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“A morte é um processo. O que estamos tentando fazer é pausar esse processo e melhorar as tecnologias de criopreservação”

Marília Marasciulo - 11 set 2024
Fernando Azevedo Pinheiro, cofundador da Tomorrow Bio.
Marília Marasciulo - 11 set 2024
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Estudos sobre envelhecimento e longevidade vêm ganhando destaque nas últimas décadas — e empresas do Vale do Silício que buscam maneiras de manipular os processos biológicos para prolongar a vida têm ajudado a consolidar o campo das biotechs. É o caso da Altos Labs, fundada em 2022 com um aporte de 3 bilhões de dólares e que tem entre os apoiadores Jeff Bezos; e também da Calico, estabelecida em 2023 pela Google.

Muito se deve ao fato de que a população de idosos cresce cada vez mais. No Brasil, a previsão é de que a faixa etária dos 60 anos ou mais corresponda a 37,8% da população em 2070, segundo projeção divulgada em agosto pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A esperança de vida ao nascer, atualmente de 76,4 anos, deve chegar a 83,9 anos nas próximas cinco décadas.

Para algumas empresas, porém, isso não é o bastante. “A gente acredita que, no futuro, morrer com 80 anos vai ser o mesmo que você morrer com 50 hoje”, afirma o engenheiro Fernando Azevedo Pinheiro, cofundador e COO da Tomorrow Bio

Sediada em Berlim, a startup tem a proposta de resfriar criogenicamente pessoas mortas na esperança de que elas possam ser revividas. Neste momento, a Tomorrow Bio tem seis corpos armazenados na Suíça a uma temperatura de -196ºC. Os 650 clientes da empresa pagam 50 euros mensais para se tornarem membros e podem optar por terem o corpo preservado após a morte por um custo extra de 200 mil euros (corpo inteiro) ou 75 mil euros (somente o cérebro).

Nascido em São José dos Campos (SP), Fernando chegou a atuar como CEO da Easy Taxi na África do Sul, onde fundou uma plataforma de venda de carros. Criou também uma startup de revenda de artigos de luxo, que operou por apenas um ano. A vontade de investir em criopreservação (junto com o médico alemão Emil Kendziorra, cofundador e CEO da empresa) veio, em parte, de uma experiência pessoal: 

“Meu pai sempre me dizia que ia viver 150 anos e, no fim das contas, viveu menos que os pais dele. Foi um negócio besta: ele pegou uma infecção e uma bactéria tenebrosa”, conta. E explica:

“Esse seria um cenário perfeito para reanimação. Eu conseguiria colocar meu pai na criopreservação e, a partir do momento que tivesse um antibiótico forte o suficiente para matar a bactéria, trazê-lo de volta à vida”

Fernando reconhece que, por enquanto, tudo isso existe somente na teoria — e acredita ser mais provável encontrarmos a cura para o câncer do que uma forma de reanimar pessoas criopreservadas. Ainda assim, ele considera o investimento válido: “A gente acredita que as pessoas deveriam escolher por quanto tempo querem viver. Se eu pudesse estender minha vida por mais 200 anos com saúde, por que não?”

Leia a seguir a conversa do empreendedor com o Draft:

 

A criopreservação de corpos não é uma novidade, há empresas que apostam nisso desde a década de 1970, mas ninguém obteve sucesso em fazer o caminho inverso. Qual a justificativa científica para seguir investindo nisso?
O principal ponto é que não existe nenhuma razão, nenhum motivo fundamental que diga que isso é impossível. Não existe uma razão biológica. Na verdade isso já acontece naturalmente na natureza. Então, tem uma série de problemas técnicos que precisam ser resolvidos – mas não tem um motivo fundamental para não conseguir. 

Hoje, a tecnologia usada pela criopreservação é muito melhor do que a tecnologia usada 20 anos atrás. Que era muito, muito melhor do que o pessoal fez nos anos 1970. 

