Que a gastronomia tem um poder agregador, todo mundo que se reúne para um almoço de domingo com a família ou amigos sabe bem.
Agora, que tal aproveitar esse potencial agregador para turbinar tarefas corporativas? E se em vez de workshops e reuniões de time no escritório, o encontro de trabalho acontecesse na cozinha, com a mão (literalmente) na massa?
Essa foi a ideia da chef Izabela Dolabela, 34, e do executivo Thomas Simon, 42. O casal se juntou a outras duas sócias, a empresária Lais Portes, 32, e a chef Luisa Zogbi, 22, para fundar o it.kitchen, em dezembro de 2022.
O empreendimento, que começou como um serviço de catering, hoje funciona como um “hub gastronômico e de experiências”, que combina, na Casa.it (espaço físico do negócio na Vila Madalena, em São Paulo), uma cozinha colaborativa, local para treinamentos, reuniões, eventos, degustações e produções publicitárias.
Inaugurada no final de julho, a Casa.it já recebeu mais de 30 eventos, o que representou para a empresa um faturamento mensal até aqui de 120 mil reais. Com os clientes que já foram fechados para os próximos meses, a perspectiva é ainda mais animadora: terminar 2023 com uma receita de mais de 800 mil reais mensais.
Mineira de Belo Horizonte, Izabela já é conhecida no meio gastronômico. Formada em Direito e Gastronomia, desde a faculdade ela sabia que faria sua carreira de fato na cozinha.
Começou a empreender ainda com 18 anos com uma loja de brigadeiro. A chef trabalhou em restaurantes por 15 anos e empreende na área há algum tempo, como sócia da Lowko Sorvete, da Compotas Ibá e da Artse Vinhos.
Em 2016, quem não acompanhava sua trajetória passou a conhecer melhor Izabela, quando participou da edição profissional do MasterChef, reality show da Band. Ela não venceu (deixou o programa na quinta semana), entretanto, conta que surgiram várias oportunidades a partir desta participação:
“O programa me abriu portas aqui em São Paulo e decidi ficar. Me tornei sócia de um restaurante, depois do Nattu [restaurante de comida orgânica e com unidades em São Paulo e no Rio] e saí de lá em dezembro passado para empreender o it.kitchen”
A chef ainda é embaixadora da Le Cordon Bleu Brasil no Diplôme em Plant Based. Ou seja, ela é responsável por divulgar o curso da escola francesa, com sede em São Paulo, focado na culinária à base de plantas.
Já o paulistano Thomas é formado em publicidade, com pós em gestão de negócios, e construiu sua carreira em grandes bancos e empresas, como Itaú, Panamericano, Carrefour e Comgás, além de ter experiências no ecossistema das startups.
Simultaneamente à rotina do mundo corporativo, ele começou a empreender uma agência de eventos que, no começo, promovia festas de 400 convidados, mas ao final de três anos já estava realizando eventos para 4 mil pessoas.
“Foi em um deles, no Réveillon de Jericoacoara, de 2016 para 2017, que conheci a Izabela e estamos casados desde 2019”, diz.
Em 2018, Thomas vendeu sua parte na agência e seguiu no mundo corporativo, sendo sua última passagem na Hypera, de onde saiu para fundar a it.kitchen.
Depois de participar do MasterChef, Izabela passou a receber convites para realizar pequenos eventos na casa dos clientes, lojas ou em espaços de marcas.
Thomas percebeu que havia aí uma oportunidade de negócio e que que ter o próprio hub gastronômico poderia resolver um dos problemas enfrentados com frequência por Izabela: encontrar um local para realizar os eventos dos quais recebia encomenda.
“Eu buscava espaços e não conseguia data, local que me agradasse, região, enfim. Aí o Thomas sugeriu de a gente abrir o nosso negócio, com uma casa, e assim escalar o que eu já fazia”, lembra a chef e empreendedora. Ela topou, mas teve receio.
