Ela foi uma das primeiras pessoas a fundar uma gestora de venture capital brasileira, em 2008 – a Astella, focada em empresas no estágio inicial.
Depois de 16 anos, Laura Constantini já tinha vários casos de sucesso e era responsável por acompanhar sete empresas – Cayena, Croct, Destaxa, Estoca, Jota, Traive e TáOn. Em dezembro de 2023, ela anunciou sua saída da Astella para seguir o feeling de que era preciso e possível criar uma gestora focada em empresas no estágio de growth, cujos desafios são bem diferentes dos demais estágios.
Nos últimos cinco meses, Laura percorreu todo o mercado e conversou com muita gente a fim de colocar sua ideia em pé. Ela não desejava uma ruptura, queria uma nova rota a seguir… e conseguiu.
Até o fim de 2024, a nova empresa deve ser anunciada, bem como os parceiros reunidos para integrá-la. Laura não acha essa espera ruim: “O momento que vivemos no mundo todo por conta de termos passado por um período de muita liquidez, com taxas de juros muito baixas – e, agora, haver os ajustes por conta da alta dos juros – precisa ser respeitado”.
A seguir, Laura Constantini expõe sua visão de investidora que quer formar ecossistemas e criar a possibilidade de capitanear uma plataforma que agregue outros tipos de parcerias.
Quem acompanha o mercado de venture capital sabe que você ficou muitos anos na Astella, mas que hoje em dia você está em outra fase. Então, a minha primeira pergunta é: Como você se define hoje em dia? Conselheira, investidora, mentora ou business developer, venture builder? Por quê?
Durante esse tempo, percebi que tem um papel que acabei desempenhando. No começo, era quase sem querer e, depois que a tese ficou forte, que as coisas passaram a fazer sentido, eu consigo dizer…
Acho que se tiver alguma coisa que me define, que define o que eu quero e gosto de fazer, é fortalecer o ecossistema de inovação e de empreendedorismo no Brasil e ajudar os empreendedores a olhar para ecossistemas em geral.
Só dando um pouco do contexto: hoje, é muito fácil replicar a tecnologia. O produto em si tem menos segredos e barreiras de entrada do que tinha no passado; o que torna uma plataforma muito poderosa é o ecossistema que ela constrói ao redor.
Você se refere às soluções adjacentes?
Sim, mas não só isso. O que costuma acontecer? Quando um time de fundadores cria uma solução, tem várias fases de desenvolvimento dessa startup.
A primeira fase é a de concepção do produto ou da proposta de valor. A segunda fase é entender as possibilidades comerciais dela, de distribuição e tudo mais.
E depois tem uma fase que é conquistar o mercado como um todo, sair da adoção do público de early adopters para um mercado que, por natureza, pensa no consumidor comum. Aquele que não gosta de ler manual, de precisar de explicação pra nada. Ele gosta de pegar o negócio e usar.
Dependendo da profundidade do problema que a tecnologia vai resolver, é muito difícil que a empresa dê conta de construir todas as soluções para todos os tipos de consumidores – e continue crescendo na velocidade que ela precisa crescer
Normalmente, tem um estágio intermediário da dor de barriga – quando o(a) fundador(a) tem de dar conta de uma estrutura organizacional maior e mais complexa, mas também de atender a esse mercado pragmático.
Estudei e percebi que os que deram conta disso foram times que construíram um ecossistema, ou seja, trouxeram players que complementam a oferta de serviço, a comunicação, ou com algum tipo de proposta de integração. Essas foram as empresas que deram conta de continuar crescendo de uma forma sustentável, mais leve e atenderam um número grande de consumidores pragmáticos.
Ao longo do tempo, fui percebendo o quão poderoso é essa coisa do ecossistema e o poder dele de possibilitar o efeito de rede
Em países emergentes e, principalmente no Brasil, o ecossistema dá conta de ajudar a acelerar a adoção de tecnologia. Aqui, a gente tem uma questão muito sui generis [peculiar]: nós, brasileiros, estamos entre os top 3 campeões de uso de tecnologia por indivíduos. Só que os negócios [locais] estão muito atrasados na adoção de tecnologia para business.
Acredito que a estratégia de construção de ecossistemas vai, inclusive, trazer a adoção de tecnologia no B2B para o outro patamar. Isso é muito relevante para a economia como um todo, porque gera um dinamismo e um crescimento que a gente, hoje, não tem conseguido dar conta.
Dentro do entendimento de que é preciso construir ecossistemas, existem várias formas de fomentar isso. Você pode ser uma aceleradora, um hub de tecnologia, uma holding como a Locaweb, que compra empresas que tenham a ver umas com as outras. Dentro do que você viveu até agora e do que quer viver daqui em diante, qual é o lugar onde você quer estar no mercado?
Lembra que falei do “momento dor de barriga”, quando se sai da comprovação do Product-Market Fit, de ter comprovado que aquilo tem valor para os early adopters, para ir para o mercado enorme de pragmáticos?
A transformação nesse momento de transição entre o early stage e o late stage, é o chamado estágio de growth – o que pode ser estranho porque, normalmente, o negócio dá uma desacelerada.
A startup, ao sair do early stage e conquistar o mercado maior dos pragmáticos, vê uma perspectiva de crescimento muito grande. Só que esse é um momento super difícil para os founders, porque surgem situações não antecipadas – há uma pressão gigantesca por crescer em um mercado que ele não conhece
Além disso, o desafio é muito grande, não só estrategicamente para olhar a cadeia de valor e entender quais são as possibilidades de parcerias para construir um ecossistema, [mas selecionar] quais são os parceiros que eventualmente podem ser trazidos para perto e tudo mais…
Há também um desafio organizacional, porque no início há um grupo de empreendedores e ao chegar ao redor de 100, 150 pessoas, a atenção à gestão organizacional aumenta muito e 90% dos founders não antecipa esse desafio!
A pessoa passa a não conhecer mais todos os colaboradores, não consegue mais contratar todo mundo [pessoalmente]. Então, tem uma questão de como perpetuar e transmitir a cultura.
Tem ainda a questão do volume de transações – a quantidade de acontecimentos já é grande o suficiente para ter uma quantidade muito grande de exceções, que acabam sendo o famoso “apagar os incêndios”. Isso ocupa um espaço na agenda e no esforço dos founders tão grande, que [eles] deixam de olhar para a estratégia.
É um momento muito difícil quando a maior parte das empresas que conquistaram “the right to be” [o direto de existir] não conseguem conquistar “the right to win” [o direito de vencer]. É nisso que eu quero ajudar
Eu quero ajudar founders que conquistaram o direito de existir a conquistar o espaço com o consumidor pragmático e ganhar o protagonismo no que fazem. Então, é investir e ter uma proposta de valor para esse estágio de transição, que é muito difícil.
Como você faz para se manter focada em descobrir empreendedores e selecionar negócios nos quais investir? Alguma vez sentiu vontade de tomar e estar à frente da operação de um negócio?
Para mim, a construção dessa nova tese começou há mais tempo, quando comecei a olhar para as empresas em que eu tinha investido, que já estavam numa outra fase, com outros tipos de desafios. Eu queria ser mais precisa na ajuda, na criação de valor para elas, como também olhar o ecossistema como um todo.
Desde que comecei no venture capital, bastante coisa mudou no ecossistema de inovação e empreendedorismo no Brasil.
Vejo um espaço, onde os investidores estão martelando parafuso – têm as ferramentas para ajudar founders do early stage a chegarem no growth, mas não criaram ferramentas diferentes [daí em diante]. E investidores de late stage, quando vêm olhar growth, também não têm as ferramentas necessárias.
Pensei que seria muito legal estar ali e trazer possibilidades para um espaço de escassez – conversar com founders e dizer que enxergo essas dificuldades. Ao dar luz para isso, trago outros tipos de ajuda
Quando comecei a fazer perguntas exploratórias foi tão legal – tanta gente sentiu que podia comentar comigo coisas que eram diferentes do early stage, mas que não estavam sendo olhadas –, foi quase uma força gravitacional que me puxou.
O foco vem de um flow, em que as conversas são mais legais e você vai descobrindo mais coisas, interagindo. E eu nunca pensei em empreender em tecnologia. Eu me considero empreendedora no sentido de criar um negócio na cadeia de investimentos.
Pelo que você disse, foi exatamente pela forma como você se relaciona com as empresas nas quais investiu que a tese nova nasceu. Pode contar o que é para você se relacionar com os empreendedores? E vislumbrar essa tese partiu também de questionamentos e provocação de founders ou foi mesmo um movimento seu?
Não, teve muitas provocações, teve muita coisa que veio das interações! Nunca ninguém falou: “Por que você não faz isso?” Mas na hora que você se abre para entender que, talvez, aquilo seja diferente e tenta trazer outro jeito de olhar para a mesma coisa, abre-se uma quantidade muito grande de possibilidades. Aí vieram as provocações.
O mercado de venture capital como um todo tem muitas caixinhas. Eu diria que tem umas coisas muito inflexíveis no sentido de tentar medir o sucesso de algo que ainda é incipiente. Assim, às vezes, é difícil até de inovar, porque você vai entendendo que existe um padrão que vai só até a segunda página. Até a plataforma ser do mesmo tipo, o estágio ser o mesmo, a construção ser parecida.
Se tem um shift de tecnologia, por exemplo, muda muito o padrão de crescimento e de comportamento das startups. E no momento de transição [de early stage a growth], inclusive de ciclo de tecnologia, teve muitos founders que não conseguiram abrir um canal de comunicação com os investidores, porque não conseguiram mostrar ou convencê-los que as coisas não estavam funcionando dentro do padrão de crescimento, de comportamento ou de sei-lá-o-que que o investidor esperava.
Então, muitas vezes, o relacionamento entre o investidor e o empreendedor fica muito conflituoso. De certa forma, quero sair desse lugar de conflito, porque tem algumas cobranças que não fazem sentido
Não faz sentido comparar o early stage com o growth. Não faz sentido comparar uma plataforma com a outra – SaaS funciona de um jeito diferente do Marketplace.
E com a inteligência artificial, as coisas estão mudando incrementalmente. Tudo na humanidade muda de forma incremental, tem algumas coisas que são parecidas, outras menos. Mas de qualquer forma, na hora que você tenta achar padrão de comparação, ou se é muito inflexível e intransigente, ou você tem de estar aberto para detalhes e outros tipos de solução, movimento e construção, dar tempo para as coisas.
Por eu não estar tão preocupada com a comparação, com um padrão arquetípico, as conversas fluíam melhor. Não é que eu ache que o padrão e o arquétipo não existem! Eles existem, mas são como um sinal-guia – não como algo de que não se pode fugir.
É aí que eu acho que muita gente acaba se perdendo um pouco: por estar muito enraizado e preso a esses padrões e não saber ler os sinais de uma forma mais fluida.
Nos 16 anos enquanto esteve na Astella, gestora de venture capital de empresas em estágio inicial, qual foi a lição mais dura que aprendeu e que desejaria não passar novamente?
A lição dura que talvez não seja evitável é: as pessoas mudam ao longo do tempo. Tem um processo de amadurecimento, de escolhas, de tempo de vida e de priorização. Posso te dizer que esse processo de amadurecimento é muito individual.
As expectativas que eu tinha em relação às pessoas no passado não tinham mais respaldo no presente ou para o futuro. Ou seja, passaram a ter outras prioridades na frente dos princípios e valores originais da Astella – e foi isso que me fez querer construir a continuação do meu caminho
A evolução para olhar para um outro estágio, para ter um olhar diferente para as plataformas de tecnologia, um olhar para o ecossistema, para mim. É uma sequência, uma continuação do meu processo.
Justamente porque as pessoas mudam, você não pode esperar que os outros sigam esse mesmo caminho. Essa foi pra mim a lição mais dura.
