Conferência de negócios e carreira protagonizada por pessoas negras que trabalham em grandes empresas, a Future in Black nasceu de uma relação entre mentor e mentorado — e de um certo cansaço de ver que, quando executivas e executivos negros são convidados para subir no palco, quase sempre é para falar (apenas) de diversidade.
Douglas Vidal, 25, e Maiko Pinheiro, 35, nasceram no mesmo bairro: Taquara, na zona oeste do Rio de Janeiro. Porém, os sócios só foram se conhecer mais tarde, quando o psicólogo Douglas estava no processo de acelerar sua startup, voltada à saúde mental do público de baixa renda.
“Ele sempre resolvia os problemas que eu apontava, trazia novos problemas e tinha bom relacionamento com outras startups”, diz Maiko, economista que fez carreira no mercado financeiro, empreendeu diversos negócios e na época mentorava Douglas.
Em 2021, com os investimentos em startups no auge, Maiko decidiu criar um braço brasileiro da The Black Entrepreneurs Club, uma rede de relacionamento de empreendedores negros criada nos Estados Unidos, e convidou Douglas para ser seu sócio nessa missão.
Porém, em 2022, a crise no setor diminuiu o apetite ao risco dos investidores. Em paralelo, sob um cenário, nos EUA, de pressão por parte de políticos conservadores e ativistas anti-woke, empresas como Jack Daniels Brown-Forman e Harley Davidson anunciaram a redução e o recuo de iniciativas de Diversidade e Inclusão.
Nesse contexto, Douglas e Maiko resolveram criar um evento e um clube para pessoas negras em posição de liderança. Depois de duas edições do Future in Black (a mais recente neste mês de outubro) e uma versão menor em Salvador, eles preparam novidades, como o lançamento de cursos dedicados a lideranças negras e uma edição do evento nos EUA.
Leia a seguir a entrevista de Douglas Vidal ao Draft:
Como foi essa segunda edição do Future in Black, neste mês de outubro?
Foi bem especial, porque escolhemos crescer num ano em que diversas ações para pessoas negras nas empresas diminuíram. E foi uma escolha muito assertiva de negócio, porque existe demanda.
Colocamos mil tomadores de decisão numa quinta-feira no WTC [grande espaço de eventos em São Paulo], dedicando seu tempo para falar sobre carreira, negócios, e construindo coisas juntos, que é o que me deixa mais feliz.
O Future in Black é focado em atender pessoas negras em posição de gerência, diretoria, vice-presidência, presidência e conselho de administração.
Na primeira edição do evento, tínhamos como objetivo entender se conseguiríamos gerar densidade para justificar o que estávamos fazendo: estamos num país em que as empresas argumentam que não conseguem encontrar pessoas negras para contratar em posições de liderança
Não foi uma surpresa para a gente [o resultado do evento]; foi uma surpresa para o mercado que, sim, encontramos diferentes gerentes, diretores, vice-presidentes, presidentes e C-levels negros espalhados pelo Brasil inteiro que só queriam um lugar onde eles pudessem se encontrar com outros tomadores de decisão para se relacionar, falar sobre carreira, negócios — e não para falar de diversidade, como boa parte das empresas desejam.
Para nós, diversidade é estar ali e ponto. Muita gente que foi nunca tinha estado num lugar com tantas outras pessoas negras na mesma posição.
O que cresceu no evento do ano passado para cá?
A primeira edição do Future in Black aconteceu no hotel Unique, e recebemos 600 pessoas, 56% de público feminino. Foram quatro palestrantes internacionais e 17 palestrantes nacionais.
Neste ano foram quase 1 000 pessoas, sendo 62% de mulheres, quase 2% transgêneros e não binários e 36% homens. Das 168 corporações presentes, conseguimos seniorizar [o público participante]: 52% foram de gerência para cima
Se contar startups e pequenas empresas esse percentual aumenta, e convidamos somente empreendedores com faturamento superior a 1 milhão de reais por ano. O Sebrae entrou como um forte parceiro para trazer esses empreendedores.
Um ponto importante é que o Future in Black não tem vendas de ingressos. São somente pessoas convidadas, mapeadas por nós ou pelos patrocinadores, que trabalham em governo, corporação, terceiro setor e empreendedorismo.
Foi difícil encontrar patrocinadores?
