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A luta dela é contra a pobreza menstrual: “É um choque ver que meninas faltam à escola por não terem dinheiro para absorvente”

Rebecca Vettore - 3 maio 2023
Adriana Farhat , cofundadora da Re.ciclos.
Rebecca Vettore - 3 maio 2023
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Uma a cada cinco jovens brasileiras deixa de ir à escola por não ter condições de comprar absorvente. O problema tem nome — pobreza menstrual — e impacta meninas entre 14 e 24 anos.

Adriana Farhat, 41, jamais viveu esse drama na pele. “Eu nunca tive problema em acessar absorvente e não conhecia ninguém no meu círculo familiar ou de amizade sem acesso a absorvente.”

Formada em administração de empresas, ela conta como reagiu ao se dar conta da questão:

“Foi um choque pensar que tem pessoas, outras mulheres, que vão faltar na escola e ao trabalho, e com isso serão excluídas da sociedade, porque não têm dinheiro para comprar absorvente — e por isso não podem sair de casa.” 

Para combater a pobreza menstrual, Adriana e mais três sócias — Aline Vick, Isabel Machado e Paula Meneses — criaram juntas, em 2020, a Re.ciclos. A cada absorvente de tecido reutilizável vendido pela empresa, outro é doado para uma pessoa em situação de vulnerabilidade.

Em março, a paulistana participou de um painel na 37ª edição do SXSW, um dos maiores eventos de inovação e cultura digital do planeta. No festival, Adriana teve a chance de discutir com outras participantes sobre a dignidade menstrual.  

A seguir, a empreendedora social fala ao Draft sobre sua jornada e os desafios pelo caminho:

 

Adriana, pode resumir a sua experiência até aqui, e explicar como ela te preparou para empreender?
Como meu pai era advogado e minha mãe era professora, sempre pensei em várias possibilidades de profissão. 

Gostei tanto do meu primeiro emprego, de professora de inglês, que fiquei com a ideia de ter a minha própria escola um dia. Por isso, escolhi cursar administração na PUC

Durante a faculdade e os estágios, fiquei exposta a diferentes áreas da administração como marketing, finanças, RH, produção, etc. 

Resolvi fazer meu primeiro estágio em 2005 em um banco na área de RH, para entender como funcionava essa área. Atuei por oito meses na parte de projetos. No segundo estágio trabalhei em uma consultoria focada na área de remuneração, dentro do RH. 

Quando me formei, fui criar a área de remuneração na Gafisa, onde fiquei por mais de um ano. Depois atuei por um ano como especialista em remuneração na Vale 

Em 2011, acabei voltando pra Gafisa, onde permaneci por sete anos. Comecei como gerente de remuneração, onde tive um escopo maior, com uma responsabilidade grande de organização e reestruturação, e cheguei até o cargo de head de gente e gestão em dezembro de 2016. Sai de lá, em agosto de 2018.  

Essas experiências me ensinaram muitas coisas. Entre elas, aprender a arriscar, aproveitar as oportunidades, correr atrás para criar novas possibilidades e a ter resiliência 

Tudo isso me levou a criar uma empresa onde realmente pude contribuir e usar as minhas competências — e os meus contatos, que fiz ao longo do caminho. 

O que você fez durante seu período sabático? Ele mudou de alguma forma seu jeito de trabalhar?
Decidi vivenciar um ano sabático porque, na minha visão, o mundo corporativo me engessava um pouco e eu não conseguia fazer outras coisas, como por exemplo ser voluntária. 

Assim que sai da Gafisa, fui voluntária por dez dias em um orfanato do Quênia e conheci uma das minhas sócias, a Aline.  

Na sequência, viajei, estudei, acabei conhecendo SXSW, o que me abriu a cabeça para conhecer outras pessoas 

Acabei trabalhando na Recode onde ajudei, durante o primeiro ano, a montar um piloto de inclusão produtiva para pessoas em situação de vulnerabilidade. 

