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Acarajé é uma delícia, mas o descarte do azeite de dendê usado na fritura era um problema. Este casal decidiu criar uma solução

Dani Rosolen - 27 jan 2025
Flávio Cardozo e Carolina Ramos Heleno, fundadores da ÓiaFia! (foto: Danilo Barreto)
Dani Rosolen - 27 jan 2025
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O que acontece se você misturar óleo de dendê, ancestralidade, identidade baiana e impacto socioambiental? Esses são os ingredientes da ÓiaFia!.

A saboaria artesanal atua na economia circular do azeite de dendê residual dos tabuleiros das baianas de acarajé em Salvador, coletando, reciclando e transformando o ingrediente em sabões e sabonetes.

Fundada pelo casal Carolina Ramos Heleno, 40, e Flávio Cardozo, 38, a empresa está incubada no Parque Tecnológico da Bahia e é acelerada pelo Hub Salvador. “Somos uma deep tech, tudo o que a gente faz tem embasamento científico”, diz Flávio, que é químico, biólogo e doutor em Biotecnologia. Carolina, por sua vez, é educadora física e mestra em Educação.

Vindos da área de pesquisa, os empreendedores tiveram a ideia da ÓiaFia! em 2020, durante a pandemia, e foram motivados por duas questões: uma alergia de pele de Carolina e a consciência ambiental que o casal já carregava.

Segundo eles, a ÓiaFia! já produziu mais de 5 mil barras de sabão e sabonete, reciclou 3 toneladas de azeite de dendê e evitou a contaminação de 60 milhões de litros de água pelo óleo.

O PROCESSO DE PRODUÇÃO COMEÇOU COM OUTROS ÓLEOS VEGETAIS

Flávio é natural de Matão, no interior paulista; Carolina é de Itabuna, na Bahia. Ela já morava em Salvador e ele se mudou de São Paulo para lá em 2017, após terminar o doutorado. Três anos depois, Carolina começou a sentir coceiras ao usar sabonetes convencionais do mercado.

“Ela me pediu para produzir um sabonete artesanal. Fui estudar formulações e comecei a fazer. Depois, percebemos que isso poderia ser um negócio”

Com os conhecimentos técnicos de Flávio (a linha de pesquisa dele é conectada à economia circular) e a ligação de Carolina com assuntos relacionados a saúde, bem-estar e branding, eles começaram a fabricar e vender sabonetes feitos com óleos vegetais virgens.

Estava aí a semente da ÓiaFia!, que nasceu de fato a partir de um incômodo do casal com o destino de um dos ingredientes usados no preparo do acarajé, iguaria adorada pelos dois, como conta Flávio:

“Percebemos que as baianas de acarajé não têm acesso à coleta do óleo de dendê, as empresas de gestão de resíduos não chegam nos tabuleiros, então muitas ficam guardando galões em casa por anos, doam esporadicamente para projetos escolares ou, por falta de opção, são obrigadas a descartar no ralo mesmo”

Hoje, há mais de 3 500 vendedoras de acarajé atuando em Salvador, que consomem juntas mais de 6 milhões de litros de óleo de dendê por ano. E apenas 10% desse volume é reciclado, segundo dados levantados pelos empreendedores.

A partir daí, Flávio começou a pesquisar sobre a reciclagem desse material que seria descartado para produzir sabões e sabonetes. O nome ÓiaFia! veio de uma expressão muito comum usada na Bahia; a ideia por trás da marca é algo como “olha, filha, a solução dos seus problemas está aqui — e pode ser sustentável”.

A IDEIA TEVE APOIO DO SEBRAE E DA VALE DO DENDÊ PARA SAIR DO PAPEL

Para estruturar o negócio, Flávio e Carolina se inscreveram no edital Startup Nordeste, do Sebrae, e na aceleração da Vale do Dendê. Foi nesse período que passaram a abordar as vendedoras que já conheciam e outras que foram conhecendo no caminho para apresentar o projeto de coleta seletiva.

Inicialmente, dez toparam repassar o azeite de dendê para que Flávio desenvolvesse uma formulação, seguindo alguns conselhos delas próprias sobre como deveria ser o produto.

“Muitas delas reclamavam que os sabões do supermercado não duravam, ressecavam a pele ou não tinham cheiro agradável. Então, resolvemos fazer uma formulação que atendesse essas necessidades”

Elas foram as primeiras a receber o sabão, batizado de Um Xêro da Bahia (R$ 9,90), e pelo visto aprovaram o produto. Hoje, são 27 baianas parceiras.

Flávio durante a coleta do azeite de dendê em um tabuleiro de acarajé (foto: Danilo Barreto).

A cada coleta solicitada, elas recebem 1 real por litro de azeite de dendê, além de um mimo: um kit com sabões da marca, uma bucha vegetal, guardanapo e papel envelope para acarajé (um pedido das próprias vendedoras para evitar o uso de saquinhos plásticos e tornar o negócio delas mais sustentável).

Carolina e Flávio vão aonde for preciso para fazer a coleta — inclusive, segundo ele, nas periferias, onde as empresas que deveriam fazer esse serviço de coleta nunca chegam.