Para reanimar uma pessoa, tem que ter condições de curar o que levou essa pessoa a morrer. Tem muita tentativa e erro. Muita coisa que funciona num experimento, não funciona nunca mais quando você vai replicar. E ninguém sabe exatamente por quê. Porque não são variáveis necessariamente lineares. 

Ao mesmo tempo, se chegarmos ao ponto em que conseguimos reanimar uma pessoa, acho improvável não termos conseguido resolver qualquer problema [de saúde] que essa pessoa tenha e que ainda seja “incurável”… 

Acho muito mais provável que a cura do câncer se torne popularizada antes de a reanimação acontecer. Tem bilhões sendo colocados [em pesquisas] na cura do câncer. Comparativamente falando, a quantidade de dinheiro que vai em criopreservação é absurdamente pequena.

Se você conseguir criopreservar um órgão hoje e manter a viabilidade celular dele indefinitivamente, só aí você já salvaria não sei quantas milhares de vidas… Porque o que acontece hoje com doação de órgãos é que os médicos precisam achar os receptores muito rápido. Então, tem muito desperdício.

Às vezes, você quer doar, eles fazem a extração, mas não conseguem achar ninguém compatível. E alguns órgãos sobrevivem, sei lá, [apenas] uma, duas horas fora do corpo. Se a gente conseguisse criopreservar um órgão, só aí conseguiria ter um impacto na vida de milhões de pessoas. 

Como a Tomorrow Bio se diferencia de outras experiências nesse setor?
As organizações que estão nos Estados Unidos são sem fins lucrativos. Então elas operam como se fossem um clube. Você vai lá, doa um dinheiro e elas te criopreservam; mas entender como a reanimação poderia funcionar, por exemplo, é problema de alguém no futuro. E isso a gente achava meio inaceitável. 

A gente achava que deveríamos controlar o desenvolvimento da tecnologia em si. Na hora em que a gente estava fundando o negócio, decidimos dar um foco duplo, melhorando as tecnologias de criopreservação e trabalhando com outras organizações para tentar montar as tecnologias de reanimação do futuro. 

Hoje, somos os únicos no mundo que fazem o que chamamos de criopreservação de campo, porque nossas ambulâncias são basicamente salas operatórias ambulantes 

Quando uma pessoa entra em estado crítico, a família nos aciona, a gente despacha a equipe médica. A partir do momento que chegamos no local, a gente entra em stand-by. E a partir do momento que essa pessoa é declarada legalmente morta podemos começar a atuar. 

A lógica disso é você começar reduzir danos isquêmicos, que são danos nas células por falta de oxigenação e outros processos bioquímicos. 

A criopreservação pode ser vista como uma forma moderna de buscar a imortalidade. Qual é a sua visão sobre a busca humana por prolongar a vida indefinidamente?
Quando você fala “indefinidamente”, as pessoas podem pensar em imortalidade, e é uma coisa que aqui a gente não acredita. 

Particularmente, acho que a morte faz parte da vida. Porém, se eu puder estender a minha vida por mais tempo, por que não? O ponto principal é que, se você for lá pensar na expectativa de vida 100 anos atrás no Brasil, ou na Europa mesmo, nos anos 1920, era 57 anos de idade. Hoje, uma pessoa morrendo de 57 anos de idade é uma tragédia. 

A gente acredita que, no futuro, morrer com 80 anos vai ser o mesmo que você morrer com 50 hoje 

Hoje a gente tem 650 pessoas membros [clientes da empresa] e a idade média delas é por volta de 36 anos. Ninguém está esperando morrer nos próximos 50 anos. Mas quando pergunto pra eles qual é o motivo que você tá fazendo isso, as respostas são variadas. 

Uns dizem que têm literalmente medo da morte, mas a maioria só tem uma visão mais positiva. Muitas pessoas têm esse interesse de experimentar o futuro. E tem outras pessoas que simplesmente gostam de viver. 