Nesse projeto de formação em programação, trabalhei como professora de soft skills, onde ensinava como as pessoas poderiam usar suas competências socioemocionais para saírem melhor na entrevista, por exemplo. Entrei nessa ONG em 2019 e fiquei até dezembro de 2022. 

Em 2019 também passei a trabalhar de forma voluntária como conselheira no Yunus Social Business, onde permaneço até hoje ajudando como mentora .

A partir dessas experiências decidi me engajar em ter uma formação de impacto social e me inscrevi em um curso da Amani Institute Brasil, que acabou sendo um divisor de águas para mim 

Durante cinco meses de 2020, desenvolvi projetos com duas pessoas, a Isabel e a Paula, que seriam minhas sócias no futuro. 

Por que você resolveu dar essa guinada em direção ao social?
Eu diria que a morte do meu pai, em 2014, foi dos motivos para buscar um autoconhecimento, entender um pouco do sentido da vida. 

Comecei a me perguntar qual era a minha missão de vida, [para] onde eu deveria direcionar os meus esforços. E, por anos, fiquei com uma voz na minha cabeça que me dizia que deveria começar a trabalhar com o social. 

Sempre quis ser voluntária, mas nunca conseguia me organizar para isso. Até que pude fazer essa pausa e vivenciei momentos de autoconhecimento e de reorganização de direcionamento de vida profissional

Apesar de ser muito difícil, trabalhar na área social me dá uma satisfação muito grande. Posso transformar o mundo e levar informação a quem precisa. 

Quando vendo um absorvente ou, em uma roda de conversa sobre menstruação, as pessoas falam que aprenderam algo novo e agradecem por ter levado uma informação, me sinto recompensada e ganho aquele gás para seguir em frente.

Conte um pouco sobre como e quando surgiu a ideia da criação da Re.ciclos. Quais conflitos e angústias levaram a criação da marca?
Na época que eu fiz administração tinha a ideia de criar uma empresa em algum momento. Inicialmente queria criar uma escola de inglês, mas duas situações me trouxeram até a ideia da Re.ciclos. 

O curso da Amani me ensinou na prática como trabalhar para resolver um problema social, ferramentas para tirar uma ideia do papel, e trouxe proximidade com problemas sociais — como, por exemplo, racismo estrutural e patriarcado

E, em algum momento acabei topando com o tema da pobreza menstrual. Passei a pesquisar bastante sobre o tema e ele acabou ficando na minha cabeça. Fui descobrindo cada vez mais que era um problema que impactava o mundo todo, inclusive as brasileiras, e quis fazer minha parte para resolvê-lo. 

Durante meu curso, o meu TCC, que fiz com duas das minhas futuras sócias, acabou me levando a criar a empresa. 

Como projeto de conclusão de curso, ensinamos, a distância, mulheres de uma cooperativa de reciclagem de Naviraí, Mato Grosso do Sul, a costurarem seus próprios absorventes. Mandamos os tecidos e elas costuraram a mão, porque não tinha como mandar máquinas de costura 

Quando terminamos o TCC, falei, “cara, isso aqui só começou, né…”. Em novembro de 2020, criei o projeto da empresa com as minhas sócias, que conheci no curso e no voluntariado. E as operações de venda da Re.ciclos começaram no início de 2021. 

Qual o tamanho do problema que a Re.ciclos tenta resolver? E como ela resolve?
A pobreza menstrual é um problema e uma angústia gigantes que impactam muitas mulheres. Quando falamos de tentar resolver esse problema, estamos falando em ajudar meninas a performarem bem na escola o ano todo, colocando elas em pé de igualdade com pessoas que não menstruam. 

Metade da população do mundo menstrua em algum momento da vida. Então, como isso ainda é uma coisa que pode ser [motivo de] vergonha, por eu não ter acesso a água, a itens de higiene e um absorvente? 

Por isso, pensamos em criar uma empresa que pudesse dar lucro e que ele pudesse revertido para a causa — e, assim, levar dignidade menstrual às pessoas.

