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“A jornada de empreendedores pretos é muito mais desafiadora”: a Diáspora.Black evoluiu e hoje voa alto fortalecendo a cultura negra

Juliana Afonso - 23 set 2024
A partir da esq.: André Ribeiro, Antônio Pita e Carlos Humberto, os cofundadores da Diáspora.Black (crédito: divulgação Diáspora.Black).
Juliana Afonso - 23 set 2024
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Quando morava no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, Carlos Humberto da Silva Filho, 45, costumava alugar um dos quartos do seu apartamento. Certa vez, um casal de estrangeiros alugou o espaço, mas resolveu ir embora assim que encontrou o anfitrião. 

Carlos já tinha passado por situações em que hóspedes ficavam desconfortáveis aos ver que ele era um homem negro, mas aquela foi a gota d’água:

“Naquele momento, entendi que a gente precisava oferecer um serviço preparado para receber os consumidores negros e para dar visibilidade à cultura negra”

Carlos juntou amigos e profissionais e, em dezembro de 2016, fundou a Diáspora.Black (fala-se “diáspora ponto black”), ao lado dos sócios Antônio Pita, 37, e André Ribeiro, 40. 

A startup – cuja história contamos pela primeira vez aqui no Draft em 2018 – nasceu com o objetivo de promover patrimônios, memórias, lugares, culturas e manifestações associadas à população negra.

Os primeiros serviços foram a oferta de hospedagens e de experiências turísticas com foco na cultura negra. Em seguida, eles passaram a oferecer também treinamentos em diversidade, equidade e inclusão para empresas.

Hoje, a traveltech está presente em mais de 140 cidades em 18 países diferentes, unindo uma comunidade de 40 mil pessoas. 

“A nossa missão é compartilhar conhecimento – e o turismo é uma ferramenta central. Quando você visita um lugar esse lugar jamais sai de você, por isso uma das maneiras mais eficientes de fazer uma pessoa entender uma visão é levando essa pessoa até um determinado lugar”

A Diáspora.Black também conta com um portfólio de parcerias. A mais recente, firmada no fim de agosto, foi um contrato com o BNDES ao lado de outras instituições para o desenvolvimento econômico e territorial da região da Pequena África, na zona portuária do Rio de Janeiro. 

Serão 20 milhões de reais investidos ao longo de três anos. “É um dos maiores investimentos da história do BNDES na agenda de desenvolvimento territorial da população negra”, afirma Carlos. 

A TRAJETÓRIA PESSOAL DESPERTOU O ENGAJAMENTO PELA CULTURA NEGRA

Carlos ainda era pequeno quando sua família perdeu a casa e foi acolhida por um terreiro de umbanda, na Baixada Fluminense, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, onde ele morou com seus dez irmãos até os 14 anos. Ali, aprendeu valores que carrega até hoje, como a importância da ancestralidade e do sentido de comunidade.

Ainda jovem, Carlos entrou para o movimento estudantil e passou a lutar pela implementação de políticas de cotas para que pessoas negras e carentes tivessem acesso à universidade. Alguns anos depois, se tornou aluno bolsista do curso de Geografia e Meio Ambiente da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio). 

Carlos Humberto, cofundador da Diáspora.Black (crédito: Divulgação Diáspora.Black).

O engajamento abriu outras portas, como a oportunidade de fazer um intercâmbio na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, em 2004, em um programa de fomento às cotas e às ações afirmativas no Brasil.

Depois de formado, Carlos trabalhou em organizações privadas, como a Vale, organizações não governamentais, como a Unicef, e entidades sem fins lucrativos, como o Observatório de Favelas e a Fundação Roberto Marinho.

As experiências acadêmicas e profissionais trouxeram novas perspectivas sobre o universo das viagens e inspiraram Carlos a pensar em soluções para que a população negra não enfrentasse situações de racismo como as que ele viveu. 

Foi quando surgiu seu interesse pelo afroturismo, modalidade que valoriza a cultura negra ao incentivar o turismo em regiões marcadas pela herança africana.

O GRUPO PRECISOU RESISTIR PARA COLOCAR PLATAFORMA DE PÉ

O lançamento da Diáspora.Black ocorreu na Feira Preta, em São Paulo, em dezembro de 2016. Ali foram divulgados um formulário para pessoas com interesse em alugar suas casas e uma campanha de crowdfunding de 15 mil reais. 

Com mais de 200 pessoas cadastradas e o dinheiro arrecadado, os sócios começaram a se dedicar ao desenvolvimento da primeira versão do marketplace de acomodações compartilhadas.

Com o tempo, sentiram a necessidade de se aprofundar no universo das startups. Em 2017, a empresa foi selecionada para o 1º Programa de Aceleração de Negócios Sociais do Oi Futuro, em parceria com a Yunus Negócios Sociais

“Ali, nós validamos nossa tecnologia e lançamos nossa plataforma, já com alguns anunciantes”

Vendo como esse processo impulsionou o produto, eles buscaram uma nova formação. No ano seguinte, foram um dos 10 negócios selecionados para um programa de aceleração de startups de impacto social feito pelo Facebook Brasil, em parceria com a Artemisia, que teria lugar em São Paulo.

Esse foi um processo desafiador não só no campo do trabalho. Carlos conta como ele e os sócios chegaram na capital paulista sem recursos financeiros:

“Achamos que ia ter um coquetel no dia do lançamento da aceleração, mas não teve. Ao contrário: o Facebook chamou a gente para almoçar no restaurante mais caro da [avenida] Paulista, com cada um pagando sua conta… Nossa sorte é que fomos chamados pra fazer uma matéria na hora do almoço” 

O trio de sócios-fundadores decidiu fazer uma nova campanha de crowdfunding para custear moradia, alimentação e transporte. Ao relembrar as dificuldades enfrentadas, Carlos se emociona. “A jornada de empreendedores pretos é muito mais desafiadora…”

Eles conseguiram arrecadar o dinheiro e passaram seis meses morando em São Paulo, trabalhando diariamente. Durante esse período, validaram as metodologias B2B e B2C: além de aprimorar o serviço de hospedagem, começaram a oferecer experiências de afroturismo via plataforma e a realizar treinamentos para empresas. 

No final do processo, receberam um convite do Bradesco para compor o Inovabra, um dos principais hubs de negócios da América Latina.

A PANDEMIA TROUXE ENDIVIDAMENTO E UM NECESSÁRIO REAJUSTE DE ROTA

Se 2018 foi o momento de estruturar o negócio, 2019 foi a hora de colher resultados.

Entre eles, um aporte da Vox Capital de 600 mil reais para otimizar a tecnologia do marketplace: 

“O dinheiro saiu no final do ano e decidimos investir tudo para aproveitar a temporada turística. No início de 2020 a tecnologia nova já estava de pé”

O que ninguém esperava era ser atropelado pela pandemia da Covid-19. “Em menos de 48 horas a gente entrou num nível de endividamento histórico”, lembra Carlos.

Isso porque quando as pessoas compram pela plataforma, o dinheiro passa por uma tributação. E quando elas cancelam e pedem estorno, passam por outra tributação. Ou seja, a cada cancelamento a Diáspora.Black precisava estornar o dinheiro integral e arcar com as taxas. 

“Nos primeiros dias de pandemia não existia nenhuma política para o mercado de turismo. Foi um desespero total”

No terceiro dia de cancelamentos, eles tiveram a ideia de aproveitar a tecnologia que tinham acabado de desenvolver para vender cursos, palestras e eventos online, em um momento em que poucas pessoas falavam sobre isso. 

Em menos de uma semana a Diáspora.Black já tinha superado o número de clientes que esperava para o ano.

AO DIVERSIFICAR A ESTRATÉGIA, A DIÁSPORA.BLACK CONSEGUIU DAR UM SALTO NO FATURAMENTO

Apesar do crescimento exponencial, a empresa não havia atingido o equilíbrio financeiro, já que a receita média dos eventos online era mais baixa. 

Para alcançar mais sustentabilidade, os sócios adaptaram os produtos B2B para o ambiente digital. 

Nesse processo, surgiu a proposta de desenvolver uma certificação em diversidade, equidade e inclusão. 

“Cada pessoa que faz a trilha ganha um certificado e a empresa que consegue levar esse treinamento para mais de 70% do seu efetivo recebe uma certificação de que ela está comprometida com essa agenda”

Com o B2B consolidado e o B2C a todo vapor, a Diáspora.Black alcançou o break-even em 2022. Naquele ano, a empresa recebeu um aporte de 150 mil reais da Black Founders Fund, que ajudou a aperfeiçoar ainda mais os treinamentos B2B. No ano seguinte, o crescimento foi tão grande que eles dobraram a meta: 

“Alcançamos 2 milhões de reais de faturamento no meio de 2023. Então dobramos a meta e fechamos o ano com um faturamento de 4 milhões de reais.” 

A meta para 2024 é terminar o ano com um faturamento de 6 milhões de reais.

O PRÓXIMO PASSO É TORNAR-SE INDEPENDENTE DE CAPTAÇÕES EXTERNAS

O afroturismo tem recebido cada vez mais investimento. A própria Embratur, a Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo, destaca que a modalidade é o foco principal de sua estratégia para o desenvolvimento e promoção de novos produtos turísticos no país.

O investimento já vem dando resultados. Um exemplo disso é a Pequena África: uma pesquisa realizada pela Prefeitura do Rio de Janeiro em 2023 mostrou que, no ano passado, a região recebeu mais visitantes do que atrativos como o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor.

A Diáspora.Black acumula prêmios e reconhecimentos, como a medalha de prata do Prêmio Turismo Responsável da WTM Latin America em 2022 e 2023, e a inclusão na lista de Top 10 melhores traveltechs do Brasil, segundo ranking anual da Open Startups. O próximo passo é ampliar sua autonomia financeira. “Estamos focados em não depender de captação”, conta Carlos. 

A empresa segue crescendo sem perder o objetivo principal: ser a maior empresa global a conectar pessoas com as histórias, memórias, legados e patrimônios da população negra.

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