A piracanjuba é um peixe brasileiríssimo, presente nas águas da bacia do Rio Paraná há séculos, antes mesmo da chegada dos colonizadores portugueses. Seu nome vem do tupi, e significa “peixe da cabeça amarela”. Há muito a espécie serve como fonte de alimentação a comunidades do interior do sudeste e sul do Brasil, pois é um animal de bom porte, com fêmeas podendo chegar a 10 kg e uma média de 80 centímetros de comprimento.
Segundo o Ibama, a piracanjuba é hoje uma espécie ameaçada de extinção. O perigo é acentuado por uma situação ainda não esclarecida pela ciência: a maioria absoluta dos peixes da espécie nascem machos (cerca de 90% da população que hoje habita as águas nacionais).
Pensando nestes dois desafios para a preservação da espécie, a CTG Brasil vem desenvolvendo pesquisas com a piracanjuba para aumentar a reprodução do peixe e equilibrar a proporção entre indivíduos machos e fêmeas. Em parceria com pesquisadores do Cepta (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Aquática Continental), um órgão ligado ao ICMBio e ao Ministério do Meio Ambiente, descobertas promissoras vêm sendo feitas.
BARRIGA DE ALUGUEL
Técnicas japonesas foram adaptadas à realidade brasileira e hoje os times da CTG Brasil e do Cepta coordenam um sistema de reprodução que pode mudar completamente o cenário da pesquisa com a piracanjuba. A “propagação mediada”, nome científico do método, funciona como uma barriga de aluguel: lambaris, que são peixes dóceis e de fácil adaptação aos laboratórios, são tornados estéreis em laboratório, recebem células-tronco reprodutivas de piracanjubas e passam a gerar alevinos (como são chamados os peixinhos recém-nascidos) desta espécie.
“A vantagem nisso é que podemos usar lambaris fêmeas e machos, 50% a 50%. A piracanjuba se reproduz uma vez ao ano, o lambari três vezes”, detalha Norberto Vianna, biólogo e especialista em meio ambiente da CTG Brasil.
Com investimento de R$ 7 milhões para quatro anos de trabalho, o método revoluciona o manejo da piracanjuba, pois expõe menos o peixe ameaçado ao estresse do laboratório e, tendo uma taxa de sucesso alta, pode acelerar muito o repovoamento dos rios. As equipes da CTG Brasil já concluíram a etapa de transplante genético para os lambaris e esperam uma primeira reprodução, resultando em alevinos de piracanjuba, já em 2023.
PROGRAMA FAZ REPOVOAMENTO DE SETE ESPÉCIES DE PEIXE
Ao todo, o programa de repovoamento da CTG Brasil nos rios Paraná e Paranapanema coloca cerca de 3,6 milhões de peixes ao ano nos reservatórios de dez usinas hidrelétricas. O enriquecimento da fauna traz benefícios diretos às populações de pessoas que pescam nas represas, assim como impacto ambiental positivo.
“Ecologicamente, a piracanjuba é um grande dispersor de sementes. Ela come frutos que caem na água na primavera e ajuda a compor a mata ciliar dos rios. É uma das únicas formas de disseminação de sementes que vai do baixo rio ao alto, porque a fruta sempre vai para baixo, e o peixe sobe a correnteza”, explica George Yasui, pesquisador da FMVZ/USP e um dos líderes da pesquisa do Cepta em conjunto com a CTG Brasil.
São sete espécies reproduzidas na estação de piscicultura em Salto Grande (SP): pacu, curimbatá, piapara, piracanjuba, dourado, lambari e a piau-três-pintas. “Agora nós estamos montando um banco de matrizes de outras três espécies muito importantes que precisam de novas populações: pintado, jurupoca e jaú”, conta Vianna. No ciclo 2022/2023, os pesquisadores farão a primeira tentativa de reprodução em cativeiro destas novas espécies.
DESEQUILÍBRIO POPULACIONAL É ALVO DE PESQUISA
Descobrir a razão do predomínio de machos é outro braço da pesquisa da CTG Brasil sobre a piracanjuba. Equilibrar a população deste peixe nos rios seria um fator de impulso natural a uma maior reprodução do animal. O fenômeno atinge mesmo os exemplares em cativeiro: tanto na natureza quanto em laboratório, os nascimentos são cerca de 90% de indivíduos machos.
Neste ponto, a parceria com especialistas do Cepta traz novamente inovações: o projeto vem fazendo a chamada “reprodução in loco”: exemplares de piracanjuba nativas são capturados, porém sem serem retirados dos rios. Acondicionados em caixas d’água de 1000 litros e piscinas plásticas de tamanho similar, na beira dos rios os animais são estimulados com hormônios a liberar óvulos e espermatozóides, e após obtenção das larvas de piracanjubas, as mesmas são colhidas e levadas ao laboratório para continuidade das pesquisas e formação de reprodutores com DNA nativo.
“Usar para repovoamento uma espécie ameaçada, estabelecendo um banco genético, e ter esta preocupação com a proporção sexual é algo muito inovador, eu respeito muito a CTG Brasil por estas atitudes, que são fundamentais.”
George Yasui, pesquisador do Cepta/ICMBio
“As larvinhas que nós obtivemos na beira do rio já crescem domesticadas, condicionadas a tanques e alimentos artificiais. Ela vai crescer num ambiente de piscicultura e facilmente reproduzir quando se tornar adulto. Já é considerado um sucesso – temos peixinhos com a genética selvagem desenvolvendo super bem. Os peixes vão se reproduzir em dois a três anos e será também um grande salto na capacidade de repopulação da CTG Brasil em suas barragens”, afirma Yasui.
Os pesquisadores devem acompanhar o desenvolvimento dos peixes e testar hipóteses para descobrir o que está influenciando o desequilíbrio de gênero da espécie. As temperaturas mais altas são uma suspeita, porém ainda não confirmada – a resposta para este mistério só a ciência poderá trazer com o desenvolvimento dos estudos.
Vianna ressalta o incentivo do projeto à pesquisa, na forma de verbas e bolsas de estudo, e vê o trabalho com otimismo. “É um projeto maravilhoso, onde eu tenho grandes esperanças de resolver essa questão do repovoamento com a piracanjuba e descobrir o que causa o desequilíbrio populacional.”
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