“Dois grandes temas devem permear a COP 27 no Egito: o fato de a implementação das metas de redução de emissão de gases do efeito estufa caminhar com extrema dificuldade é um deles. O outro será de que forma a justiça climática pode ser feita, uma vez que as vítimas da pobreza, discriminação, vulnerabilidade e exclusão estão mais expostas às tragédias ambientais. Não há dúvidas que ambos os pontos serão de tensão.
O cumprimento das metas de redução de emissões até 2030 está se tornando extraordinariamente difícil. Não estamos diminuindo, como o combinado – pelo contrário, estamos aumentando. Ano passado vivemos o recorde de emissões, quando o mundo mais contribuiu para emitir gases do efeito estufa. Já sabemos que este número será ainda mais alto em 2022 e também em 2023.
Um relatório da ONU que acaba de sair aponta que, mesmo que os compromissos de cada país sejam cumpridos na íntegra a partir de agora, o que é implausível, o resultado seria: em vez de reduzir 43% as emissões até 2030, como previsto no Acordo de Paris, teríamos uma redução de 1%.
De modo que há uma tensão no Egito. A reunião será tensa porque a implementação de metas, mais uma vez, num roteiro que vem desde a Rio 92, está muito aquém da execução do que assumimos. Não será resolvido na COP 27, todos sabem. Entretanto, entraremos num outro pano de fundo: vamos parar de brincar. A linguagem será uma só: a métrica. Quantas moléculas de efeito estufa estão sendo emitidas pelos países? E aí é que a tensão vai aparecer com toda sua contundência.
Chegou um momento para a humanidade que obrigatoriamente precisamos falar a mesma língua, é como continuar a história da Torre de Babel de outro jeito. A molécula de gás de efeito estufa é um idioma só, não importa de onde veio. Precisamos de uma governança global para lidar com isso. Somos uma aldeia global: metade dos gases do efeito estufa que estão aquecendo o planeta foram emitidos de 1992 para cá, quando a gente já sabia o que estava acontecendo.
A governança global que temos hoje traz um custo muito baixo para os países que não cumprirem o Acordo de Paris. É preciso que o custo de esquentar o planeta entre nos preços das coisas. Isso tem que se transformar em cotas efetivas: o valor de não cumprir metas tem que ser alto. Este caminho das cotas para precificar me parece o mais interessante.
Pessoalmente, acredito que isso virá por meio do comércio exterior. Países que fizerem os investimentos necessários para cumprir seus compromissos de baixo carbono não permitirão que seu dinheiro vá para países em que esse custo não exista, e mais: não permitirão que seus consumidores comprem produtos destes lugares. Isso será progressivo.
Há muitos eventos climáticos acontecendo ao mesmo tempo. Por exemplo: o Paquistão foi inundado recentemente. Entretanto, o Paquistão não emitiu tantos gases de efeito estufa, mas sofreu uma tragédia terrível. Por isso, o país começou a falar em reparação. Ou seja: a questão climática foi elevada a uma questão geopolítica.
A discussão sobre a justiça climática vai estar muito presente dentro do espaço diplomático da COP. Como ficará a questão do financiamento para os países pobres? Movimentos indígenas, aborígenes, negros, povos originários, e diversas representações estarão chamando a atenção para os debates de como promover a igualdade.
Já os empresários e o setor privado deverão se conectar àquela que tem sido a mensagem de que o ESG é um grande avanço sob todos os aspectos. Mas que, principalmente, o risco é climático. Estes riscos trazem impactos diretos financeiros para as companhias, não importa qual a área de atuação. E existem ainda os riscos de transição: o mercado vai antecipar aquelas empresas que não fizerem a transição para o baixo carbono. Elas perderão seu valor. Estamos atrasados e isso precisa ser extremamente acelerado, não temos mais tempo de uma aterrisagem suave. Saímos de Glasgow e o mundo empresarial não acreditou, ou não olhou os números: temos que ser carbono zero em 2050.
Creio que a COP no Egito vai aumentar a compreensão de que, para evitar uma catástrofe, a velocidade de transição para baixo carbono terá que ser muito mais acelerada. No momento vivemos uma continuidade do aquecimento do planeta numa velocidade superior à que fazíamos antes. A agenda não nos pertence mais: estamos assistindo a eventos climáticos extremos previstos somente para daqui a 20, 30 anos. E a rota ESG é uma das trilhas de sobrevivência”.
**Sérgio Besserman Vianna é ambientalista e economista. Estuda as consequências econômicas e sociais da mudança climática global desde 1992. Foi presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), professor da PUC- RJ, e coordenador estratégico do Climate Reality Project Brasil.
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