mudanças positivas.
Além dos uniformes profissionais, estamos criando uma coleção de camisetas premium, em malha pima 100% algodão peruano, com uma arte incrível feita com desenhos de uma detenta.
Além de o processo de confecção ser artesanal e em ponto russo (uma técnica de bordado especial que dá a impressão de alto-relevo), as camisetas terão um QRcode com a história de vida dessas mulheres e de todo o processo produtivo das peças ‒ nosso interesse é terceirizar para alguma grande marca
Além das camisetas, estamos criando uma coleção de fardaria e jalecos de luxo de alta-costura para o universo da medicina, com tecidos de alto padrão.
Estamos também aliando o processo manual do crochê. Temos muitas crocheteiras: desde novembro produzimos mais de 200 unidades de biquínis e saídas de praia, vestidos em crochê e com bordados.
Esse setor é a minha ‘menina dos olhos’ devido à aderência do mercado por existir um alto valor agregado nestas peças e falta de mão de obra para confeccioná-las.
Ou seja, nós temos tudo nesse projeto, além de representar um conceito muito brasileiro da artesanalidade comunitária, remetendo ao passado, quando nossas avós e bisavós crochetavam e criavam peças manuais únicas
O meu desejo de fazer dar certo e a vontade das colaboradoras que estão privadas de liberdade são combustíveis para continuarmos essa luta.
Também foi imprescindível o apoio da direção da penitenciária e do Depen-PR (Departamento Penitenciário do Estado do Paraná), que abraçaram a ideia da startup e me auxiliam em todos os momentos.
MAIS DO QUE UMA OPORTUNIDADE DE TRABALHO, OLHAMOS PARA O PROCESSO TERAPÊUTICO E DE RESSOCIALIZAÇÃO
O trabalho não é composto apenas pela mão na massa: discutimos temas importantes à ressocialização e incentivamos os sonhos de cada mulher, pois muitas já não têm mais direção e propósito na vida.
Orientamos para que sejam influências positivas na sociedade e mudem a consciência geral instalada no presídio diante das situações desafiadoras que se apresentam.
Auxiliamos para que desenvolvam inteligência emocional e sejam exemplos de comportamento para outras mulheres.
A maioria delas viveu relacionamentos tóxicos e está cumprindo pena por estar inserida nesse contexto. Elas tiveram como verdade e referência algo prejudicial a si mesmas
Temos de ressignificar essas crenças. Essa é a contribuição da minha empresa na mudança de vida dessas pessoas.
Não quero ter as mesmas colaboradoras eternamente, quero que tenham oportunidades de crescimento, cultura e estudos.
Além dessa busca pela ressocialização e pelo processo terapêutico, aplico ferramentas ágeis junto ao time do presídio, como Design Thinking e Design Sprint.
O Thinking para estimular a perspicácia das mulheres ao abordarem seus problemas, indicarem soluções e tomarem decisões ‒ colocando-as ainda mais como protagonistas do projeto no cárcere
E o Sprint, na tentativa de reduzir riscos na produção de novos produtos para o mercado. Aprendizados valiosos do curso de Inovação e Metodologias Ágeis da FAE Business School.
Essas ferramentas auxiliam as detentas na organização das suas ideias, aumentando o senso de comunidade e a participação ativa em todo o processo.
TRABALHAR COM SUSTENTABILIDADE E CAPITALISMO CONSCIENTE É ALGO TRANSFORMADOR E PERCEBO ISSO A CADA MULHER IMPACTADA…
Meu maior sonho é conseguir vender para grandes marcas ou terceirizar nossas criações, uma vez que temos mão de obra e capacidade de produção em escala.
Nós precisamos de oportunidade, não só para essas mulheres, mas para a nossa empresa entrar num mercado tão concorrido, em que gigantes têxteis dominam.
Desejamos contratar mais mulheres, para que elas vejam que é possível ter uma vida digna, sair do crime e vencer por meio do trabalho
Nossa meta para 2023 é ter a certificação de empresas do Sistema B.
Semanalmente recebo milhares de pedidos, cartinhas de mulheres querendo trabalhar conosco, pois pagamos salário para o Depen, que repassa o valor, geralmente, para a família dessas mulheres.
Já que a sociedade não pode ir até o presídio, vamos levar o presídio até a sociedade. É esse o nosso objetivo.
Nosso slogan é: “Não vendemos apenas roupas, transformamos pessoas”. Nosso conceito é o capitalismo consciente, que vai além da lucratividade e geração de renda
Com a ressocialização das pessoas privadas de liberdade, queremos despertar os valores de bem-estar social, criando simultaneamente diferentes valores para os nossos stakeholders, como financeiros, intelectuais, físicos, sociais, culturais, éticos e até espirituais. Assim, criamos um senso familiar e de comunidade.
O propósito da RES é levar o impacto social positivo para os clientes, porém acaba sendo mais difícil vender os nossos produtos do que produzi-los
Justamente pelo fato de a aplicação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU no Brasil ser embrionária, muitas empresas não entendem que ter fornecedores rastreáveis na produção é extremamente importante.
No campo da indústria têxtil, é comum encontrar trabalho análogo à escravidão e infantil. Infelizmente, são poucas as empresas que têm o interesse (ou entendimento) de rastrear seus fornecedores. Não se atentam em contribuir para a diminuição da reincidência criminal, na qual somos todos atores
Nós somos conveniados com o Estado do Paraná, nossos processos e condições de trabalho são inspecionados pelo sistema, não ultrapassamos os limites e contribuímos para o desenvolvimento individual das mulheres e a diminuição da reincidência criminal, que chega a 40% ‒ ou seja, temos lastro.
Nossos clientes estão totalmente em consonância com a sustentabilidade e com o impacto social positivo em seus negócios e já estão na geração do ESG regenerativo.
Procuram-nos não apenas pelo preço, mas pelo “plus” que oferecemos, composto de impacto social e sustentabilidade. Acredito que essas empresas sejam o exemplo para o futuro da sociedade privada.
Algumas companhias já têm essa consciência da importância do ESG e do rastreamento da produção de seus fornecedores, no caso nós, como fornecedores de uniformes.
Aos poucos os investidores estão enxergando a tendência crescente da inovação social, tema importante do Fórum Mundial da Economia 2023, em Davos.
Então, somos pioneiros nessa área penitenciária no Brasil e temos boas expectativas quanto ao sucesso da nossa empresa.
Tenho esperança de que os investidores vão se desapegar um pouco da tecnologia e cumprir com a sua função social também
Mas chegar às grandes empresas é difícil ainda pelo complexo processo de homologação de novos fornecedores.
Tenho certeza, no entanto, de que dentro de pouco tempo elas vão precisar de negócios como o meu — com impacto socioambiental positivo, tanto por necessidade de compliance como por ser uma exigência do mercado.
Graziella Soares é formada em Direito (Ulbra), com MBA em Franchising (Unipar) e pós-graduação em Filosofia (PUC-RS) e em Inovação e Negócios Ágeis (FAE Business School). É fundadora da RES Green Innovation.
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Há quase 1 milhão de pessoas presas no Brasil. De olho nesse público, Péricles Ribeiro fundou a Loja do Preso, que atende famílias de detentos vendendo kits com produtos permitidos na prisão, como biscoito, xampu, repelente e desodorante.
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