DEPOIS DO SABÃO VIERAM O SABONETES COM DENDÊ

Apesar de o dendê ter propriedades que beneficiam a pele – é rico em vitaminas A, E e betacarotenos –, o empreendedor diz que a marca foca em outros aspectos que o diferenciam:

“É um ingrediente que foi trazido para o Brasil no período da diáspora africana, é do axé, dos terreiros, essencial na culinária baiana — sem ele, o acarajé não existiria. Então, é um ingrediente cultural, com um valor ancestral que a gente não consegue estimar”

Do sabão, o casal se animou em fazer sabonetes de higiene pessoal que fazem referência aos territórios de identidade baiana.

“Quando as pessoas vêm para a Bahia, para Salvador, elas sempre pensam em Carnaval, em praia, mas a Bahia é muito grande e diversa. São reconhecidos 27 territórios de identidade no estado, e cada um tem seus elementos específicos, suas culturas e tradições. Foi isso o que quisemos mostrar.”

O que tem como destaque apenas o dendê chama-se Êta Baiana! e homenageia a Costa do Dendê. Já no Se Saia, Viu o protagonista é o extratos de alecrim e a água do mar da baía de Todos os Santos, justamente para reverenciar essa região, e promete a experiência regeneradora de um banho de mar. No Eu Sou Eu, sobressai-se o extrato de licuri, coquinho típico da Caatinga (e que, portanto, homenageia o Sertão). É rico em propriedades antimicrobianas, anti-inflamatórias, analgésicas e calmantes.

Os quatro tipos de sabonetes da ÓiaFia! (foto: Danilo Barreto).

Por fim, o Ai minha Larissinha! é um sabonete íntimo que leva barbatimão, erva usada em banhos de assento para combater inflamações, infecções e candidíase vaginal. O produto faz referência ao Recôncavo Baiano, território em que se encontram várias feirinhas de rua vendendo ervas.

Todos os sabonetes são feitos pelo método de saponificação, sem o uso de bases glicerinadas, corantes artificiais, derivados de animais e compostos nocivos à pele, como ftalatos, sulfatos, parafinas, silicones e parabenos. E além de azeite de dendê, são compostos por óleos vegetais de coco de babaçu, rícino, girassol e corantes naturais (as embalagens são biodegradáveis).

Cada barra custa R$ 29,90 e as vendas são realizadas apenas online, mas a ideia é futuramente levar os produtos para pontos físicos, como shoppings e aeroportos da Bahia.

BAIANAS DIGITAIS E SUSTENTÁVEIS: O PILAR EDUCACIONAL DA ÓIAFIA!

Para além da questão ambiental, a ÓiaFia! quer causar impacto social na vida das baianas de acarajé.

Para isso, a empresa entrou como parceira no projeto de um grupo de professores do Instituto de Computação da Universidade Federal da Bahia, que buscava dar apoio a essas profissionais. O piloto acabou virando um projeto de pesquisa e extensão da universidade. O “Baianas Digitais” tem como objetivo oferecer a esse público formação em empreendedorismo digital e sustentável.

“A parceria foca em inclusão digital, então elas aprendem como criar uma conta nas redes sociais, comunicar a proposta de valor do tabuleiro delas e a sustentabilidade como diferencial, tirar fotos, enfim, estruturar o negócio”

Além disso, diz Flávio, as oficinas focam em práticas sustentáveis, não só para o meio ambiente, mas para a saúde delas, em relação à postura ergonômica, cuidado com a fritura e inalação de fumaça.

O projeto já está no quarto semestre e cerca de 100 participantes já passaram por essa rede.

EM BUSCA DE ESCALABILIDADE, O CASAL CRIOU UMA CAMPANHA DE FINANCIAMENTO COLETIVO

Hoje, o principal desafio da ÓiaFia! é ganhar escala. O processo de produção é artesanal e sob demanda (assim como a coleta do dendê) e ocorre em um espaço na casa dos empreendedores que foi transformado em laboratório.

Para começar essa empreitada, Carolina e Flávio investiram 500 reais e depois conseguiu mais cerca de 300 mil por meio de editais, como o da Inventivas (FAPESB) e da Centelha, e venda dos produtos, sendo que tudo foi aplicado no desenvolvimento da empresa.

Para gerar ainda mais impacto social e ambiental, os empreendedores querem que o negócio cresça. Assim, criaram no fim de 2024 uma campanha de financiamento coletivo no Catarse. Veja abaixo o vídeo da campanha:

A meta dos dois é arrecadar 400 mil reais.

“Com os recursos levantados, o objetivo é alugar uma infraestrutura física básica para execução do negócio, ter um veículo de coleta seletiva e contratar uma equipe. Assim, a gente vai poder chegar a mais baianas, reciclar mais, vender mais — e, futuramente, expandir para outros óleos de fritura”

A aposta no crowdfunding tem a ver com a confiança de que pessoas estão abertas a construir coletivamente a mudança:

“Acreditamos que existe muita gente engajada, comprometida em apoiar novos negócios, fomentar a transformação e o impacto positivo. Depois de construir uma sustentabilidade financeira, aí sim a gente pode ir atrás de investidores estratégicos, que contribuam para fazer da ÓiaFia! não só um negócio, mas uma causa.”

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