“Eu sou medrosa, confesso, o Thomas é muito mais corajoso do que eu. Ele já falava logo em pedir demissão para empreender de novo”
Para essa empreitada, eles chamaram Laís, que já tinha sido sócia de Izabela em outro negócio e acumulava experiência como fundadora da Labbox, que produzia caixas de presentes personalizados para clientes corporativos. O trio começou a planejar como seria este espaço e a buscar casas. Logo, Luisa veio se juntar ao time. Izabela conta:
“Eu já pensava em contratar uma pessoa da Le Cordon Bleu porque, como embaixadora da escola, sei que os alunos têm um padrão técnico de perfeição. Aí coincidentemente recebi um e-mail de uma ex-aluna de lá, que tinha também estudado fora e com um currículo super bacana.”
Além de tudo, Luisa tinha experiência com ovos de Páscoa, o que chamou a atenção de Izabela. A ideia era testá-la num projeto de Páscoa e depois contratá-la quando a Casa.it estivesse pronta, mas houve uma mudança no meio do caminho.
“O trabalho dela nos surpreendeu muito e pensei que seria importante ter alguém para dividir a cozinha comigo. Por que como faz se eu ficar doente, por exemplo? Então, decidimos convidá-la para se tornar sócia”
Hoje, enquanto as duas chefs comandam a cozinha, Lais cuida do atendimento e Thomas, da área comercial e financeira. Fora isso, o hub conta com dois funcionários e, em eventos, cerca de dez garçons e copeiras.
PARA ATENDER UM PROJETO DA NIKE, A EMPRESA CORREU COM A REFORMA E APRESSOU A INAUGURAÇÃO DA CASA
Em maio, tiveram início as obras de casa que o trio alugou para abrigar o hub gastronômico. Os sócios investiram 500 mil reais para transformar o espaço (parte do valor veio das vendas dos ovos de Páscoa).
A Casa.it foi projetada pelas arquitetas Eliane Zogbi (mãe de Luisa) e Mylena Costa. A previsão era de que tudo ficasse pronto para a inauguração em agosto. Mas o espaço recebeu um pouco antes um pedido de realização de um evento da Nike, que já era cliente do serviço de catering do it.kitchen. Izabela lembra:
“Eles queriam a data de 28 de julho. Eu falei: ‘claro, está tudo pronto, vambora’. No dia 28, às 17 horas, ainda tinha gente instalando espelho e colocando cortina para o pessoal da empresa chegar às 19 horas… Mas deu tudo certo!”
Hoje, a Casa.it recebe eventos sociais, como aniversários e aulas de gastronomia, e corporativos — o foco está neste segmento. “As empresas usam a casa pra fazer workshops, treinamentos e, principalmente, team building [metodologia usada apara fortalecer os laços entre as equipes]”, diz Thomas.
O espaço é capaz de atender de 50 a 100 convidados e continua oferecendo serviços de catering externo, pois além da cozinha para eventos, conta com outra, industrial, que consegue produzir para cerca de 800 pessoas.
“NO INÍCIO, ELES FALAM QUE NÃO SABEM FRITAR NEM UM OVO. MAS QUANDO A DINÂMICA COMEÇA, TODO MUNDO QUER SER CHEF”
Para as empresas que desejam realizar dinâmicas de team building fora do padrão das salas de reunião ou hotéis, o it.kitchen oferece o serviço da Caixa Misteriosa.
Izabela explica como funciona:
“Usamos a cozinha como forma de integração de times. Temos quatro bancadas, então formam-se as equipes e cada uma tem que criar uma receita com os ingredientes que entregamos numa caixa em tempo cronometrado. Depois, a gente avalia a melhor receita, o grupo que teve a melhor integração, qual ficou com a bancada mais arrumada…”
A princípio, há certa timidez, mas depois as pessoas se soltam, conta. “Elas começam falando que não sabem nem fritar um ovo, mas quando a dinâmica começa todo mundo quer ser chef. O pessoal está lá no forno ‘gritando’ com o bolo: ‘cresce, cresce…’”
De acordo com Thomas, é possível ver claramente na dinâmica da cozinha as características de team building:
“Sempre tem aquela pessoa com perfil de liderança, que vai ser a chef. Antes de começar, a gente já pergunta quem vai liderar o grupo. E na cozinha, fica muito clara também a necessidade de se trabalhar em conjunto para fazer as coisas darem certo”
Entre as empresas que já contrataram este tipo de serviço, os sócios citam CVC, Nike, Royal Prestige e TikTok.