Segue muito difícil. Apesar de sermos uma conferência protagonizada por pessoas negras, nós não somos uma conferência de diversidade. O patrocinador não vai poder contar sobre seu case de sucesso em diversidade. Existem outros ambientes mais estratégicos, mais propícios para essas discussões.
As pessoas não dizem que vão ao encontro do Lide ou do Experience Club, e que vão patrocinar porque querem contar os seus cases de algum assunto específico… Com a gente existe essa pressão, mas o Future in Black quer se manter como uma conferência de negócios.
O que é uma conferência protagonizada por pessoas negras que não falam de diversidade? Muita gente nunca viveu isso, a Future in Black é a primeira no Brasil
Entre os patrocinadores a Macquarie [gestora financeira e banco australiano], falou sobre transição energética. A Fundação Lemann, sobre liderança. Neste ano tivemos um painel sobre transição de carreira com Maurício Rodrigues, presidente da Bayer Crop Science para a América Latina, Luciana Batista, presidente da Coca-Cola Brasil, Daniela Cachich, responsável pela unidade de negócios Future Beverages and Beyond Beer na Ambev, mediado por Luciene Rodrigues, gerente sênior de relações institucionais no Mover.
Entre os workshops teve a questão do consumo de remédio por parte das equipes e saúde mental, trazida pela Ana Minuto. Sobre governança em tempos de inteligência artificial, sobre modificações nos conselhos administrativos e consultivos, e gestão baseada em dados. Teve os bancos JP Morgan, BNP Paribas e BV falando sobre o cenário propício para investimentos internacionais de expansão de empresas na América Latina.
Os patrocinadores master do evento – Bank of America, Mover e Ambev – enxergaram que estamos construindo um lugar sério para discutir negócios, com uma agenda de carreiras muito clara.
Uma conferência para tomadores de decisão não é barata, e ainda existe um histórico das empresas reservarem pouquíssimo caixa para iniciativas de pessoas negras — e quando elas vêm conversar conosco, esbarram em um ticket médio muito mais alto do que imaginavam
A nossa resposta é: quanto custa patrocinar uma conferência que vai ter diretores, C-Levels e vice-presidentes da sua corporação?
Vocês estão provando que existe esse quórum que muitas empresas alegam não encontrar. Onde estão essas pessoas?
Elas estão perto, esperando a oportunidade de acesso. Uma pesquisa do Plano CDE diz que 68% das posições de média e alta liderança são ocupadas a partir de indicação direta. Ou seja, sete a cada dez posições são ocupadas por pessoas que foram indicadas.
Muitas vezes as vagas nem chegam nos departamentos de RHs e nas recrutadoras.
E se você não construir um relacionamento com essas pessoas negras que estão ocupando posições de tomada de decisão em outras corporações, ou estão esperando uma oportunidade no mercado, estudando, fazendo MBA, mestrado, doutorado, a sua resposta vai ser a mesma
É difícil reconhecer que você não tem esse relacionamento. É mais “fácil” abrir o WhatsApp e começar a vasculhar nos grupos em que você está, ou com seus contatos. Isso é muito comum — e [muitas vezes] não tem condição de esperar três, quatro meses para encontrar alguém qualificado. A vaga precisa ser preenchida em uma, duas semanas.
Onde estão essas pessoas? Juntas no Future in Black.
Como participar do evento? Talvez, pelo nome, algumas pessoas pensem que é somente para pessoas negras…
Este é um evento para executivos [em geral] em que os protagonistas são pessoas negras. Este ano tivemos 69% do nosso público foi de pessoas pretas, 19% pardas, 11% brancas e 1% indígena ou amarela.
Fazemos questão de convidar pessoas não negras, porque são esses executivos e executivas que estão indicando profissionais. Além disso, não acreditamos no caminho de exclusão. Confiamos no diálogo com quem está tomando essa decisão nas organizações, em trazer para perto e acelerar o processo junto com essas pessoas.
Se nos perguntarem sobre uma CFO negra, conseguimos dar de bate-pronto seis, sete nomes. Mas precisamos que esse pedido de recomendação chegue até nós. Como já acontece.
Recentemente uma consultoria de recrutamento e seleção me pediu uma indicação para uma posição muito específica de alta liderança, disse que estava tendo dificuldade. Eu levei menos de 10 minutos para enviar o currículo de dez pessoas
Hoje isso não é um produto nosso, fazemos de maneira orgânica porque queremos gerar alguns resultados antes de virar a chave. Em algum momento pode ser que se torne um produto.
