Whitewashing (traduzido livremente como “embranquecimento”) é a prática de selecionar informações (enfatizando ou omitindo) a fim de melhorar a imagem de uma pessoa ou de uma instituição frente à opinião pública – é dela que deriva a expressão greenwashing, já comentada neste Glossário.
A origem etimológica está na palavra whitewash, usada para a popular mistura de água e cal aplicada na pintura de muros, sarjetas, madeira etc.
Empresas e governos podem fazer uso do expediente – também conhecido como lavagem de reputação – para melhorar sua imagem pública.
É o caso de regimes autoritários, como os da Rússia e da Arábia Saudita, que patrocinam populares eventos ou equipes esportivas, numa estratégia conhecida como sportswashing.
Companhias com atividades relacionadas a um alto risco ESG, como mineradoras e petrolíferas, por sua vez, podem destinar recursos e promover campanhas em prol de causas e projetos sociais e de conservação ambiental.
Recentemente, veio à tona, como debate global, a escalada de racismo direcionada ao futebolista brasileiro Vinícius Jr., jogador do Real Madrid, da Espanha. Como se não bastasse o racismo, Vini Jr. também vem sendo vítima de whitewashing.
A cada rodada fora de casa uma surpresa desagradável. E foram muitas nessa temporada. Desejos de morte, boneco enforcado, muitos gritos criminosos… Tudo registrado.
— Vini Jr. (@vinijr) May 22, 2023
Mas o discurso sempre cai em “casos isolados”, “um torcedor”. Não, não são casos isolados. São episódios… pic.twitter.com/aSCMrt0CR8
Funciona assim: mesmo sendo vítima de racismo ostensivo e publicamente por mais de dez vezes em diversas arenas esportivas espanholas – além de ter sido representado por um boneco enforcado em uma ponte de Madrid, onde vive –, são inúmeras as tentativas de silenciamento contra Vini Jr. por parte de atores da indústria esportiva espanhola.
Para exemplificar, no episódio mais recente, com a torcida do Valência entoando ofensas racistas em coro em partida contra o Real Madrid, em 21 de maio de 2023, Vini Jr. interrompeu o jogo para alertar o árbitro e identificar um dos agressores. O juiz fez vistas grossas e deixou a partida seguir normalmente.
Além de ter sido ofendido pela massa e ignorado pela autoridade máxima em campo, Vini Jr. foi expulso por agressão ao final do jogo. ALERTA! Gatilho de whitewashing: o árbitro de vídeo seleciona exibir apenas o trecho em que Vini Jr. acerta o rosto do adversário com a mão mas omite o trecho anterior, em que o brasileiro é sufocado por um mata leão por 10 segundos, antes de reagir. Após a repercussão mundial do caso, o cartão vermelho foi anulado.
E o whitewashing seguiu solto após o jogo em alguns episódios:
• O árbitro não relatou o episódio de racismo na súmula – documento oficial de registro de um evento esportivo, que pode, inclusive, ser usado em inquéritos policiais –, inicialmente. Houve um acréscimo dessa informação posteriormente à entrega do documento, pelo próprio árbitro, porém, referindo-se à ofensa racial como tendo sido proferida por apenas um torcedor no estádio, quando o que se ouviu foi a multidão em coro;
• Em resposta ao tuíte de Vinícius Jr. expondo o racismo no futebol espanhol e na Espanha, o presidente de La Liga, Javier Tebas, declarou que o jogador estava equivocado e precisaria “se informar adequadamente”;
Ya que los que deberían no te explican qué es y qué puede hacer @LaLiga en los casos de racismo, hemos intentado explicártelo nosotros, pero no te has presentado a ninguna de las dos fechas acordadas que tú mismo solicitaste. Antes de criticar e injuriar a @LaLiga, es necesario… https://t.co/pLCIx1b6hS pic.twitter.com/eHvdd3vJcb
— Javier Tebas Medrano (@Tebasjavier) May 21, 2023
• Jornalistas espanhóis e até argentinos apontaram que Vinícius Jr. também teria provocado a torcida do Valência – tirando sarro sobre a luta do time contra o rebaixamento – e que deveria se retratar pelo comportamento em campo – incluindo a injusta expulsão.
Resumindo, Vinícius Jr. tem sofrido, além de racismo, sistemático whitewashing, em tentativas de silenciamento para manter a imagem do esporte e da sociedade espanhóis a salvo do rótulo de racista.
Um outro significado de whitewashing é o branqueamento de personagens históricos e da indústria cultural – sejam eles africanos, asiáticos, indígenas ou de outras etnias – ou o uso de pessoas brancas para representar heróis de outras etnias.
Os exemplos são inúmeros, desde a escalação de atores brancos para interpretar personagens não caucasianos a ilustrações de personalidades históricas com traços e cores caucasianas, passando por retoques e filtros para clarear a pele de celebridades em publicações e redes sociais.
Para ilustrar, vamos a alguns exemplos:
• Machado de Assis, fundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, passou por um branqueamento em registros fotográficos e ilustrações que camuflaram sua negritude para gerações de brasileiros. Há atualmente esforços, como o da Faculdade Zumbi de Palmares, para resgatar as origens afrodescendentes do escritor;
• Chiquinha Gonzaga, compositora de Ó Abre Alas – a primeira marchinha de carnaval –, era mestiça e foi representada em uma minissérie sobre sua vida pela atriz Regina Duarte, que é branca;
• O papel de Matt Damon no filme A Grande Muralha, em que o ator americano interpreta o líder de um exército… chinês!?
• A escalação da também americana Scarlett Johansson como protagonista da versão cinematográfica do mangá/anime japonês Ghost in the Shell;
• É comum o uso de filtros de clareamento, por parte de fãs, em fotos de cantores de K-pop.
Jéssica Cardoso sofreu preconceito ao oferecer seu trabalho de intérprete de Libras como autônoma. Ela então decidiu criar uma rede de profissionais negras para tornar eventos e empresas mais acessíveis e lutar contra o racismo estrutural.
Num meio dominado por homens brancos, advogadas negras muitas vezes acabam cobrando pouco e precarizando o seu serviço. Contra essa realidade, Dione Assis fundou a Black Sisters in Law, uma plataforma ESG racial para o mercado jurídico.