Sou Jocimara, filha de Nilton, pescador e agricultor, e de Elizabete, marisqueira. Tenho três irmãos: Jocimar, Josimário e Itamar.
A casa em que eu cresci era de taipa, em Camamu (BA), e nunca tive vergonha de dizer de onde venho. Até porque tenho um orgulho enorme.
Minha formação vem de lá, meu maior exemplo são meus pais. Meu pai trabalhava dia e noite para suprir o básico, minha mãe tirou marisco até no dia que ganhou meu irmão
Se me perguntarem hoje quem te inspira, com certeza vou responder Nilton e Elizabete. Minha fé e minha família são minha base.
Meu pai sempre dizia: “Se quiser ser alguém na vida tem que estudar. Eu não estudei, mas vocês vão estudar”. Minha mãe celebrava cada poema, desenho, música que eu fazia na escola. Era lindo ver o sorriso e o orgulho no rosto dela quando as professoras diziam: “Mãe, venha ver a arte da sua filha”. Até hoje ela lembra disso.
Sou grata porque mesmo não tendo essa oportunidade de estudo, meus pais me ajudaram a conquistá-la. E ver as dificuldades que eles enfrentavam para cuidar de mim e dos meu três irmãos sempre foi motivação para continuar sonhando.
Às vezes, passávamos apertado, mas tenho a lembrança do meu pai chegando da pescaria e nos acordando na madrugada para comer.
Sabia que o único jeito de chegar ao meu objetivo era estudando, trabalhando e sonhando com a faculdade, que meus pais tampouco poderiam pagar.
Ainda assim, acreditava que iria cursar Administração e seria dona da minha própria empresa.
Para ajudar nos meus estudos, ainda na Bahia, produzia e vendia cocada, sonhos e salgados.
Junto com a minha mãe, fui de sacoleira a camelô. Até que, em 2011, conversei com ela e decidimos alugar um ponto de comércio e formalizar nosso negócio, que se chamaria Bete Modas
Foi um grande desafio que aceitamos com garra e determinação. Nosso primeiro ponto era pequeno. Para completar, o local antes abrigava uma antiga barbearia…
Cidade do interior, você sabe como é, as pessoas passavam e riam porque estava escrito “barbearia” em uma loja de roupas, mas não tínhamos dinheiro para pintar.
Um dia, um pintor ficou com dó da minha mãe e ofereceu seus serviços por um preço que podíamos pagar. E lá estava o nome Bete Modas na parede.
Tudo estava se encaixando, minha mãe é uma ótima vendedora, mas em contrapartida tem o coração mole. Escuto o tempo todo que CNPJ não tem coração. O nosso tinha todos os órgãos…
Quando finalmente conseguimos um espaço maior e eu já estava cheia de planos de crescimento, a dona do estabelecimento resolveu pedir o espaço e voltamos à estaca zero.
A única solução foi levar toda a mercadoria para nossa casa. Sem espaço para trabalhar, sem receber os fiados, os cheques começaram a voltar.
Foi um verdadeiro pesadelo. Nosso nome, o que mais prezamos por questão de honra, estava “sujo”
Continuei vendendo de porta em porta, viajava os povoados e cidades vizinhas. Era bem acolhida por todos onde chegava.
Nesse processo, conseguimos um novo espaço para montar a loja. Era um ponto em que ficávamos expostas a muita poeira e barulho dos caminhões.
Ali estávamos mais uma vez recomeçando, sem dinheiro, apenas com força, coragem e a esperança de algo melhor.
Até que conheci uma moça, em dezembro de 2012, que estava fechando uma linda loja no centro da cidade e me fez uma proposta de passar o ponto.
Era um espaço grande, bonito e já estava pintado com as cores da nossa loja: lilás e branco. Não preciso falar o quanto estava feliz, com muita fé e a sensação de que agora as coisas iam acontecer
Mudamos em 2013. Foi uma maravilha! A pessoas iam até a loja comemorar com a gente, outras para atestar se era verdade o que tínhamos conquistado.
