• LOGO_DRAFTERS_NEGATIVO
  • VBT_LOGO_NEGATIVO
  • Logo

Ela largou a advocacia para empreender com o marido e impulsionar a agricultura urbana por meio da tecnologia

Aline Scherer - 13 jan 2025 Aline Scherer - 13 jan 2025
COMPARTILHAR

Além das belezas naturais, Florianópolis é conhecida pelo espírito inovador e pelo acesso facilitado (se comparado a outras capitais brasileiras) a opções de consumo sustentável.

Baseada na capital catarinense, uma startup de superalimentos se prepara para virar franquia e crescer pelo Brasil, quiçá América Latina.

Em 2019, Laíla Ribeiro e Leonardo Corrêa (ambos hoje com 36 anos) fundaram a Fazendas Bioma, uma rede de estruturas verticais conectadas à computação em nuvem que permite controlar à distância um sistema de irrigação, iluminação e climatização para a produção de microverdes para venda e consumo local.

Trata-se de uma estufa, que visualmente lembra uma geladeira de bebidas superiluminada, com prateleiras preenchidas por uma variedade de microverdes – hortaliças, tubérculos, ervas e até algumas flores, que são colhidos logo após a primeira formação das folhas, geralmente entre sete a 21 dias após a germinação, um pouco maiores que os brotos, mas menores que as versões adultas das plantas. São geralmente usados para adicionar um toque decorativo, nutritivo e de intenso sabor a uma variedade de pratos, como sanduíches, torradas, sopas, saladas, massas e o que mais a criatividade permitir.

Os microverdes não levam agrotóxicos nem são geneticamente modificados; são considerados superalimentos porque, de acordo com estudos, podem chegar a ter 40 vezes mais nutrientes do que sua versão adulta. Nos supermercados de Floripa, uma bandeja para a finalização de pratos para uma pessoa dura cerca de uma semana e custa um pouco mais de 10 reais. A Fazendas Bioma oferece mais de 20 variedades microverdes, como repolho, mostarda, girassol, cenoura e rabanete, em 22 pontos de venda em cinco cidades de Santa Catarina, e complementa o cardápio de 100 restaurantes da capital.

A empresa tem hoje nove funcionários, a maior parte da área da Agronomia, e surgiu do desejo de Laíla de empreender em um negócio de impacto positivo. Formada em Direito, ela chegou a atuar em um grande escritório paulista até decidir trabalhar na empresa de alimentos de seu pai, enquanto estudava sobre varejo e pesquisava ideias de negócio. Seu marido, Leonardo, engenheiro de produção civil, com mestrado e doutorado na área e apaixonado por tecnologia, se encantou com a ideia de Laíla de empreender na produção de alimentos em locais fechados, de forma vertical.

Se abastecidas a partir de energia renovável, as fazendas verticais podem ser uma solução promissora para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, utilizando muito menos água, sem as emissões de gases de efeito estufa dos agrotóxicos e fertilizantes químicos, e reduzindo drasticamente as perdas e o desperdício de alimentos — além de menor impacto com logística, já que a proposta é ter a produção próxima ao local de consumo. No caso dos microverdes, se bem trabalhada a questão educacional e de mudança de hábitos, pode ampliar o acesso a uma maior potência nutricional. Outro benefício é gerar oportunidades de trabalho na agricultura dentro do ambiente urbano.

Conheça mais detalhes a seguir, na entrevista que Laíla concedeu a partir de seu home office em Florianópolis:

 

O que você fazia antes de fundar a Fazendas Bioma?
Eu trabalhei como advogada, especializada em Direito Societário, por seis anos num grande escritório de São Paulo. Mas sempre tive muita vontade de empreender, a minha família é de empreendedores, o meu pai e a minha mãe sempre tiveram o seu próprio negócio, tenho isso como uma referência.

O meu pai tem uma franquia de alimentação, então decidi sair do Direito e trabalhar com o meu pai durante um tempo, e me identifiquei muito com o dia a dia do negócio, de ser mais empresária do que advogada

Sempre quis fazer algo que me trouxesse um senso de propósito, que eu sentisse que, de fato, estava conseguindo impactar o mundo.

Como surgiu a ideia de criar a Fazendas Bioma? E como conheceu o seu sócio?
Em 2019, eu estava fazendo um curso de gestão no varejo e um dos professores falou sobre tendências de inovação na área da alimentação e trouxe o conceito de fazendas verticais, de produção indoor e alta produtividade de alimentos saudáveis e tudo mais.

