Você já teve aquela noite em que saiu com uns amigos ou com seu namorado (como foi o meu caso) e começou a fazer vários planos grandiosos para o futuro?
As ideias mais comuns que saem dessas conversas, pelo menos no meu círculo de amizades, normalmente são fazer uma super viagem ou abrir um negócio juntos. Mas na esmagadora maioria das vezes, esses são projetos que acabam esquecidos naquela mesa de bar do final de semana
Na época em que eu e o meu namorado, o João Pedro, falamos pela primeira vez sobre aproveitar o trabalho remoto para viajar o mundo, eu tinha 22 anos, era mais ou menos outubro de 2021.
Tinha acabado de assinar um contrato de aluguel para morar sozinha pelos próximos 30 meses, em São Paulo. Era uma fase de muitas mudanças e recomeços, ainda durante a pandemia, e eu estava na tentativa de me reconectar com os meus grandes sonhos de infância.
Sim, viajar sempre foi um deles. E que sorte eu tive de encontrar outra pessoa que topou sonhar comigo.
A ideia inicial era passar um mês morando em Buenos Aires. O plano era embarcarmos em outubro de 2022 e essa experiência servir como um teste desse modelo de vida nômade, para depois tentarmos fazer o plano dar certo na Europa.
No começo, parecia tudo um grande delírio ou uma brincadeira para poder escapar da rotina, mas quanto mais a gente falava sobre, mais íamos percebendo que não era nada tão absurdo assim
Pouco a pouco, fomos encontrando soluções que tornavam tudo viável (inclusive, desistir do aluguel e pagar uma multa), só para descobrir uma falha no plano, achar mais uma solução e por aí vai.
Muitas versões diferentes de roteiros depois e dez meses de planejamento financeiro, compramos duas passagens só de ida para a Espanha (a Argentina ficou para outra ocasião), exatamente dois anos após aquela primeira conversa despretensiosa.
Nossa expectativa era morar por quatro a seis semanas em cidades diferentes para ter tempo de conhecer o máximo de lugares possíveis, mas ainda assim conseguir visitar cada país com uma certa calma.
Nesse sentido, a diferença de fuso horário para o Brasil também seria ótima, já que teríamos sempre algumas horinhas do dia livres para turistar antes de começar a trabalhar.
Idealmente, o fuso horário não seria um problema. Os preços das passagens de um lugar para o outro não seriam um problema. O peso das nossas malas não seriam um problema.
O visto para morar na Europa não seria um problema. A cotação do euro não seria um problema. A rotina de viver cada mês em um país diferente não seria um problema. A saudade da família e dos amigos não seria um problema.
Não existiriam problemas, só novas aventuras e experiências e, talvez, algumas inconveniências aqui e ali. Afinal, como se estressar quando você está morando na Europa, não é mesmo?
Tudo isso, de certa forma ou de outra, virou um problema em determinado momento. Mas como costumamos falar um para o outro: “Nada grave, todo pasa”.
Quando chegamos em Madrid, nossa primeira parada, estávamos de férias. Apesar de termos visitado nove cidades em 18 dias, foi um momento em que o ritmo parecia tranquilo.
Tudo era novidade e muito empolgante, até as frustrações, como bater na porta do hostel, depois de uma noite passada em claro no aeroporto, só para descobrir que na verdade o endereço certo da nossa acomodação era do outro lado da cidade.
Acordar cedo e dormir tarde é normal em uma viagem de férias. Sempre há muito o que ver e fazer, então não tem porque descansar. Descansar é o que fazemos em casa, depois da viagem.
Mas então como se faz quando sua rotina é a viagem?
Esse foi um dos primeiros baques que sentimos, mesmo já em Marselha, nossa primeira residência “fixa”.
Em uma versão mais conservadora do planejamento, a gente passaria um final de semana viajando para outra cidade ou até outro país e um final de semana explorando a cidade em si.
O que não sabíamos era quão grande seria o peso de ter que ficar trabalhando todos os dias até dez, onze horas ou mesmo meia-noite
Até porque quando paramos de trabalhar, a gente ainda ia jantar depois, assistir uma série para descontrair ou ver um jogo de futebol do Vitória ou do São Paulo, como fanáticos torcedores que somos.
No dia seguinte de manhã, além de acordar tarde, normalmente ainda era preciso resolver alguma tarefa relacionada à viagem, como comprar as próximas passagens ou fechar o próximo Airbnb. E tudo isso envolve bastante tempo de pesquisa.
Além do que, descobrimos que a gente teria que gastar mais dinheiro do que imaginávamos, principalmente com mercado e internet. Então, por restrições de energia e dinheiro, os passeios começaram a se restringir apenas aos finais de semana.
Em Istambul, residência “fixa” número 2, veio o segundo grande aprendizado: não viajar em dias de trabalho.
Saímos do Brasil já com a passagem para a Turquia comprada, então ainda éramos muito inexperientes para termos feito uma escolha melhor.
Fizemos nossa mudança em uma sexta-feira e tudo que poderia dar errado deu.
Cheguei na nova casa às 23h, em cima da hora para uma reunião de apresentação de resultados com o meu time de marketing, e é claro que eu não tinha conseguido preparar minha parte da apresentação
Apesar de ter uma líder super compreensiva, essa foi uma experiência estressante o suficiente para me desincentivar de viajar em dias de trabalho.
A exceção é quando eu acho uma passagem com aquele desconto que parece que foi feito para mim. Convenhamos, também é importante ser inteligente na compra das passagens, porque acho que essa é uma parte da vida de nômade digital que pode facilmente te fazer falir.
Nesses casos, a comunicação com minha líder é a chave para o sucesso, para equilibrar a viagem e a rotina de trabalho.
Quando foi hora de ir para Bucareste, na Romênia, nossa residência “fixa” número 3, eu já tinha desenvolvido uma lista com um passo a passo para mudanças.
O que precisava ser feito e quando, entre a última semana em um país e a primeira em outro, já tinha entrado na rotina.
Infelizmente, essa era a única parte do mês em que algum tipo de rotina funcionava
Confesso que ainda estou em busca da rotina ideal, tentando encaixar uma alimentação mais saudável, exercícios físicos mais frequentes, sete horas de sono, tempo bem delimitado para trabalho e ainda tempo para me dedicar aos próximos objetivos.
No fim do dia, cada lugar, até os que eu menos gostei, tiveram alguma coisa diferente para me ensinar e terão sempre um lugar muito especial no meu coração: Novi Sad, onde comemorei meu aniversário de 25 anos e fui ao clássico de futebol mais violento do mundo; Rovaniemi, onde vi a aurora boreal e fui pedida em casamento; e Malta, onde me dei tempo para focar em mim.
Mesmo antes da ideia de vir para a Europa se tornar mais concreta, eu e o meu (agora) noivo já sabíamos que não queríamos continuar morando em São Paulo.
A gente até tinha passado algumas semanas morando em outras cidades, como Salvador e Vitória, mas nenhuma parecia a certa.
Como bem diz o misterioso Gato Cheshire, em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll: “Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve”
Então, nos jogamos no mundo para tentar descobrir o nosso caminho.
Sei que cada pessoa tem objetivos e experiências diferentes, mas se eu pudesse dar uma dica sobre a vida de nômade digital, além de se empenhar no planejamento, é ir viajar tendo um emprego ou uma carreira.
Eu definitivamente não estou fazendo uma viagem luxuosa e tenho que abrir mão de muitos passeios que seriam imperdíveis para outras pessoas, tentando priorizar casas agradáveis e com uma boa conexão de internet
De qualquer forma, vivo de maneira confortável por ter uma entrada financeira previsível por mês. É o que nos permite continuar aqui.
Hoje, depois de oito meses de viagem, 14 países e 26 cidades, já estamos na residência “fixa” número 7, em Aveiro, Portugal, onde planejamos ficar até o final do ano para resolver algumas questões de documentação.
Dando tudo certo, o novo plano é que nós dois façamos um mestrado na Europa.
E a volta para o Brasil? Não sei, é uma surpresa!
Ana Sofia Gala é formada em publicidade e propaganda pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Com passagem por empresas como Pinterest e AIESEC, atualmente é analista de conteúdo na Hand Talk, além de atuar como redatora freelancer desde 2022.
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