Continuo refletindo sobre os desafios das organizações em cuidar do meio ambiente, cuidar da qualidade das relações com os diversos públicos de interesse, cuidar do impacto social, bem como cuidar de seu modelo de operação, gestão e governança. A sigla ESG, na minha opinião, significa antes de tudo CUIDAR, e a minha frase favorita para a liderança é “cuidar de quem cuida”.
Quem está cuidando dos líderes que tem todos estes desafios em suas costas?
Como eles estão em termos de auto-cuidado?
Como está o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal?
Como está o equilíbrio entre as dimensões física, emocional, mental e espiritual?
Como está o equilíbrio entre o Fazer & Ser?
Estas perguntas estão guiando meu trabalho como coach, mentor e conselheiro de líderes e organizações.
A palavra equilíbrio, na verdade, revela uma atividade poderosa de gestão de polaridades que deveria ser matéria obrigatória em qualquer curso de administração.
Por exemplo, sustentabilidade nada mais é do que o exercício de equilíbrio dinâmico entre valores que aparentemente são opostos, mas, na verdade, se complementam como polos de uma mesma equação. Aqui o segredo não é a escolha de A ou B, mas sim o exercício do E (&), ou seja A & B. Alguns exemplos: posso citar a prosperidade & preservação, ou resultados financeiros & impacto socioambiental, presente & futuro, partes & todo, individual & coletivo, ou ainda desenvolvimento econômico & desenvolvimento social ou justiça & misericórdia.
É evidente que o equilíbrio dinâmico exige da liderança conhecimentos, habilidades e capacidade de lidar com a complexidade e paradoxos.
Uma competência básica do líder é a sensibilidade, necessária para perceber a realidade, ter empatia com as pessoas, incluir suas perspectivas no modelo de negócios e influenciar suas equipes.
Na tomada de decisão, o líder lida ainda com outra importante polaridade: Poder & Generosidade.
Aliás generosidade é um dos valores mais necessários e transformadores nos dias de hoje. Nenhuma agenda de desenvolvimento sustentável vai evoluir sem a generosidade dos poderosos que estão tomando decisões importantes e afetando a vida de milhares de pessoas.
Desenvolver estes valores e equilibrar estas polaridades não são atividades racionais que colocamos no mapa de competências e processos da organização e pedimos para os líderes fazerem a gestão. O ser humano precisa estar íntegro, inteiro, saudável fisica, emocional, mental e espiritualmente para dar conta destes desafios. Este é o princípio da visão e prática da teoria integral.
Em contrapartida, as doenças mais comuns hoje estão relacionadas ao estresse da saúde mental. Vivemos uma epidemia sem precedentes de burnout, depressão, ansiedade e distúrbios de hiperatividade. As taxas de suicídio aumentaram em vários setores de atividade humana e entre jovens na ultima década, demonstrando uma total desconexão do ser humano consigo mesmo e com a espiritualidade.
A falta de visão integral nos leva a interpretar a situação como uma doença individual, mas em uma visão sistêmica é fácil perceber que esta triste realidade é a manifestação de uma cultura coletiva tóxica, desequilibrada, exigindo resultados e metas ousadas tanto na sociedade como nas organizações, sem dar espaço para vulnerabilidades, sem acolher o ser humano como ele realmente é, sem a segurança psicológica necessária para a divergência saudável e diversidade cognitiva criativa.
Nas organizações, mais uma vez a responsabilidade recai sobre os ombros dos líderes que, sem cuidarem de si, precisam desenvolver um ambiente saudável para suas equipes. E quem cuida do líder? Se o líder não está equilibrado como ele vai cuidar das suas equipes?
Uma pesquisa recente da Humanizadas apontou que, na média das organizações brasileiras, apenas 22% dos colaboradores sentem que trabalham em um ambiente de alta confiança e 32% afirmam se identificar e se inspirar no exemplo da liderança. Se as histórias inspiram e os exemplos arrastam, qual é a narrativa que as pessoas destas organizações estão articulando sobre o futuro?
Além dos símbolos e rituais, as narrativas são artefatos potentes da cultura organizacional e portanto mexem com o imaginário coletivo para o bem ou para o mal. Sendo assim, temos que encontrar pontos de acupuntura, espaços dentro das organizações onde podemos criar contextos favoráveis para novas narrativas, reestabelecer vínculos de confiança e humanização das relações.