Sabe quando dá aquele estalo? Eu pensei: é isso! Fez muito sentido pra mim

O meu sócio é meu marido. A gente se conheceu na época da faculdade, eu fazia Direito, ele, Engenharia de Produção Civil [na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC].

Quando eu trouxe essa ideia das fazendas verticais, estufas automatizadas, ele também ficou muito impactado. Ele sempre teve vontade de ter a sua própria fábrica, a sua própria produção de alguma coisa.

E aí quando ele viu o conceito de fazendas verticais, disse: uma fábrica de plantas! Que a gente consegue controlar todas as variáveis e tudo mais. Então encaixou muito pra ele no sentido de engenharia e também de propósito de vida

Em um feriado, a gente maratonou todos os vídeos disponíveis na internet sobre fazendas verticais. Pesquisamos tudo o que tinha de empresas sobre isso. E decidimos começar a fazer uns experimentos no quarto que estava vazio no apartamento em que a gente mora [e que em 2022 virou o quarto do bebê].

Compramos uma estante de plástico e começamos a tentar produzir microverdes da maneira que a gente tinha visto na internet. Fomos viajar, voltamos e eles estavam mortos. Automatizamos um pouquinho a irrigação e assim fomos evoluindo.

Na época, havia uma empresa bem grande no ramo de fazendas verticais que tinha 1 100 fazendas dentro de pontos de venda na Europa, Japão e Estados Unidos, a Infarm, e achamos isso muito impactante: as pessoas conseguirem ver essa produção.

E assim construímos a primeira fazenda protótipo. Compramos peças, montamos e colocamos para teste dentro de um restaurante, no final de 2019, em parceria com um chef de cozinha que descobrimos durante a nossa pesquisa sobre qual seria um espaço legal para ter a fazenda — que ficou lá de dezembro a fevereiro.

Tem aquela máxima de que se você não passar vergonha, você demorou demais para testar o seu produto… E foi exatamente isso, porque era um produto muito cru ainda, não tinha controle de temperatura e umidade…

Era verão, o ar condicionado era desligado depois que o restaurante fechava, e os microverdes praticamente cozinhavam ali dentro, começavam a cheirar… e a gente levava novos da nossa produção caseira para substituir.

Foi algo bem corajoso da nossa parte, mas ele gostou muito da experiência e não queria por nada que a gente tirasse a fazenda de lá; mas veio a pandemia em seguida e tiramos de lá, o que foi um certo alívio, porque já tínhamos visto várias coisas que a gente precisava resolver no produto.

E vocês têm outros concorrentes? Referências em quem se inspirar ou trocar experiências?
Um case muito interessante é o da Aerofarms, uma grande fazenda vertical, uma das primeiras pioneiras [foi fundada em 2004], produzindo tudo o que é tipo de vegetais. Faz uns três anos que eles mudaram só para microverdes, nos Estados Unidos.

Tem a Plenty, uma fazenda vertical grande dos Estados Unidos também, que agora vai começar a produzir berries [variedade de frutas pequenas e suculentas], por exemplo.

Em microverdes também, uma em que a gente se inspira muito se chama Koppert Cress, é uma grande estufa de microverdes na Europa, cujo foco é chefs de cozinha, então lançam tendências de espécies, e têm uma produção gigantesca. E tem uma empresa da Romênia que lançou uma franquia de produção de microverdes, que é o que a gente vai fazer aqui no Brasil.

Tem muitas outras, algumas usam contêiner, que a gente se inspira bastante por ser algo mais modular também, porque algo que a gente não gostaria de ser é uma fazenda gigantesca em um prédio. Faz mais sentido estar mais espalhado do que estar centralizado e distribuir a produção.

No Brasil, tem a Pink Farms, que faz hortaliças adultas e microverdes. E no geral, há pequenos produtores artesanais em cada região que abastecem o varejo e os restaurantes.

É um mercado pequeno que está em expansão. Temos clientes que compram conosco desde o dia 1 e aumentaram muito seu volume de uso de microverdes

Esse é um indicativo de que os clientes que já conheciam tendem a usar mais, inclusive como ingrediente que confere um sabor diferenciado, e não só como finalização de prato.

Muitos restaurantes que não usavam passaram a usar — inclusive os que, inicialmente, não entrariam na nossa lista de prospecção, como pizzarias, hamburguerias, que hoje já usam.

É um mercado forte na parte de gastronomia e alimentação saudável, que é a nossa maior venda — e o foco que a gente pretende, cada vez mais, dar ao nosso negócio.

Por que o foco maior em gastronomia? E vocês pretendem continuar atendendo consumidores por meio de supermercados?
Os restaurantes que investem nessa parte estética de finalização do prato conseguem agregar mais valor ao seu negócio.

