Se correr, ainda dá tempo.
Talvez este seja um dos principais recados deixados pela última versão do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado nesta semana pelas Nações Unidas. O documento confirma aquilo que já sabemos: a temperatura global está acima dos níveis pré-industriais e os desastres climáticos que estamos experimentando agora tendem a continuar. A boa notícia é que dá para não piorar: se agirmos rápido agora, é possível, sim, manter este planeta habitável.
De que forma isso impacta diretamente o mundo corporativo? Quem responde é Guarany Osório, coordenador do Programa Política e Economia Ambiental do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVces):
“O relatório do IPCC é o documento mais importante para as empresas monitorarem a situação do clima e assim desenharem suas estratégias de riscos e oportunidades. Estamos numa trajetória de sobrevivência e competitividade: quem estiver mais preparado para enfrentar os desafios terão os principais diferenciais”.
Segundo ele, estamos literalmente na corrida do ouro. A pressão vem de todos os lados e as corporações que não estiverem olhando (e agindo) ficarão para trás – e não vai adiantar fazer os chamados “washings”, ou seja, ações sustentáveis de fachada. “Isso coloca a reputação da empresa em risco, torna-se um tiro no pé”, diz.
A seguir, o professor analisa a relevância do relatório de avaliação do IPCC para o setor privado, fala sobre a posição do Brasil e sobre a transição dos sistemas econômicos e sociais.
NETZERO: Tivemos novidades neste relatório do IPCC?
Em primeiro lugar, este é um relatório de síntese de avaliações anteriores, ou seja, não traz nenhum achado novo. O objetivo é sintetizar e disseminar o conhecimento consolidado, é um grande apanhado sobre ciência e clima dos últimos anos.
A mensagem mais importante é: temos uma janela de oportunidade que vai se fechar rapidamente se quisermos habitar um lugar mais seguro. Todas as ações desta década vão ter impacto no próximo século. Estamos num ponto de decisão mesmo – tudo o que for feito agora terá efeitos. O relatório aponta que ainda temos tempo, mas precisamos agir rápido, caso contrário o planeta não estará habitável.
As empresas e seus faturamentos estão diretamente sujeitos aos riscos climáticos. Como aumentamos a temperatura em 1,2 graus, os desastres estão acontecendo com mais rapidez: ciclones, incêndios, tragédias, perda de biodiversidade. Basta ver que as seguradoras já não operam mais no Estado de Louisiana, nos Estados Unidos, por conta da agressividade e destruição dos furacões. No auge da temporada de furacões por lá muitas operadoras foram à falência.
Portanto, parece óbvio que as empresas precisam olhar para o clima. O relatório do IPCC é o que existe de mais novo na ciência a este respeito. As empresas precisam deste documento para monitorar o clima, verificar qual o seu impacto na sua organização e na sua cadeia – usar este consolidado para seu caso específico. São informações fundamentais.
A partir destes dados, a empresa poderá analisar quais os riscos em que está exposta e desenhar suas estratégias para riscos e oportunidades. Pode-se trabalhar seu inventário de emissões, onde emite, o quanto emite. Onde está sua missão. É um De/Para.
Sim, já existe uma pressão para que todo o setor privado esteja envolvido. Simplesmente porque trata-se agora de uma questão de competitividade. Quanto mais a gente demorar para mitigar as emissões de efeito estufa, mais cara vai ser a adaptação no futuro. Não há como fugir: as legislações globais estão dizendo que vai ter que cuidar disso, os investidores estão falando que vão realocar o capital de acordo com o melhor aluno nesse lado.
Os players estão na pressão das regulações. Países e empresas estão numa trajetória de sobrevivência e também de competitividade: quem estiver mais preparado para enfrentar os desafios terão os melhores diferenciais.
Tem pontos de não retorno e isso traz o caos coletivo – lembre o caos para os negócios que a pandemia trouxe, por exemplo.
O grande problema do Brasil é o desmatamento ilegal e há um papel importante de fiscalização do governo, e das empresas, claro, de zelar para que suas cadeias não estejam envolvidas nisso. O Brasil não tem um sistema de regulação de emissão de gases de efeito estufa – as empresas não são obrigadas a mandar isso para o governo, o que é ruim. Na FGV, temos 305 empresas que nos mandam voluntariamente suas emissões – na falta de um indicador oficial, este pode ser usado.
Os países com regulação deficiente, como o Brasil, geram maior margem para green washing, pois fica para o mercado se auto regular e se definir. De todo modo, as empresas zelam por sua reputação. Se a empresa anuncia metas e não cumpre, pode ser um tiro no pé.
É como falar de compensação de carbono – não adianta compensar por compensar. A iniciativa só faz sentido se for complementar a uma estratégia da empresa de redução de emissões. É preciso de um plano de transformação mesmo. Tem que olhar suas emissões e ver onde reduz. Se não tiver integridade ambiental, tudo o que IPCC está falando vai por água abaixo.
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