Líderes maduros, além de se cuidarem, cuidam de suas equipes de forma exemplar, e estas cuidam das relações com os demais públicos interessados. Líderes maduros abrem espaços seguros para conversas pessoais, fazem meditação, interiorização e check-in antes de cada encontro bem como avaliam a qualidade e satisfação das reuniões a cada check-out.
Esta condição interior do líder, conectado consigo mesmo e com a fonte de sabedoria, faz toda a diferença na qualidade da intervenção, nas relações com os membros da equipe e reverbera na performance da organização como um todo.
Os resultados foram confirmados e publicados no relatório Melhores para o Brasil, que ouviu mais de 176 mil stakeholders nos últimos 4 anos. Nas organizações mais bem avaliadas pelos seus públicos de interesse, as lideranças promovem ambiente de confiança, transparência e bem-estar que resultam em performance superior em vários indicadores como capacidade de inovação, aprendizado contínuo, segurança psicológica, perspectiva de futuro, otimismo, diversidade e inclusão, desenvolvimento humano, autonomia e legado.Líderes maduros promovem cultura organizacional madura e isto gera retorno financeiro 615% superior ao Ibov no longo prazo, de acordo com a pesquisa.
Na minha visão, este retorno financeiro é resultado do fortalecimento da relação de confiança que lideranças mais maduras geram nas equipes, e consequentemente nas relações com os parceiros, fornecedores, clientes e comunidades.
A pesquisa Humanizadas também conseguiu capturar este fortalecimento de relações indicando que o otimismo com relação ao futuro da organização entre as lideranças das empresas mais maduras é 145% superior que a média Brasil, refletindo em todos os demais indicadores, inclusive ESG.
Agora você pode estar se perguntando: “OK! Entendi que empresas e lideranças mais maduras tem resultados superiores, mas como desenvolver tal maturidade?”
Pesquisas de Recursos Humanos vem apontando, há anos, que o desenvolvimento da liderança é sua principal preocupação e prioridade.
Aí me pergunto: O que realmente está sendo feito?
Há dois eixos de desenvolvimento. O primeiro, mais comum, chamamos de horizontal, em que, naturalmente, empilhamos conhecimentos e competências de várias áreas como marketing, finanças, operações, etc sem necessariamente evoluir nível de consciência.
O outro eixo é o vertical, o da jornada de desenvolvimento do ser humano de forma integral, tratando sombras, traumas, ancestralidade, desconfortos, sentimentos, sensações, corpo físico, presença, empatia, compaixão, paradigmas, valores, polaridades, paradoxos, modelo mental, pensamento crítico, complexidade sistêmica e tudo mais que afeta a sua maturidade mental, emocional e espiritual. É fundamental olhar para o coletivo, para a qualidade das relações, rituais e processos sistêmicos das organizações para gerar ambiente e contexto para a maturidade emergir.
Não é tarefa de um projeto típico. É uma jornada que leva anos de intencionalidade e perseverança.
Outra forma de ver este desenvolvimento vertical é através das lentes do “inner development goals”, os chamados IDGs.
Os objetivos de desenvolvimento interno são um complemento aos objetivos do desenvolvimento sustentável. Eles priorizam a preparação do ser humano para dar conta dos desafios da sociedade e do planeta. Além de ser uma linguagem comum para todos que trabalham com desenvolvimento humano e evolução de cultura, na prática, é um conjunto de competências em 5 dimensões (Ser, Pensar, Relacionar, Colaborar e Agir) que requer uma jornada profunda de reflexão e exercícios para o indivíduo se conectar com sua essência e sabedoria superior.
O movimento IDG, aberto, colaborativo e co-criado, oferece um conjunto de ferramentas e abordagens já testadas por especialistas, mas o principal ingrediente é a coragem de olhar para dentro e cuidar prioritariamente do Ser, sem deixar se abduzir totalmente pelo Fazer.
Em resumo, somente com o desenvolvimento integral da liderança (horizontal & vertical) seremos capazes de implementar efetivamente uma estratégia ESG verdadeira, com Equilíbrio, Sensibilidade e Generosidade.
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Ricardo Catto é aprendiz, facilitador, integrador, coach e conselheiro da Humanizadas, Grupo Anga, Impact Hub, CREN – Centro de Recuperação e Educação Nutricional, Instituto Capitalismo Consciente e Lemobs.
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