Em 1999, um dos meus primeiros estágios, na Escola Paulista de Medicina, foi no setor de mamografia.
Naquela época a palavra câncer era cercada de tabu, ninguém gostava de falar sobre esse assunto, principalmente sobre câncer de mama.
Nesse período, não havia políticas de rastreamento para câncer de mama. Muitas mulheres tinham medo do exame principalmente pela fama de ser muito doloroso, desencorajando-as a realizarem periodicamente seus exames.
Muitas delas procuravam seus médicos quando sentiam alguma alteração nas mamas, como nódulos palpáveis, alteração na pele, retração do mamilo ou até mudança na temperatura das mamas.
Quando, pela primeira vez, entrei em uma sala de mamografia – que, vale registrar, não tinha estrutura avançada como hoje em dia –, e vi a importância deste exame, me apaixonei pela possibilidade de fazer diagnóstico precoce
Percebi que a mamografia era capaz de detectar lesões muito pequenininhas. E ficava impressionada com a possibilidade de salvar a vida das mulheres.
Minha trajetória profissional foi transformada com esse cenário tão promissor para o futuro da saúde feminina, e então passei a dedicar-me a esta área.
Na residência éramos 15 médicos, sendo eu a única decidida a seguir pelo universo da mamografia.
Muitos colegas tentaram me mostrar que o exame da mamografia era muito simples e que eu deveria mudar de área, mas nada me tirava da cabeça que queria trabalhar apenas com diagnóstico em patologias mamárias.
Confesso que me senti um pouco insegura ao longo do trajeto, mas em nenhum momento pensei que eu tinha escolhido o caminho errado. Ao contrário. O tempo só me mostrou que eu estava certa na minha decisão
Muitas portas de trabalho começaram a se abrir, mas quando o direito à mamografia se tornou lei federal, o cenário mudou radicalmente.
Assim que a Lei nº 11.664 de 2008 estabeleceu o direito ao exame de mamografia à população feminina, foi um divisor de águas para nós médicos radiologistas que trabalham com diagnóstico precoce contra o câncer de mama.
Agora, havia uma grande esperança em fazer diagnósticos cada vez mais cedo – e mais mulheres com mais chances de cura.
Para complementar a esperança a tantas mulheres, em 2014 surgiu, por iniciativa do Governo do Estado de São Paulo, o projeto Mulheres de Peito, uma carreta-móvel cujo objetivo era percorrer o Estado de São Paulo oferecendo exames gratuitos de mamografia.
A ideia era formar um projeto que conseguisse atingir o maior número de mulheres em municípios sem acesso a mamógrafo.
Havia uma questão inicial: como poderíamos chegar até elas?
O mamógrafo é um aparelho que emite radiação ionizante, uma dose mínima que não é prejudicial à saúde, e precisa estar dentro de um espaço tecnicamente preparado por causa da radiação
Grandes esforços foram demandados pela Secretaria de Saúde para mapear os lugares onde as mulheres não faziam mamografia – e levar até elas o caminhão com acesso a esse serviço de forma gratuita.
Além da mamografia, realizávamos, dentro da carreta, ultrassom de mamas de forma complementar e punções das mamas, no intuito de realizar o diagnóstico de possíveis lesões.
A carreta tem o papel de fazer o rastreamento e encaminhar para o hospital de referência para o câncer, apenas pacientes que necessitam de tratamento – realmente um cenário muito promissor, um sucesso!
A intenção do projeto era voltar a cada dois anos nas cidades para rastrear esse grupo populacional de mulheres de 50 até 69 anos, que já podiam fazer a mamografia, e mulheres abaixo ou acima dessa idade, por meio de pedido médico.
Quando realizamos o diagnóstico precoce para o câncer, a mulher passa por um tratamento mais conservador, muitas vezes vai retirar apenas uma parte da mama, às vezes não precisando fazer quimioterapia.
Nestes casos as chances de cura chegam a 98%. Cresce dentro da paciente uma certeza de que tudo dará certo
A carreta contém muitas histórias, sejam de mulheres que choram durante o atendimento por terem a oportunidade de fazer um exame que antes não tinham acesso, ou aquelas que não recebem uma notícia tão boa, ou aquelas que sorriem ao receber a notícia que seu exame está normal.
A cada história, uma emoção diferente. são mulheres como eu, minha irmã, minha mãe, minha avó, minha amiga. Mulheres que buscam estar bem, apenas para poder cuidar dos seus.
O câncer de mama é o tipo de câncer que mais mata mulheres no Brasil. Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), 73 mil é o número de novos caso de câncer de mama para o triênio de 2023-2025 no Brasil.
Estimular as mulheres à prática contínua do exame precoce é um desafio constante dos profissionais de saúde
Atuo há 23 anos com foco na saúde da mulher, enfrentei desafios relacionados ao ceticismo do exame e até mesmo lidei com a situação de muitas mulheres terem medo de fazer mamografia. Mas quero afirmar às mulheres que a mamografia é capaz de salvar vidas!
Felizmente, a carreta da mamografia permanece até os dias de hoje, rodando o estado de São Paulo. O projeto permite trabalharmos com escuta ativa com as pacientes, tiramos dúvidas e buscando aliviar a dor, o medo e a insegurança.
Neste ano de 2024, já percorremos 34 municípios, realizando 15 933 mamografias, encaminhamos 1 193 pacientes para ultrassonografia e encaminhamos 186 mulheres para consulta com mastologista
A carreta da mamografia é uma das estratégias em saúde pública para alcançar pequenas cidades cuja demanda por este exame é grande.
Nos hospitais e ambulatórios públicos temos mamógrafos disponíveis para atender a população. Toda mulher que recebe um diagnóstico positivo para a doença recebe o tratamento de forma rápida e acolhedora.
Quando falamos em câncer de mama, o fator genético está relacionado a menos de 10% dos casos diagnosticados.
Boas práticas como alimentação saudável, exercícios físicos, hidratação e manter controlada as emoções podem ajudar no não-desenvolvimento do câncer de mama e outras doenças.
Hoje sonho com um futuro em que todas as mulheres tenham acesso a realização de exames para que as chances de cura sejam cada vez maiores. Que os exames cheguem aos lugares mais remotos – como as comunidades ribeirinhas, onde já tive a sorte de atuar
Assim como há 23 anos me comprometi a seguir esse caminho, todos os dias renovo os meus votos a dedicar meu tempo e paixão à saúde das mulheres.
Vivian Milani, 51, é médica radiologista com especialização em mama pelo Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR) e mestrado sobre a incidência do câncer de mama pela UNIFESP. Dedicada há duas décadas ao tema, atuou nas primeiras edições de carretas de mamografia. É preceptora na área da radiologia mamária para médicos residentes no Hospital do servidor público estadual – Iamspe, ministra aulas para médicos e técnicos na Fundação Instituto de Pesquisa e Estudo de Diagnóstico por Imagem (FIDI) e faz parte do Conselho Curador da FIDI.
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