Em 2014, minha mãe abriu as portas da nossa loja para uma fornecedora de roupas que estava passando por um momento difícil, tendo que recomeçar.
A proposta que ela fez parecia ser a solução até levantarmos um valor para voltar a comprar direto da marca que gostávamos.
Venderíamos a mercadoria dela na loja e ela nos pagaria uma comissão. Mas quando essa fornecedora se reergueu, contratou uma moça, alugou um lugar e retirou suas mercadorias do nosso estabelecimento, sem mais nem menos.
A nossa loja ainda ficou aberta até o começo de 2015, quando minha mãe precisou passar por uma cirurgia de retirada do útero e já não dava conta de manter o espaço
Sem conseguir fazer reposição de mercadorias, não tinha novidades e as vendas caíram. E eu havia me mudado para Maringá (PR) após o casamento. Minha mãe não estudou e, quando as coisas complicaram, foi mais difícil sem mim.
Então, decidimos fechar a loja em março de 2015.
Quando cheguei a Maringá em 2015, meu vizinho, professor Admilson Freire, me orientou a respeito dos cursos do CIEE (Centro de Integração Empresa Escola).
Fiz vários e lá fui informada que havia vagas para um curso técnico em Administração gratuito. Pensei que aquela era minha oportunidade de entrar no mercado de trabalho.
Triste ilusão. Mal sabia que seria barrada logo nas primeiras tentativas de estágio. Tive que escutar de um recrutador que eu não me enquadrava no perfil, mas tinha uma vaga disponível de serviços gerais
Enquanto cursava Administração, trabalhei como auxiliar de produção na Cocamar, em restaurante, em salão de beleza…
Mas foi em 2016 que recorri às tranças para recuperar meu cabelo, que a química e a técnica de mega hair haviam danificado. E depois vi ali uma oportunidade.
A verdade é que eu nem sabia mais a textura nem tão pouco o meu tipo de cabelo. Apenas aprendi que ele era duro, “ruim” e para ficar bom tinha que alisá-lo
A fala da Alessandra Rufino (uma cabeleireira com quem trabalhei no primeiro salão em que fui manicure) foi um despertar de questionamentos em minha cabeça: “Por que você não tira esse mega hair e usa seu próprio cabelo?”.
É isso! Eu não conhecia meu próprio cabelo.
Comecei então a pesquisar e entender o que era mito e o que era verdade e a estudar sobre as tranças nas horas vagas.
Aprendi muito sobre o meu próprio cabelo e que existia no mundo das tranças muitas possibilidades de penteado.
Descobri que eu sabia trançar meu cabelo porque era algo passado de geração a geração, que se trata de algo relacionado à ancestralidade africana. Por isso, a habilidade
Em meio a tantos desafios enfrentados em Maringá, não me deixei abater. Procurei trabalho em outras áreas. Fazia unha e tranças no final de semana.
Tinha um propósito dentro de mim: fazer uma trança tão bonita a ponto de as pessoas olharem e se perguntarem quem foi que fez.
Até 2019 ainda trabalhei em alguns salões de beleza como manicure. De cada salão que passei, levo lições. Com a Tânia, aprendi que devemos dar oportunidades. Com a Shirley, que a única pessoa que deve competir comigo sou eu mesma e que devo me desafiar ao novo (eu era manicure, mas ela me permitia fazer penteados).
No último salão que passei, em 2019, aprendi que o meu diferencial, meu melhor, é o que me difere de outros profissionais.
Passei por um processo de autoconhecimento e redescoberta como mulher preta.
O processo de transição capilar que vivi me fez ver o quanto meu cabelo crespo é lindo. Aprendemos desde cedo que nosso cabelo é “ruim”. Assumir meu cabelo foi um grande resgate da minha identidade como mulher preta crespa
A partir dessa percepção, vi que havia uma oportunidade de abrir um salão para atender esse público. Comecei a me aprofundar como trancista e desenvolvi minha própria técnica indolor. Isso me fortaleceu a continuar meu legado como empreendedora, agora com um novo negócio e propósito.