Como os avanços científicos e tecnológicos podem eventualmente redefinir conceitos como vida e morte?
O conceito médico de morte mudou várias vezes durante os anos. Até o começo dos anos 1960, ninguém sabia fazer massagem cardíaca. Significa que se a pessoa tivesse um ataque cardíaco na rua, era declarada morta. Mas isso significa que ela estava morta? Não, ela estava condenada pela tecnologia que existia na época. 

O princípio é o mesmo com a criopreservação. O lance que a maioria das pessoas parece não pensar é que, independente do seu sistema de crenças ou religião, nós somos máquinas orgânicas. Então, se você conseguir consertar o que está estragado, em teoria, consegue operar esse equipamento indefinidamente. 

As pessoas têm muito a imaginação de que a morte é um momento, mas a morte é um processo. O que estamos tentando fazer aqui é pausar esse processo – e, ao mesmo tempo, melhorar as tecnologias de criopreservação. 

Muita gente vê a criopreservação como se fosse uma ambulância para o futuro, digamos assim. Você está condenado hoje com a tecnologia A do hospital aqui, mas o hospital B lá na frente tem o que pode te salvar. Só que esse hospital B está cem anos no futuro

E para pessoas que trabalham com biostasis, o que é considerado morte definitiva é o que chamam de information-theoretic death — significa que não há tecnologia que consiga reconstruir o seu cérebro. 

Obviamente, podemos entrar em discussões sobre o que faz você ser você. Muitas pessoas acham que uma cópia digital de você é ainda você, eu discordo disso, por exemplo. 

Quais você considera os principais dilemas morais e éticos do processo de preservar corpos para uma possível futura reanimação?
Um dos principais mitos na criopreservação é o dos famosos criobilionários. Olha, eu adoraria conhecer esses criobilionários, 99% dos nossos membros são pessoas completamente normais de classe média.

A gente tem [entre os clientes] professores, pesquisadores, estudantes. Como é que as pessoas fazem para cobrir esse valor altíssimo? Elas usam o seguro de vida 

O nosso principal problema hoje não é a estratificação social. O principal problema é que muitas pessoas simplesmente não sabem que podem fazer isso ou não têm interesse. Tem muitas pessoas que podem pagar o valor total e não têm interesse. E tudo bem. 

Hoje, enfrentamos uma crise climática, guerras e um aprofundamento crescente das desigualdades sociais. Nesse contexto, quais as implicações sociais de um futuro em que apenas alguns humanos poderão ser trazidos de volta à vida?
Um dos grandes pontos que a maioria das pessoas bate é “por que você vai fazer isso?, você vai acordar num mundo onde todas as pessoas da sua família vão ter morrido há muito tempo…”. E é claro, isso é uma possibilidade. 

Outras pessoas acreditam que você vai acordar num futuro distópico… Nisso eu já não acredito, porque, estatisticamente falando, vivemos hoje na melhor época para ser humano em toda a história da humanidade 

Qualquer indicador humano que você pegar está muito melhor do que há 20 anos de maneira geral no mundo, salvo algumas exceções. De maneira geral, estatisticamente falando, não tem por que acreditar que o futuro vai ser pior. 

Se você está preocupado com a mudança climática, significa que seus filhos vão estar mais preocupados, e seus netos vão estar ainda mais preocupados — e um dia essas pessoas vão chegar ao poder. 

Então, não tem por que acreditar que a humanidade não vai conseguir fazer as mudanças que precisam ser feitas para reverter qualquer catástrofe no futuro. 

A gente acredita que as pessoas deveriam escolher por quanto tempo querem viver. Se eu pudesse estender minha vida por mais 200 anos com saúde, por que não?

A gente não acredita que vai existir uma empresa, durante o nosso tempo de vida, que vai conseguir criar um tipo de tratamento ou remédio que consiga reverter ou desacelerar o envelhecimento… Mas a gente espera estar errado.

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