Atualmente 100% da nossa receita vem dos patrocinadores. O Future in Black se tornou esse ponto de encontro e vamos continuar tornando-o cada vez mais sênior e garantindo que possa haver mais pessoas negras em posições de alta liderança.
Como vocês chegaram à ideia de não falar sobre diversidade, mas sobre negócios e carreira?
Um pouco de saturação. Maiko e eu começamos a trabalhar juntos no The Black Entrepreneur Club (BEC), uma organização que nasceu nos Estados Unidos focada em construir um ecossistema onde black founders consigam captar volumes relevantes de investimento.
A agenda do BEC sempre foi de negócios com pessoas negras e para pessoas negras. Então, bebemos dessa fonte. Foram dois anos nessa frente, liderando a Black Entrepreneur Club, tendo contato direto com um ecossistema que já está organizado há muitos anos nos Estados Unidos.
A Executive Leadership Council (ELC) existe desde 1986 para aumentar a quantidade de tomadores de decisão negros nas empresas da Fortune 500. Eles já haviam entendido que [a questão] era sobre indicação e desde então vêm construindo esse ecossistema muito forte, fazendo um evento para cerca de 7 mil executivos e executivas.
Então, estávamos no ecossistema empreendedor, e sempre admirando muito o que a ELC estava fazendo nas grandes empresas. Em paralelo, estava tendo a “fria” do ecossistema de venture capital, que é feito de ciclos – tivemos uma alta em 2020 e 2021, e depois disso, tem processo de maturação desses investimentos, a quantidade de aportes sendo feitos são reduzidas.
Numa conversa com um executivo do Bank of America, que é um grande parceiro nosso, projetamos a ideia de olhar mais para essas lideranças negras como um público a ser atendido. Conversamos com os sócios do BEC e chegamos a um acordo que colocaríamos foco no Future in Black, tendo o BEC como um parceiro estratégico, principalmente para ações internacionais.
Como foi sua trajetória até conhecer seu sócio?
Estudei em colégio público até o nono ano, fui aluno olímpico de matemática e ganhei uma bolsa para fazer o Ensino Médio em escola privada.
Fui o primeiro da minha família a se formar no Ensino Fundamental, o primeiro a se formar no Ensino Médio, e o primeiro numa Faculdade.
Comecei fazendo Administração, porque sempre gostei de negócios. Mas a minha mãe teve um caso de depressão muito forte — e, como pessoas de baixa renda, não conseguíamos pagar o tratamento dela. Foi quando fiz a mudança para o curso de Psicologia, para entender como ajudá-la
Hoje ela está superbem, segue o tratamento, sem nenhuma recaída há tempo, e está trabalhando na área da saúde.
Nesse processo de mudar e de buscar possíveis soluções para que pessoas de baixa renda tivessem acesso a tratamento de saúde mental, percebi meu lado empreendedor que até então eu não sabia que existia.
Eu estava num ambiente que fomentava o empreendedorismo: estudei na PUC Rio, pelo Prouni. Boa parte da minha turma era de pessoas que iam trabalhar nas empresas de suas famílias, tinha muito empreendedor, essa cultura se torna uma osmose
Aí fundei a Aya Psicologia, uma startup focada em tornar a saúde mental acessível para pessoas de baixa renda.
Foram cinco anos de empresa, e no processo de aceleração, mentorias, um dos meus mentores foi o Maiko, principalmente para falar sobre Growth B2B [crescimento a partir de empresas clientes]. Construímos esse relacionamento de mentor-mentorado: eu sempre voltava com um problema novo e ele curtiu muito isso.
Até que, quando a startup estava fechando — um momento complicado, no pós-pandemia —, o Maiko me contou sobre o desafio de estruturar o The Black Entrepreneurs no Brasil e me chamou para trabalhar junto
Eu já estava como consultor do Sebrae Nacional, trazendo essa visão do fundador, de construtor de programas de inovação. E gostei do desafio.
Daqui para frente, o que vocês planejam para o evento?
O Future in Black 2025 terá dois dias de evento, para trazer discussões mais aprofundadas e fazer mais workshops.
Teremos o primeiro Future in Black nos Estados Unidos, bem menor que o do Brasil, focado em C-Level e conselheiros, de brasileiros e latinos que queiram expandir sua rede de relacionamento no país, e de americanos que têm muito interesse no Brasil e às vezes só falta a porta de entrada.
