O Brasil desempenha um papel crítico nas metas globais de mitigação climática. Em meio a uma crise climática severa, o Amazonas vive mais uma seca histórica, com mais da metade dos municípios em situação de emergência. O estado do Acre, que, em abril de 2023, passou por uma situação de calamidade devido às fortes chuvas que deixaram milhares desabrigados, hoje sofre com o desabastecimento devido ao baixíssimo nível do Rio Acre. A seca impacta diretamente a segurança alimentar e hídrica, o acesso à educação, à saúde, ao transporte e ao abastecimento das comunidades locais, evidenciando que a crise climática deixou de ser, há muito tempo, um problema ambiental, e tornou-se uma emergência humanitária.
No contexto internacional, os países se preparam para um momento crítico nas negociações sobre o clima: a COP 28 pautará o primeiro Global Stocktake – um balanço global de como estamos cumprindo as metas do Acordo de Paris. Os relatórios preliminares publicados recentemente pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) indicam que estamos longe de cumprir os compromissos e implementar as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Portanto, é esperado que as partes – ou países – saiam da COP de Dubai com a urgente lição de casa de buscar meios de implementação mais efetivos para suas metas de mitigação e adaptação. Para o Brasil, a transparência e o pacto federativo são ferramentas fundamentais nessa tarefa.
Entre as principais estratégias para mitigação e redução das emissões por desmatamento e degradação florestal está o mercado de carbono, em caráter regulado ou voluntário. O mercado regulado é um mecanismo de transações de emissões criado a partir do Protocolo de Quioto e cujo objetivo central é contribuir para que os países atinjam as metas de redução obrigatórias apresentadas à UNFCCC pelas Contribuições Nacionalmente Determinadas.
Por sua vez, o mercado voluntário, único vigente no Brasil até o momento, inclui projetos para redução voluntária de emissões por parte de empresas, governos ou ONGs. As emissões reduzidas no mercado voluntário geram créditos de carbono, que são auditados por uma certificadora independente para serem transacionados. Cabe ressaltar que tais emissões não são contabilizadas para as metas de redução dos países.
Ao mesmo tempo em que há grandes esforços de determinados setores para avançar na regulamentação do mercado de carbono no Brasil, a imprensa segue denunciando escândalos envolvendo projetos privados de carbono na Amazônia.
A regulamentação vem sendo discutida em âmbito nacional há anos, com pelo menos sete projetos de lei tendo sido propostos à Câmara dos Deputados. Recentemente, a Comissão do Meio Ambiente do Senado aprovou o projeto que cria o mercado regulamentado no Brasil, estabelecendo o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). O texto, que segue para deliberação da Câmara, não é perfeito e definitivamente carece de lapidação. Entre as lacunas, incluem-se a governança altamente federalizada e a abordagem superficial sobre salvaguardas socioambientais. Apesar de tudo, o projeto representa um avanço significativo ao estabelecer o limite de emissões, algo que deve ser comemorado.
A integridade do carbono no mercado voluntário e a fragilidade nos processos de consulta livre, prévia e informada, conforme prevê a Convenção n° 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, desafiam a reputação dos projetos de carbono no Brasil. Neste contexto, as salvaguardas socioambientais são de fundamental importância.
As salvaguardas são um conjunto de medidas que devem assegurar que atividades e iniciativas para redução de emissões por desmatamento e degradação (REDD+) respeitem os direitos dos povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, reduzindo potenciais impactos negativos e maximizando os positivos. Como uma das principais condicionantes para a implementação do REDD+, o Brasil foi o primeiro país a apresentar seu Sumário de Salvaguardas à UNFCCC em 2015. Ainda assim, de maneira geral, estamos distantes de seu pleno cumprimento.
Além dos projetos privados, os Estados da Amazônia Legal têm se dedicado à construção de seus sistemas jurisdicionais de REDD+. Com apoio de uma ampla rede de organizações da sociedade civil, estabelecida por projetos como o “Destravando e Alavancando o Desenvolvimento de Baixas Emissões”, os nove estados têm aperfeiçoado suas estruturas de governança climática, seu arcabouço jurídico-institucional, seus sistemas de salvaguardas e desenvolvido metodologias para Mensuração, Relato e Verificação (MRV). Com apoio do projeto, até o momento 3 estados desenvolveram seus Fóruns de governança climática, 4 atualizaram seus Planos de Prevenção e Combate ao Desmatamento e Queimadas (PPCDQs) e mais de 600 pessoas receberam treinamento técnico sobre mudanças climáticas, REDD+ e salvaguardas. Aliados a um fortalecimento das ações de comando e controle, os esforços contribuíram para a redução de 42,5% do desmatamento em 2023, em comparação ao mesmo período do ano anterior.
A FAS trabalha com atividades de REDD+ na Amazônia há 15 anos e se dedica a garantir que as comunidades locais sejam efetivamente beneficiadas. Na COP28, atuará junto aos estados e parceiros para demonstrar as lições aprendidas, oportunidades e os desafios para o estabelecimento do mercado de carbono no Brasil, a fim de atrair maior financiamento climático para a Amazônia. Além da mitigação, desenvolver políticas públicas de adaptação são uma prioridade para evitar maiores perdas e danos e reduzir, assim, o risco e vulnerabilidade das comunidades locais à crise que já está em curso.
O mercado de carbono, tanto regulado quanto voluntário, é uma ferramenta valiosa na luta contra as mudanças climáticas, mas vem com desafios complexos. A regulamentação deve ser feita cuidadosamente, levando em consideração a participação dos estados na governança e instrumentos precisos para cumprimento das salvaguardas socioambientais em projetos de REDD+.
No entanto, o mercado é apenas uma parte da solução. Para ser efetivo na redução das emissões, precisa estar inserido em uma política ambiciosa de mitigação, e deve ser acompanhado de esforços consideráveis para a regularização fundiária na Amazônia, incentivos à bioeconomia e planos setoriais de descarbonização da economia. Afinal, não existe bala de prata contra a mudança do clima.
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Giovana Figueiredo é Coordenadora de Políticas Públicas e Cooperação Internacional da Fundação Amazônia Sustentável (FAS). Profissional de Relações Internacionais e Ciência Política com quase uma década de experiência em análise de políticas públicas, gerenciamento de projetos internacionais, relações governamentais e institucionais, mitigação de mudanças climáticas e promoção de prosperidade sustentável na Amazônia.
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