Tem toda a questão nutricional também: os microverdes chegam a ter 40 vezes mais nutrientes do que as plantas equivalentes adultas, de acordo com uma série de estudos feitos nos Estados Unidos

Além de ser tendência da gastronomia, um ingrediente inovador que os chefs veem como uma possibilidade de se diferenciar da concorrência, e além do sabor acentuado que os microverdes costumam ter.

O segmento de gastronomia é mais lucrativo pra gente: tem uma recorrência de volume de compra, o que é muito importante, essa longevidade de parceria.

Como vai funcionar a franquia da Fazendas Bioma?
Desde o início pensamos mais o nosso negócio para ser uma venda de licenciamento de tecnologia e know-how do que a produção de microverdes em si. Mas para chegar nesse ponto, nós teríamos que entender profundamente da produção e da comercialização.

Depois desses anos de operação, disparado, de todas as demandas que a gente recebe de clientes, a maior é de pessoas que querem ter a sua própria fazenda vertical para produzir microverdes

Aí a gente chegou no Bioma Farming System, que é a tecnologia e as estruturas verticais totalmente automatizadas, com as condições ideais para o crescimento das plantas, com software de gestão e gerenciamento remoto da produção e todos os dados envolvidos.

Hoje estamos com mais de 20 espécies, e sabemos o momento exato de plantar e de colher de cada uma, para atender aquele cliente no determinado dia solicitado, com qualidade padrão.

A parte de insumos é o terceiro pilar do nosso sistema. Trabalhamos com todos os fornecedores de sementes e insumos para microverdes do Brasil. Compramos as sementes e insumos, fazemos uma bateria de testes e só colocamos para plantio comercial e para os operadores aquilo que estiver em conformidade com o nosso sistema e com nosso kit substrato-semente, que é a manta de fibra de coco com as sementes já colocadas. O operador recebe esse kit pronto, coloca na fazenda vertical e aguarda o tempo necessário para ter o produto na qualidade padrão.

E tem ainda o pilar da inteligência comercial: desenvolvemos uma máquina de vendas de microverdes e a ideia é que o operador receba todo um acompanhamento e treinamento em relação à parte comercial também. Queremos que ele consiga uma qualidade excepcional de produto, sem desperdícios, com baixo custo de mão de obra

Temos uma primeira operação por terceiros que está acontecendo em Foz do Iguaçu, não é no modelo de franquias ainda, mas ela comprou uma fazenda nossa e está usando nossos insumos para produzir.

O processo de estruturação desse modelo de expansão via franquia deve terminar em mais ou menos seis meses. E nesse meio tempo devemos ter mais um ou dois pilotos.

Qual é o perfil desse cliente de franquias?
Tem as pessoas que, claramente, têm um poder aquisitivo maior e que gostariam de ter a sua própria fazenda para consumo doméstico.

Mas o maior volume são pessoas que querem ser produtores mesmo, se conectam com esse tipo de trabalho e propósito por algum motivo, ou são agrônomos, ou têm alguma ligação com sustentabilidade, com a  produção de alimentos.

Um tipo de perfil que a gente recebe muito são mulheres que têm filhos pequenos e querem voltar para o mercado de trabalho, ou querem fazer uma transição de carreira para ter mais autonomia e flexibilidade, bem como o propósito de ter um ambiente exemplar para os filhos

Muitos casais estão nessa posição de empreender com algo que faça sentido, e não são pessoas ricas. São pessoas classe média, ou classe média baixa que querem investir e começar a ter uma fonte de renda. Pessoas do Brasil inteiro – do Sul, de São Paulo, Mato Grosso, Goiás, Nordeste; e até de fora do país, a gente já recebeu demandas de Costa Rica, Argentina, Uruguai.

Um princípio de franquia é crescer em espiral, a partir das áreas mais próximas de onde você está até conseguir abranger uma geografia mais distante, por causa da complexidade. Então, por esse princípio, estamos focando na região Sul: Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul.

E qual é o propósito que você identificou nesse negócio?
Desde o começo, o nosso propósito é levar os microverdes para todos, porque eles são considerados superalimentos, com todo esse potencial nutritivo.

A nossa intenção sempre foi fazer essa produção em escala de uma maneira que mais pessoas consigam ter acesso a esse produto [em Florianópolis uma bandeja de microverdes custa cerca de 11 reais no supermercado]. A gente faz hidroponia, então, ele não pode ser considerado orgânico pela legislação brasileira, que exige que a produção orgânica seja feita na terra. Mas nos Estados Unidos ele seria orgânico pela legislação de lá.