Outra novidade é que estamos criando o Future in Black Academy. Mapeamos 3 291 pessoas para participar do evento este ano, convidamos pouco mais de 2 mil, e mil compareceram.
Agora, temos um dos mailings mais qualificados de tomadores de decisão negros do Brasil. E queremos criar um braço de formação de habilidades que a alta liderança pede — e que esses tomadores de decisão negros, às vezes, têm dificuldade de acessar
Hoje temos uma parceria muito boa com a Fundação Dom Cabral, em que indicamos participantes para receberem bolsas de estudos desde o curso rápido até o doutorado.
Quando colocamos uma pitada de networking nesse processo e começamos a discutir assuntos mais restritos para a comunidade negra, decidimos criar o FIB Academy para lideranças negras, trazendo C-Levels negros para darem as formações. Com turmas segmentadas de gerentes, diretores, vice-presidentes, empreendedores com faturamento acima de 1 milhão de reais e pessoas em posições de alta liderança nos governos.
O Bank of America tem um presidente global negro [Bernard Mensah] e o banco tem diversas posições de alta liderança nos Estados Unidos ocupadas por pessoas negras. Quando isso acontece, se está construindo oportunidades de negócio
A Ambev já faz um trabalho espetacular à frente de diversidade e inclusão nos últimos anos e agora está numa agenda de sustentabilidade e inclusão produtiva, e de alta liderança negra muito forte. A meta do Mover é colocar 10 mil pessoas em posição de alta liderança até 2030 — e existimos para somar esforços e fazer com que eles atinjam a meta e o FIB se torne o maior evento do tipo das Américas.
Que conselho você daria para pessoas negras que já estão em posição de liderança e que se sentem no papel de viabilizar outras lideranças negras nas empresas? Ou ainda para quem se sente sozinho(a) por ser a única pessoa negra do seu departamento — ou mesmo da empresa?
A carreira executiva até a gerência é sobre a sua capacidade de implementar e entregar resultados. De gerência para cima, é sobre como você se relaciona com o mercado — e como isso gera resultados para a empresa.
Existe uma potência econômica em estar com pessoas que vão entender o que estamos passando, nossas dificuldades, que conseguimos nos conectar com mais facilidade, vamos ter mais afinidade. E aí, começamos a construir uma rede de apoio forte que garanta os resultados que precisamos. Essa conexão às vezes não conseguimos ter com pessoas não negras.
Uma frase que ouvi da Carla Moraes, vice-presidente da Oracle, é que o maior ato de resistência que um executivo negro pode ter é existir ali. Porque, primeiro, a pessoa precisa garantir sua sobrevivência naquela posição, naquela corporação
Existe timing para cada coisa, tem momento que é sobre se consolidar. Isso, por si só, já é um peso muito grande, porque a agenda racial nos últimos anos trouxe um peso de que tudo precisa acontecer ao mesmo tempo: preciso gerar resultado na minha companhia, ser um ótimo pai ou uma ótima mãe, cuidar da política de diversidade da empresa para que mais pessoas negras sejam contratadas, monitorar se a empresa está com um posicionamento bom ou ruim em diversidade e inclusão porque estou na posição de liderança…
O mercado corporativo sempre foi agressivo, indiferente se você é negro ou não. Mas as pessoas negras têm essa sobrecarga, às vezes uma cobrança pública, sem que as pessoas saibam o que está acontecendo dentro da corporação. E isso torna muito difícil a vida da liderança negra que quer fazer mudanças incríveis dentro da companhia, mas está brigando por sua sobrevivência dentro da empresa, e não pode abrir isso para o mercado.
Geralmente, cobranças para pessoas negras se tornam ainda maiores. E aí, quanto mais consolidada a pessoa está em seu cargo, maior é o tempo que ela consegue dedicar para ações estratégicas de ampliação de pessoas negras [na equipe] ou de mitigação de casos de racismo
O passo um é: se consolide como executivo sério e garanta que não vai ser um ventinho que vai tirar você dessa cadeira. O passo dois é ter uma rede forte e orientada para negócio, para potencializar os resultados que você consegue gerar para a companhia — e reduzir os riscos de ser derrubado.
O terceiro passo é construir uma rede de relacionamento, que vai te acolher enquanto pessoa negra. E para isso, o Future in Black sempre vai estar de portas abertas.
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