Eu me questionei: “E agora?” Até entender que tudo bem, que o meu caminho existe e podia seguir em frente, foi angustiante, muito difícil.
Você me surpreendeu. Eu esperava alguma resposta do tipo: “foi ter investido numa empresa que não deu certo e tê-la visto fechar as portas”. E você vem falar de um relacionamento entre pares, com as pessoas que fundaram ou tocaram contigo a Astella durante muito tempo. Isso me faz concluir que o relacionamento entre as pessoas – não só entre o investidor e o investido, mas entre os venture capitalists – seja tão importante quanto o relacionamento entre os fundadores. Você concorda?
Concordo plenamente.
O fato de eu não ter colocado isso [um write-off – reconhecimento de um investimento como uma perda, devido ao fracasso de uma startup] como se tivesse sido uma lição dura, não é porque não aconteceu. Aconteceu várias vezes, mas acho que isso faz parte da jornada.
Para mim, a surpresa e o momento difícil foi me deparar com esse outro lado da escolha.
É curioso você falar sobre a dificuldade de lidar com mudanças e incertezas. Paradoxalmente, imaginamos que empreendedores e investidores de tecnologia – que lidam com coisas muito diferentes do que a maioria de nós – também têm essa dificuldade… Você está me dizendo que viver a mudança não é tão fácil.
Total… o cérebro humano tem alguns bugs. A nossa busca por aceitação e pertencimento é muito forte e o que a gente faz é quase inexplicável. Essa coisa da constante mudança é angústia. Não tem como não trazer esse parâmetro.
Outra coisa importante é que Venture Capital tem a ver com o mercado financeiro, com números, com área de exatas, mas acaba que a nossa trajetória é bem mais de entender os entraves da mente humana diante de desafios que são constantes dessa revolução e da jornada empreendedora do que qualquer outra coisa.
Fica a dica aqui para quem não se aventura porque acredita fazer parte de um setor, mas o dia a dia e os desafios são outra coisa.
Por tudo que a gente conversou até agora, me parece que o que mais mudou não é a estrutura que você vai propor, mas sim a sua visão de como investir, de escolher as empresas que combinem entre si e que formem um conjunto de soluções que façam sentido. Não tem a ver com verticais e nem com ser uma gestora agnóstica, certo?
Sim, e por que isso? Bem ou mal, por menor que seja o nosso ecossistema no Brasil, pensando em termos de adoção, no que já possibilitamos de perspectiva econômica, já demos conta de trazer algumas soluções horizontais para a vida tanto das pessoas quanto das empresas.
Só que tem uma complexidade… desafios mais cabeludos que estão longe de serem resolvidos. A gente está entrando no segundo ciclo agora, que é de empreendedores mais experientes, com ferramentas mais poderosas desse novo ciclo de tecnologia e que conseguirão endereçar problemas mais profundos nas cadeias de valor como um todo.
Tem muita coisa que destravaria o potencial econômico no Brasil, por exemplo, que ainda não foi resolvida e que pode ser resolvida – só que precisa de ferramentas certas na mão de gente que entende profundamente daquilo
Acredito que esse segundo momento é menos aventureiro, com empreendedores que estão voltando a empreender, entendendo o que eles estão fazendo, a profundidade que eles precisam levar tudo aquilo, até de UX, de como podem ajudar na questão de adoção de tecnologias.
Entre a morte da mãe e o nascimento da filha, Eduardo Freire vivia um momento delicado quando empreendeu a consultoria FWK. Ele conta como superou os percalços e consolidou sua empresa mergulhando no ecossistema de inovação.
Filha de missionários, a colombiana Lina Maria Useche Kempf veio viver em Curitiba aos 12 anos. Ela conta como cofundou a Aliança Empreendedora para impulsionar a prosperidade por meio do estímulo a microempreendedores de baixa renda.
Academia, empresas, governo e sociedade: como alinhar e ampliar o potencial de inovação desses atores? Flávia Fiorin, gestora do Tecnopuc, fala sobre a atuação do parque tecnológico gaúcho (meses após as enchentes que arrasaram o estado).