A gente não usa nenhum tipo de agrotóxicos na produção, nem sementes transgênicas, elas não podem ter nenhum tipo de tratamento, ou seja, não tem modificação genética e não tem agrotóxicos na semente

Porque, pasmem, para ser orgânico no Brasil, a semente pode ter agrotóxico! Só não pode ter agrotóxico durante o processo de crescimento, porque a teoria é que conforme a planta cresce, ela se desfaz desse agrotóxico, ele se dilui na água.

Isso é até um alerta para as pessoas que consomem microverdes, porque como é algo novo, a gente vê que tem muitos produtores que não têm uma atenção adequada com a procedência das sementes. E o microverde, como está na fase inicial da vida, concentra nutrientes e também o que estiver de ruim ali. Então, se é uma semente com tratamento, por exemplo, ela vai concentrar toda a parte nociva à saúde.

Estamos cada vez mais nos conectando a um, digamos, propósito secundário — que seria de transformar pessoas comuns em agricultores urbanos superprodutivos e causar um impacto através da geração de quase um novo tipo de trabalho

Por exemplo, estamos em Florianópolis, tem curso de agronomia na UFSC, e vemos como esta é uma área carente de oportunidades em grandes centros urbanos. As pessoas que se formam ali têm que ir para o interior trabalhar, a menos que queiram exercer atividades burocráticas, de escritório e órgãos reguladores.

Estamos trabalhando também com talentos jovens que estão se interessando por esse mundo da agricultura.

E por que este seria um negócio sustentável?
Primeiro, pela questão da eficiência produtiva. Eu uma vez conversei com um dos maiores produtores de alface do Brasil, que fornece para redes de fast food e food service, e ele me disse que a eficiência dele na produção de alface com agrotóxicos é 30%, o que quer dizer que ele planta 100% de sementes e colhe 30% [porque o restante morreu no meio do processo por uma praga, estiagem, excesso de chuvas, granizo, entre outras questões].

Esse mesmo produtor tem uma fazenda de orgânicos, e lá a eficiência é de 10%. A eficiência da Fazendas Bioma é de 95%, porque quando se tem o ambiente controlado, a eficiência produtiva é muito maior, então o desperdício de alimentos é muito menor [e com isso menor é a emissão de gases de efeito estufa].

Depois que a alface é colhida, 50% do volume é perdido até chegar na mesa do consumidor, por causa da logística, de tudo o que acontece entre a colheita e a distribuição. É muito desperdício de alimento.

A gente também usa muito menos água, 90% menos água do que a agricultura tradicional, porque temos um sistema centralizado e a água recircula. Também não tem a questão da exploração da terra e a depreciação do solo

A gente também reduz toda a parte de logística e todos os impactos que uma logística longa do campo até a cidade causa, os gases de efeito estufa, a poluição…

E, por fim, os produtos têm um tempo de prateleira mais longo, e chegam à mesa do consumidor com mais qualidade, que se consegue consumir por mais tempo; e como ele ainda está vivo, está plantado, concentra os nutrientes também.

Tem um estudo que diz que as hortaliças perdem 50% dos nutrientes em até 12 horas após a colheita. Como você mesmo corta o microverde [cuja raiz está plantada na fibra de coco e acomodada dentro de uma embalagem de plástico] e já consome, tem a maior concentração nutricional no produto.

A questão crucial das fazendas verticais é o consumo de energia elétrica para simular o sol. Mas acredito que no futuro vamos ter energia infinita, por causa das evoluções tecnológicas. Há previsões de que a matriz energética vai mudar muito, e se isso acontecer, o [cultivo] indoor vai fazer muito mais sentido do que o campo aberto

Enquanto o custo de energia ainda for uma questão, e na Europa, por exemplo, ainda se usar fontes não-renováveis de energia – aliás, por isso que grandes fazendas verticais acabaram não vingando por lá –, essas espécies como alface, que é muito barata de se produzir no campo, fica difícil de competir em mercado, por isso as fazendas verticais indoor fazem mais sentido como negócio sustentável para produtos de maior valor agregado.

Para produtos com maior volume e que são commodities, o campo ainda é alternativa, principalmente em locais como o Brasil, que tem muita abundância de terras, de sol e de recursos naturais.

Se você olhar com visão de satélite do Google por cima da Holanda, que é o berço de inovação para a agricultura, vai ver tudo branco: é o telhado das estufas de fazendas verticais, porque lá não tem a disponibilidade de terra que tem no Brasil. Lá tem até drones que substituem o papel das abelhas na polinização das flores e frutas.

COMPARTILHAR

Confira Também: