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Usando o digital para vender cultura em papel: a história da Lote 42

Pedro Burgos - 6 set 2014 Pedro Burgos - 6 set 2014
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O jornalista João Varella, sócio e fundador da Editora Lote 42, estava em um debate na Feira do Livro de Buenos Aires e puxou o seguinte dado para mostrar quão difícil é vender livros no Brasil: “há dois pet shops para cada livraria na cidade de São Paulo.”

O nome da mesa em que ele participava era “O Desafio das pequenas editoras”, e dados como aquele, que poderiam pontuar um desânimo, serviam justamente para dar a dimensão do desafio que, surpreendentemente, cada vez mais gente está interessada em enfrentar. Cada uma à sua maneira: algumas das pequenas editoras criadas nos últimos anos mantém-se como hobby, outras são formas de grupos de autores publicarem e outras conseguem crescer,  ganhando um espaço que nem sabíamos que existiam. O fato é que são muitas: basta passar o olho na programação da última Feira Tijuana de Arte Impressa, um dos eventos, cada vez mais frequentes, que reúnem editoras e leitores independentes.

Nessa cena, a Lote 42, que João Varella formou em São Paulo com os também jornalistas Thiago Blumenthal e Cecilia Arbolave, é das editoras mais famosas, especialmente por causa de sua presença online. Formada no fim de 2012 e com apenas seis títulos em catálogo, a Lote virou notícia este ano depois de prometer 10% de desconto a cada gol sofrido pelo Brasil nos jogos da Copa. O desastre do Mineirão contra a Alemanha fez com que uma crise (ou oportunidade) se instalasse. Para honrar o compromisso, um livro que sai normalmente R$ 29,90, por exemplo, foi vendido a R$ 9 — com royalties de R$ 3 por unidade sendo repassados para o autor.

A empresa se saiu muito bem da enrascada e virou até case de “enfrentamento de crise” na revista Pequenas Empresas Grandes Negócios. Os pedidos foram tantos que o servidor da loja online caiu, mas eles mantiveram as pessoas atualizadas pelo Facebook, para deixar claro que não estavam fugindo. Honraram todas as vendas, fizeram autopiadas e avaliam que tudo aquilo foi lucro em termos de marketing. Chegaram até a postar um vídeo com os bastidores, e fotos dos três ocupados com as etiquetas dos Correios ganharam inúmeros curtir e compartilhar.

Os sócios da editora embalam livros depois da promoção da Copa.

Os sócios da editora embalam livros depois da promoção da Copa.

A situação ilustrou os pontos fortes da Lote: bom humor, domínio total das ferramentas digitais e transparência com os leitores e autores.

 

INÍCIO

João e Thiago falavam de criar uma editora há algum tempo. Em dezembro de 2012, quando um estava desempregado e o outro havia perdido a principal fonte de renda (um “frila fixo”), resolveram colocar o negócio de pé. Tudo foi muito rápido: a Lote 42 começou 4 de dezembro, em janeiro tinha site, em fereveiro um book trailer e em março estavam lançando o primeiro livro. A argentina Cecilia, esposa de João, foi acompanhando tudo de perto, e ia dando os seus pitacos. Ela estava então há 4 anos na editora Abril, como repórter e editoria em revistas de decoração, e foi se envolvendo com o negócio. Quando Thiago começou um doutorado, e teria menos tempo para a empresa, Cecilia acabou saindo da Abril para se dedicar à Lote em tempo integral.

Os primeiros livros foram apostas em autores que já tinham um público na internet. O título de estreia, Já Matei por Menos, era uma coletânea de textos publicados por Juliana Cunha em seu blog. A primeira tiragem, de mil exemplares, está quase no fim.

“A experiência de leitura no papel é diferente: quando a pessoa está lendo no livro, não tem a abinha do Facebook, ou uma notícia incomodando. É você e o livro.”