Nossa empresa entrega os produtos no Brasil inteiro e quando vende um absorvente de tecido, produz outro absorvente para doar. Juntamos esses absorventes e levamos para comunidades e escolas onde as pessoas não podem comprar seus absorventes 

Já ajudamos projetos em Florianópolis, Osasco, Pirassununga, e queremos chegar a outros lugares. 

Com os absorventes de tecido, que duram de dois a três anos, conseguimos, por um tempo, resolver a questão de quem não pode comprar absorventes descartáveis todo mês, e ainda diminuir a produção de lixo no meio ambiente. 

Além de doar os absorventes, fazemos rodas de conversa sobre educação menstrual. Porque o mais importante não é fazer a doação, mas levar informação e tirar as dúvidas das meninas sobre seus corpos, aparelho sexual, ciclos menstruais etc.

Como os produtos da Re.ciclos se diferenciam de outras alternativas disponíveis no mercado?
A gente já se destaca muito por alguns motivos. Temos um tecido hipoalergênico que não causa alergia, lembrando que muita gente tem alergia aos absorventes descartáveis — quase 90% deles são feitos de plástico. 

Não usamos química para branquear, por exemplo, que também causa bastante alergia. Recebemos muitos feedbacks positivos de clientes que falam do prazer de poder menstruar sem ter coceira 

Os nossos tecidos são biodegradáveis, por isso se decompõem de uma forma mais rápida e adequada para o meio ambiente, e duram bastante. Além de serem ultra absorventes, os tecidos dão um toque com a pele muito confortável.

Como está a monetização do produto? Vocês preveem crescimento financeiro neste ano?
Depois de dois anos de operação e de tentativas, já deu entender onde que a gente pode alavancar. A empresa já se paga, mas queremos trabalhar para poder escalar. 

Hoje, estamos em quatro pessoas; eventualmente outras participam de projetos — na área da comunicação e na costura dos absorventes, por exemplo —, mas temos planos de nos reorganizar para trazer mais gente para o time.

Para isso precisamos de mais investidores e assim fechar mais parcerias com empresas, vendendo absorventes e revertendo as doações, [para] doar para mais escolas, investir em tecidos tecnológicos e bons para o meio ambiente. 

Como a Re.ciclos trouxe uma disrupção para sua vida? O que mudou na vida pessoal desde a criação da marca?
Várias coisas, mas acho que a principal foi que a menstruação deixou de ser um tabu na minha vida. 

Durante a minha jornada de autoconhecimento, pude fazer uma reconexão com o meu lado feminino, porque para mim o mundo corporativo me demandava muito de um lado muito masculino, mais objetivo. Um lado que não me permitia olhar para a minha intuição

Se você me perguntasse há cinco anos se eu falaria sobre a minha menstruação ou sobre menstruação do jeito que eu falo, eu responderia: de jeito nenhum. Acho que nunca comentei que estava menstruada nem com a pessoa que trabalhava do meu lado. 

Hoje em dia falo que estou menstruada para todo mundo e as pessoas têm que me pedir para parar de falar de mensuração. 

Essa mudança me permitiu falar sobre a potência feminina, a potência da menstruação. A gente tem uma mente de negócios, mas também tem um coração social, e acho que essa intersecção me fez equilibrar o meu lado prático com o meu lado sensorial, da intuição.

Quais são as metas e expectativas da Re.ciclos para o futuro próximo?
Já conversamos com possíveis investidores, mas como temos um negócio social, precisamos de pessoas que entendam o nosso modelo de negócio e que não queiram só focar na parte financeira. 

Estamos abertas a receber apoio, para podermos alcançar o próximo patamar. Em um futuro próximo, queremos alavancar as vendas, fechar parcerias em marketplaces e lojas físicas, como farmácias 

Em algum momento a gente pode abrir uma loja física também. Queremos colocar mais projetos em escolas públicas e particulares.

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