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“É um erro separar a estratégia econômica da ambiental: a governança deve ser única”, defende especialista

Julia Moioli - 22 set 2023 Julia Moioli - 22 set 2023
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A agenda ESG tem que ser trazida para o processo de tomada de decisão da empresa. A alta administração precisa olhar para tudo com a luz do ESG. Portanto, deve existir uma governança única unindo todas as questões, sejam elas econômicas ou ambientais. É o que defende Roberto Gonzalez, consultor independente de governança corporativa e ESG para empresas, professor universitário em cursos de pós-graduação e autor do livro “Governança Corporativa – o poder de transformação das empresas”.

Segundo o especialista, o principal motivo para as organizações caírem na cilada da separação de governanças é a falta de informação. Muitas empresas abordam o tema apenas porque está na moda, não se aprofundam e não investem. “Como é que a gente soluciona isso? Estuda, lê, acompanha. As pesquisas mostram que ESG veio pra ficar.”

Na entrevista a seguir, Gonzalez fala sobre a importância de conhecer o tema para aplicá-lo corretamente e reitera a importância de uma governança única para todos os aspectos envolvidos no ESG.

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NETZERO: Qual é a importância da estratégia econômica para o ESG?

ROBERTO GONZALEZ: Primeiro, é importante contextualizar o aspecto econômico dentro da agenda do ESG. Isso tudo começou em 2004, quando a Secretaria-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), liderada por Kofi Annan, tomou a iniciativa de chamar entidades do mercado financeiro para um debate. Havia um consenso no mercado de que faltava algo na análise de valuation das empresas. Por muitos e muitos anos, o modelo tradicional funcionou muito bem, mas não era mais o caso. Além de todo o trabalho econômico, financeiro, contábil, era preciso incluir as práticas e informações socioambientais, que, no entanto, tinham consolidação mais lenta.

Como conseguir um amadurecimento? Por meio da governança. E aí veio a sigla ESG.

O aspecto econômico é fundamental para a agenda ESG porque é o que está mais amadurecido em práticas e informações – muito mais que o de cunho socioambiental. Basta lembrar que a quebra da bolsa de 1929 teve um impacto social enorme, mas foi uma questão econômica, que deu origem a regras contábeis, obrigatoriedade de auditoria e assim por diante. No entanto, em sustentabilidade, estamos discutindo há mais de duas décadas um padrão único de auditoria de informações no mundo inteiro.

O aspecto econômico sempre foi muito alvejado e criticado, mas devemos lembrar que trouxe evoluções fundamentais que impactaram no social e no ambiental.

No entanto, a ONU não incluiu o “E” de econômico.

Sim, o que, no meu entender, foi um equívoco. Se isso tivesse acontecido, não estaríamos ouvindo as abobrinhas que escutamos por quem não entende do assunto, como que o aspecto socioambiental deve ter uma governança própria, diferente da econômica. Deve existir uma governança única unindo todas essas questões.

Existe um certo receio ainda em misturar lucro e temas socioambientais?

As empresas são agentes públicos. O [economista norte-americano] Milton Friedman dizia que a função social da empresa era dar lucro e ponto final.

Ele não estava errado, mas não tem ponto final aí. Tem uma vírgula. A função social da empresa é dar lucro, conscientizando as pessoas do seu papel na sociedade, reciclando, atuando na comunidade local. Há diversos exemplos de ações de empresas que acabaram impactando políticas públicas positivamente.

Por que, então, muitas empresas acabam criando essa divisão, com áreas e até estratégias separadas?

Acho que é porque elas ainda não sabem o que estão fazendo. Acompanhei o caso de uma empresa que tem conselho de administração, comitê de governança e ética, comitê de pessoas, comitê de meio ambiente e qualidade e ainda queria criar adicionalmente o comitê de ESG. Ou seja, fez porque o tema está na moda, porque não tem noção se isso é uma onda, uma coisa de marketing, ou vai permanecer.

Eu até entendo que, na cabeça do empresário que não conhece o assunto, trata-se de um risco. Mas como é que a gente soluciona isso? Estuda, lê, acompanha, busca cursos, vídeos, TED Talks. Se não tiver tempo, coloque uma outra pessoa para fazer isso.

E aqui eu faço um parênteses: com tantos novos cursos sobre o tema surgindo, temos que separar o joio do trigo, analisar sempre os professores, o pessoal envolvido.

Quais são os riscos e perigos de enveredar por esse caminho?

É perder o bonde e depois ter que gastar muito mais recursos financeiros para fazer o necessário para se enquadrar nessa agenda. Vamos imaginar que estamos nos anos 1950, quando começou uma pressão por qualidade. Alguns executivos achavam que tinham que falar qualquer coisa sobre o tema só porque era moda, mas não sabiam se ele se manteria. Quem seguiu esse caminho, dançou e teve que correr atrás do prejuízo. Quem enxergou uma tendência e investiu, colheu os frutos. Hoje ninguém discute se você precisa ter qualidade ou não. Quem teve que mexer com isso depois gastou muito mais recursos. As pesquisas mostram que ESG veio pra ficar. Talvez não da forma como eu gostaria, presente em toda a organização, em todo ser humano, ao agir, ao comprar, ao andar na rua, até porque o ser humano não é coerente 100% do tempo.

O que seria o básico necessário para uma empresa que trilhou o caminho da “moda” reverter isso a tempo?

A primeira coisa é a tomada de decisão. Como isso é feito, independentemente de ser empresa familiar, limitada, fechada.

A agenda ESG tem que ser trazida para o processo de tomada de decisão. A alta administração precisa olhar para tudo com a luz do ESG – e não só de ter ganhos financeiros ou custos. Qualquer item de um reunião do conselho de administração.

“Ah, mas ninguém no conselho entende do assunto.” Então, contrate alguém que traga esse assunto, alguém que, assinando o termo de confidencialidade, tenha acesso à pauta e apresente como é que a visão ESG pode entrar em cada item, até que um conselheiro tenha capacidade para fazer isso ele próprio. Outro caminho, com custo mais baixo possível, é escolher alguém que já trabalha na organização e tenha visão de algum dos aspectos e catapultar essa pessoa para coordenar a agenda.

Aqui no Brasil, as empresas já entenderam que não há dualidade e, portanto, não devem dividir o tema?

No ano 2000, nos Estados Unidos, havia um candidato a presidente que defendia bastante essa agenda que era o Al Gore e outro, George W. Bush, que era antagônico. Mas o movimento foi maior do que a eleição presidencial e, de efeito, os fundos de investimentos na época chamados sustentáveis ou de governança – hoje, fundos ESG – não caíram, mas subiram no governo Bush. As empresas americanas começaram a deixar claro que, apesar de a lei permitir certas coisas, elas não deveriam ser feitas.

No Brasil, aconteceu o mesmo. Sem juízo de valor, durante quatro anos, essa agenda foi diminuída do ponto de vista do poder público. Claro que algumas empresas gostaram dessa diminuição. No entanto, aqui o mercado também andou com essa agenda. O Instituto Brasileiro Governança Corporativa não acabou com sua comissão de sustentabilidade, as empresas brasileiras continuaram participando dessa discussão internacionalmente. Então, eu acredito que essa é uma agenda que não para.

Minha experiência mostra que nós temos empresários que vêem que não podem ter o ganho em detrimento dos outros capitais – do ser humano, do comunitário. Precisamos falar mais sobre as empresas que fazem o correto. Aliás, essas empresas precisam reivindicar esse direito: “Falem de mim, falem de mim, falem de mim.”

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