O TIME DO IT.KITCHEN PERSONALIZA AS EXPERIÊNCIAS CONFORME A DEMANDA DE CADA CLIENTE
Se o encontro corporativo exige um pouco mais de formalidade, o espaço também conta com uma sala de reuniões com 16 lugares. “A empresa pode passar o dia lá e a gente cuida de todo o serviço de alimentação”, diz Thomas. “Depois, o time pode ainda fazer um happy hour.”
As experiências são moldadas a gosto do freguês. A Nike, que inaugurou o espaço, contratou um jantar italiano para corredoras da Nike Women, que iam fazer a meia maratona de São Paulo. “A gente recebeu o grupo e cozinhou na frente das corredoras um jantar super especial”, diz Izabela. “Foi tudo bem descontraído.”
Ela lembra que, em outro evento mais recente para a mesma empresa, o hub atendeu o time de visual merchandising.
“Primeiro, quando chegaram, os funcionários usaram a cozinha para fazer uma aula de yoga. Depois, a gente preparou um café da manhã e o time ficou o dia inteiro aqui fazendo uma reunião de planejamento… Teve também almoço e, no final do dia, uma experiência com a Caixa Misteriosa”
Para a Marcato, marca italiana de máquinas de massas parceira do it.kitchen, foi organizado um jantar com 22 influenciadores, que precisaram pôr a mão na massa.
Izabela cuidou da curadoria dos convidados. O grupo recebeu o convite para participar por meio da it.box, outro serviço do hub. Trata-se de uma caixa de presente que cada cliente pode personalizar.
“No dia, foram os influenciadores que fizeram a massa, usando os equipamentos da marca e um avental que enviamos na it.box; e depois comeram o prato que prepararam”
O hub ainda dispõe de estrutura para gravações de conteúdos gastronômicos, lives e publicidades em geral. Por enquanto, esta frente ainda anda mais devagar por falta de agenda na cozinha, já que há uma demanda grande para os eventos corporativos. O chef Lucas Corazza e o apresentador Rodrigo Hilbert são alguns dos clientes que já agendaram o uso do espaço.
PARA ESCALAR, O DESAFIO É DESCOBRIR COMO TORNAR O NEGÓCIO MENOS DEPENDENTE DAS DUAS CHEFS
Diariamente, a sócia Lais responde de 15 a 30 pedidos de orçamento para os serviços do it.kitchen. “Agora, no final do ano, a gente acredita que vai ter uma agenda bem concorrida, porque já tem muita empresa contratando e ainda há vários orçamentos a serem fechados”, diz Izabela.
Para que daqui em diante a rotina não fique mais pesada, a chef diz que precisa pensar em formas de tornar o modelo de negócio menos dependente de sua presença.
“As pessoas geralmente não enxergam isso, mas eu faço de tudo. Tem dias que trabalho em pé 16 horas seguidas. É um trabalho muito presencial e braçal. Temos eventos praticamente todos os dias e estou em todos, participando das compras até a limpeza final”
Por enquanto, diz Thomas, não há como abrir mão da presença de Izabela e de Luisa, a outra chef-sócia. O desafio agora é começar a desenvolver pessoas para que as duas possam cuidar mais da supervisão:
“Os quatro sócios vão precisar de equipe para ter mais tempo, inclusive para trazer mais clientes e escalar. O amadurecimento da empresa vai trazer isso. E aí entendendo como as coisas funcionam, nossa ideia no futuro é abrir novas casas que atendam outros formatos de experiências.”
Às vezes, mastigar dados com tecnologia não basta para conhecer o seu público. Julia Ades e Helena Dias estão à frente da Apoema, uma empresa de pesquisa low-tech que busca conexões nas entrelinhas e atende marcas como Nike e Natura.
André Chaco e Renato Cukier se conheceram ainda garotos, num acampamento de férias. Hoje eles estão à frente da Fotop, uma plataforma de venda de fotos que faz a ponte entre fotógrafos profissionais e participantes de eventos esportivos.
Os irmãos Bruno e Thiago Rosolem queriam levar mais brasilidade ao mercado plant-based, mas não sabiam como. Até que um hit de Alceu Valença trouxe a resposta: aproveitar uma matéria-prima desprezada pela indústria, a fibra do caju.