Foi em um almoço no fim de 2017 que Patrícia Camargo e Luciana Navarro descobriram inquietações e angústias em comum.
As duas queriam mudar de carreira, empreender e também estavam deixando suas rotinas de skincare mais alinhadas ao conceito clean beauty, que significa o uso de cosméticos livres de componentes prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Luciana vinha de uma quimioterapia devido a uma gravidez molar (alterações na placenta que podem levar ao desenvolvimento de câncer); durante o tratamento recebeu a orientação para suspender o uso de cosméticos tradicionais.
Patrícia, por sua vez, vinha do mundo corporativo. Como diretora jurídica de uma grande marca de cosméticos, teve contato com o que ela chama de “lado B” das toxinas, traduzido em processos envolvendo que correm em segredo de justiça.
Naquela conversa, as duas descobriram uma busca em comum: a realização profissional com um negócio bom para as pessoas e o planeta. Luciana afirma:
“Ao falar de beleza e cosméticos é preciso falar de saúde em primeiro lugar. Porque não existe beleza sem as pessoas estarem saudáveis”
Foi desse encontro que nasceu a Care Natural Beauty, marca de skincare e maquiagem que trabalha com ativos naturais, biotecnologia e é 100% livre de toxinas como chumbo, cádmio, alumínio, ftalatos e parabenos.
A Care estreou em 2018 com o intuito de falar com a mulher que consome marcas premium já sedimentadas no mercado, indo além dos consumidores de produtos naturais e veganos. Segundo Luciana:
“As mulheres não sabem o que estão levando para dentro da casa e do corpo delas [ao consumirem cosméticos tradicionais]. Mais de 85% do que passamos na pele vai pra dentro do nosso corpo e impacta o organismo como um todo”
Para chegar nesse público, a Care aliou a sustentabilidade, presente nas formulações limpas e sem toxinas e nas embalagens de vidro e refiláveis, à alta performance, possível a partir de pesquisas dos ativos naturais dos biomas brasileiros, como pracaxi e açaí, e do uso da biotecnologia para sintetizar os melhores ativos em laboratório.
“Sabemos que as matérias-primas são finitas. Se todo mundo resolver fazer cosméticos com ativos naturais e produção orgânica, a natureza não vai dar conta”, diz Luciana. “A biotecnologia está aí para dar a segurança de copiar esses ativos da natureza e entregar estabilidade e performance.”
A jornada para construir a Care começou com o investimento de 1 milhão de reais das próprias sócias. Elas partiram para pesquisar o mercado europeu e americano, conhecer os fabricantes e conversar com dermatologistas, médicos e donos de laboratório, para entender os processos de ativos biotecnológicos que aliassem tecnologia e natureza.
De volta ao Brasil, saíram em busca de fabricantes (a produção da Care é terceirizada). As grandes indústrias, conta Luciana, não se interessaram, dizendo que aquilo não era pra elas. As pequenas, por sua vez, exigiam quantidades mínimas que ainda eram grandes para uma empresa em estágio inicial.
Foi preciso fazer um trabalho de convencimento para estabelecer as parcerias, ainda mais porque elas não usam fórmulas prontas, mas somente aquelas desenvolvidas com exclusividade para a marca, um processo que pode levar de oito a 14 meses.
“Éramos uma empresa que fugia do corriqueiro. Mas fomos persistentes e o ‘não’ nunca foi aceitável. Sempre conseguimos algum químico, farmacêutico ou laboratório produtor da matéria-prima que nos dava um parecer”
Hoje, os 49 produtos do portfólio da Care vêm de quatro fábricas (três no Brasil e uma na Itália) que trabalham com as premissas de contratação e cuidado com a cadeia produtiva para garantir a origem sustentável dos produtos.
“Fizemos um trabalho de fomento nessas fábricas”, diz Luciana. “Assim como nós, elas estavam começando há cinco anos — e fomos crescendo juntas.”
Recentemente, a Care conquistou o selo EWG, uma certificação que reconhece empresas que criam soluções e práticas sustentáveis de alto padrão de forma transparente, garantindo a segurança dos ingredientes e da cadeia produtiva, facilitando a leitura de rótulos para que o consumidor faça escolhas mais seguras, saudáveis e sustentáveis.
Essa história seria diferente se, lá no início, em 2019, a empresa não tivesse sido selecionada para participar do programa Sephora Accelerate.
Durante a aceleração, as empreendedoras tiveram acesso a executivos da varejista, que olharam os produtos e planos de negócios.
Um dos primeiros feedbacks que elas receberam foi a necessidade de trocar a embalagem, que não estava alinhada ao que a marca queria mostrar para o mercado.
“Esse processo nos mostrou que estávamos no caminho certo porque, até então, era uma grande incógnita se o nosso sonho era viável. Também nos deu a possibilidade de trocar com o mercado americano, que estava pelo menos cinco anos à frente do brasileiro”
Segundo Luciana, “foi muito legal ter esse olhar do maior varejista de beleza do mundo avalizando o nosso produto”.
Além disso, a aceleração pôs a dupla cara a cara com investidores do Vale do Silício no pitch de apresentação ao final do programa — de onde saiu o primeiro investidor-anjo do negócio.
Marca nativa digital, a Care havia acabado de testar dois pontos de venda físico em São Paulo — quiosques nos shoppings Iguatemi e Pátio Higienópolis — quando foi decretada a pandemia pela Covid-19, em março de 2020.
“Como tínhamos medo de fazer um investimento alto que não desse certo, fechamos quatro meses com cada shopping, simultaneamente. E foi muito legal”, diz Luciana. “Mas quando quisemos renovar os contratos não tinha mais disponibilidade de ponto físico. Começamos a olhar outro shopping — e aí veio a pandemia.”
Com tudo fechado, elas focaram apenas na venda online e viveram um momento de insegurança, já que a marca tinha pouco mais de um ano e ainda estava em fase de se estabelecer e ganhar mercado.
Porém, a mensagem de autocuidado aliado à saúde das pessoas e do planeta acabou reverberando de forma positiva naquele momento em que todo mundo estava em casa tentando se cuidar e manter a sanidade mental. E a Care viu um crescimento de 370% em 2020.
“Foi uma grata surpresa. Ainda estávamos no início da operação e ficou uma incógnita gigante sobre o que seria. E foi maravilhoso acompanhar todo o engajamento e como as pessoas tinham entendido a nossa proposta, porque estávamos falando sobre escolha consciente e qualidade de vida”
Dois anos depois, em 2022, o faturamento da marca foi de 14 milhões de reais. Para este ano, a meta é crescer 100%.
Nessa fase pós-pandêmica, elas contam com a ajuda do fundo Order Venture Capital, que fez um aporte de 7 milhões de reais no ano passado, recurso que deve ajudar a construir um faturamento de 200 milhões de reais em cinco anos e a colocar os produtos da Care em prateleiras de outros países a partir do segundo semestre de 2024.
“O clean beauty é um mercado sem volta. Não é mais uma tendência, é uma realidade”, diz Luciana. “Todo mundo está se adequando e buscando as melhores formas de produzir para entregar um produto ético. Nossas formulações são de extrema qualidade e entregam muita performance, então sabemos que estamos prontas para atender a demanda.”
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