Assim que cheguei ao jornalismo, com um MBA embaixo do braço, em meados dos anos 90, fui considerado um homem de negócios. (Um “marqueteiro”, como se dizia, à época, com alguma carga pejorativa.) Grande parte dos jornalistas fazia questão de não saber de onde vinha o dinheiro que pagava seus salários – e simplesmente desligava essa parte do cérebro.
Já entre meus colegas da área de negócios, eu era considerado um “cara do editorial”, um sujeito que carregava preocupações éticas que no mundo do dinheiro eram consideradas veleidades – e que resultavam às vezes em perda de tempo, e às vezes em perda de contratos.
Depois, como empreendedor, fui chamado de “poeta”, por enxergar o empreendedorismo como uma atitude diante do trabalho. E, mais do que isso, como um estilo de vida
E também por encontrar beleza na iniciativa dos fazedores, na energia santa das pessoas que saltam do penhasco em busca de concretizar suas visões por meio de novas empresas e de propostas de valor inovadoras.
(O Draft é resultado desse jeito de enxergar o mundo dos negócios. O que fazemos aqui, desde a estreia da plataforma, há nove anos, é o registro e a crônica da expansão dessa “poesia” no Brasil.)
Já entre meus colegas escritores, sou provavelmente visto como um “empresário”, um cara que ao lado de escrever, de laborar com as letras, se envolve com a gestão de negócios – atividade que de algum modo conspurcaria a rotina do artista, e destoaria daqueles que se dedicam de modo mais puro à literatura.
Entre a galera do futebol, nunca fui um boleiro clássico. Sempre recusei alguns códigos que são pré-requisito a que você sobreviva no ambiente das peladas.
Da mesma forma, nasci no Rio Grande do Sul, mas estou longe de ser um gaúcho típico – guardo grande distanciamento dos códigos baguais e das blagues gaudérias. De quebra, quando morei no Rio, era visto como um “paulista” – o pior estrangeiro possível, do ponto de vista carioca.
Essa tem sido uma constante em minha vida. Participo dos ambientes, mas em geral como convidado (ou infiltrado), não como nativo. Entro nas estruturas, mas não pertenço a elas – sou, no mais das vezes, visto como alguém de fora. Ou que se mantém, de algum modo, externo.
Em meu hibridismo, que muitas vezes pode se confundir com indefinição, ou falta de comprometimento, não encaixo bem nos moldes pré-estabelecidos. Não incorporo todos os ritos, filtro as tradições – coisas que quase todos os demais abraçam sem maiores dilemas
Com frequência, meu sotaque, carpido em mais de um interesse, não é bem compreendido por quem se dedica a afiar seu idioma único.
Por muito tempo, isso me calcinou com uma sensação de não-pertencimento. De não ter uma turma para chamar de minha. De não ser visto pelos outros como um igual. Eu invejava quem era mais específico em suas escolhas. Quem parecia ter mais foco em seu caminhar.
O que gostaria de compartilhar aqui, com você, é o quanto isso também me favoreceu. Coisa que só vim a reconhecer há pouco tempo.
Ao não ter um contrato de exclusividade com nenhuma ideia pré-concebida do que eu poderia ou deveria ser, pude trafegar por alguns territórios que me interessavam, e experimentar outras versões de mim mesmo. Aprendi mais de um ofício. Conheci gente diferente. Conquistei mais de um crachá
É bom ser um cara de Humanas que sabe fazer contas. É bom ser um cara criativo que também funciona de modo analítico e racional. Entre outras coisas, isso é o que me permitiu ser um Publisher, na indústria da comunicação.
Alguém com capacidade para editar a matéria de capa e para escrever a manchete – e também para analisar os números expressos na planilha do Excel.
É provável que eu não seja o melhor nem em uma coisa nem em outra. Mas se esse é o preço a pagar por ser ambidestro, eu topo.
Eis o que queria dizer, como contribuição às suas reflexões sobre carreira e vida profissional: estou em paz, finalmente, ao me ver como um generalista em um mundo cada vez mais especializado.
É bom ser anfíbio. Não apenas como estratégia de sobrevivência, ao ampliar seu leque de possibilidades e opções – mas também como forma de experimentar mais sensações ao longo da vida
O que me define? O que eu faço?
Sou jornalista. Fui executivo. Empreendi. Sou escritor.
Com muito orgulho.
Prazer em (me) conhecer!
(Este artigo também pode ser lido em NetZero).
Adriano Silva, 52, é jornalista, fundador da The Factory e publisher do Projeto Draft, do Future Health e de Net Zero. É autor de dez livros, entre eles a série O Executivo Sincero, Treze Meses Dentro da TV, A República dos Editores e Por Conta Própria: do desemprego ao empreendedorismo – os bastidores da jornada que me salvou de morrer profissionalmente aos 40.
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