Atualmente, o atendimento é feito com hora marcada, já que o trabalho é minucioso e exige tempo.
Entre as opções, há tranças nagô, box braids, gypsy braids (com uso de fibras), crochet braids, entrelaces (extensão de fios), entre outras.
Com esse trabalho, já recebemos reconhecimento com o prêmio de Destaque Empresarial 2023, realizado, em Maringá, pela Conexão Pesquisas e Publicidade.
Não é só trançar cabelo. É explicar sobre os cuidados, a durabilidade e, mais do que isso, reafirmar a beleza de mulheres e homens, em especial a mulher preta
Atendo muitas clientes com a autoestima “machucada”, que de tanto ouvirem que não eram bonitas, acreditaram. A trança é um dos métodos protetivos, recurso que ajuda a realçar a nossa beleza.
Meu sonho é iniciar o projeto “Jô Empodera” para ajudar mulheres, de qualquer cor, a resgatarem sua autoestima com um atendimento gratuito pelo menos uma vez por mês. O penteado que vou oferecer é apenas uma forma de trabalhar a identidade delas, principalmente para a mulher negra que sempre foi inferiorizada e apagada.
Também desejo atuar nesta frente com o público infantil, que se informa pelo que ouve e aprende na infância.
E acredito que é muito importante trabalhar a autoestima das crianças crespas, para que desde pequenas entendam que seus cabelos são bonitos
Outro sonho é pisar meus pés em África, voltar às minhas origens para me reconectar ainda mais com minha ancestralidade.
Depois de atender em casa desde 2016, este ano aluguei meu primeiro ponto comercial em Maringá.
Com o apoio do Ponto de Atendimento ao Empreendedor (PA), canal de atendimento aos empreendedores do Sebrae/PR em parceria com a Associação Comercial e Empresarial de Maringá (ACIM), tenho buscado estruturar meu empreendimento.
Participei de rodadas de negócio com outras empresas, de programa para mulheres empreendedoras, de feiras, e faço parte do Núcleo Setorial dos Profissionais da Beleza do Programa Empreender da ACIM – grupo de empreendedores que realizam ações conjuntas para impulsionar negócios participantes.
Recentemente, passei por uma consultoria individual para aprimorar a gestão. Agora, estou focada no marketing do meu negócio, que aparece bem ranqueado na busca do Google e no Instagram.
Quero continuar estruturando minha empresa e dar cursos dentro da área, ensinando minha técnica e, quem sabe, futuramente oferecer um curso online para contribuir com meu conhecimento de forma produtiva
Hoje o salão conta com a colaboração de mais dois profissionais e estou feliz por conseguir sustentar o meu negócio e me sustentar com algo que amo e acredito.
Jocimara Barros de Oliveira, conhecida como Jô, empreende o Jô Afro Hair, salão onde, como técnica trancista, atende um público variado, mas com foco em ajudar as mulheres negras a resgatarem sua identidade e a autoestima.
Lettycia Vidal empreendeu a Gestar para combater a violência obstétrica, mas esbarrou na escassez de investimentos em negócios fundados por mulheres. Ela conta o que aprendeu nessa jornada — e fala sobre sua nova etapa profissional.
Grávida no começo da pandemia, Thais Lopes resolveu ajudar a construir um país melhor para a sua filha. Deixou a carreira corporativa e fundou a Mães Negras do Brasil, negócio de impacto com foco no desenvolvimento desse grupo de mulheres.
O jornalista André Naddeo sentia-se estagnado, até que deixou a carreira e foi viver um tempo num campo de refugiados na Grécia. Ele decidiu então se desfazer de suas posses para ser mais livre e acolher imigrantes por meio de uma ONG.