Em pleno 2013, com Amazon, e-Books e afins, uma pergunta é inevitável: por que publicar algo que já está disponível para ler na internet, em tempos onde todo mundo passa o tempo todo online? “Essa coisa de digital e impresso não tem que ir por caminhos separados”, diz Cecilia. Ela falou comigo na pequena e colorida sala-sede-escritório da Lote 42, que fica dentro de uma outra editora de livros jurídicos no bairro paulistano de Higienópolis, em meio a caixas e pôsteres de feiras de literatura. “As pessoas já leram esses posts, sim. Mas no formato físico teve escolha, teve edição. O que fazemos não é um download puro do conteúdo. Fora que a experiência de leitura é diferente: quando a pessoa está lendo no livro, não tem a abinha do Facebook, ou uma notícia incomodando. É você e o livro. Ao ler tudo de uma vez, você consegue fazer relações entre os capítulos, os textos. Entende melhor a autora”, diz.

“Eternizar” o que estava disperso na internet, aproveitando novos autores que já têm um público, é um pedaço da ponte entre o digital e o papel. O outro é justamente usar o potencial da rede em aproximar mais o autor do leitor e dar um tratamento mais carinhoso a cada obra. “Nós vimos que as grandes editoras não usavam a tecnologia, as ferramentas digitais, de um modo mais adequado ao mundo que a gente vive. Elas não procuram formar e engajar o público”, acredita Cecilia.

Na Lote, o engajamento está, por exemplo, na movimentada fanpage do Facebook. Na última semana, um post fazia piada com os custos de ir à Bienal do Livro (40 reais de estacionamento mais 15 de ingresso, além das filas) para tentar convencer as pessoas a comprar na loja virtual da Lote.

Além das promoções, na fanpage, que tem quase 40 mil fãs (muitos conquistados durante a Copa), há também links de artigos interessantes, teasers, fotos de bastidores e lançamentos. Cada novo livro (foram seis até agora) ganha um hotsite, com a estética do impresso. São usados teasers, book-trailers e pré-venda para criar o burburinho, coisas bem trabalhadas. O autor Bruno Maron, por exemplo, ajudou a fazer este teaser em vídeo para o livro Manual de Sobrevivência dos Tímidos:

Outra forma de engajar o público e aproximar o autor são os lançamentos, que não acontecem em livrarias, mas em festinhas vespertinas. A Lote gosta de cuidar de todo o clima, criar brindes com a estética do livro – Cecilia tem um estúdio de decoração de eventos com uma amiga e tem ótimas ideias para realizar isso.

Mês passado, lançaram uma campanha de crowdfunding para trazer o argentino-uruguaio Gervasio Troche, autor do próximo lançamento da Lote, ao Brasil. Pediram 4 mil reais no Catarse e acabaram levantando 18 mil. Com isso, o autor vem não apenas para São Paulo, mas também para o Rio de Janeiro, Santos, Recife e Curitiba. É mais uma chance de o público encontrar o autor e, claro, vender livros com dedicatórias.

A turnê de Troche criou uma nova função para Cecilia: agente de viagens. Hoje, ela diz que veste “várias camisas”, como é o caso em qualquer startup. Teoricamente, Thiago fica mais na edição de livros, João cuida do planejamento e ela está na operação diária, com mais envolvimento na arte. Mas eles podem ser todos assessores de imprensa ou embaladores de livros, dependendo da situação.

 

MERCADO

Em termos financeiros, a Lote foi criada com 15 mil reais de investimento inicial, “o suficiente para 3 livros”. Mas a verba acabaria no segundo, já que eles escolheram fazê-lo com capa dura e páginas coloridas (O Pintinho, famosa tirinha de Alexandra Moraes publicado no Tumblr e na Folha, merecia o tratamento). “A gente tinha 3 vidas, gastamos uma”, brinca Cecilia. Mas os livros foram se pagando, e rapidamente começaram a dar algum lucro. Todo o dinheiro foi reinvestido até agora, em novos livros e a contratação de uma pessoa que ajuda na operação – como a postagem nos Correios.

O e-commerce é o principal canal de vendas, mas a Lote também está nas principais livrarias. Cecilia diz que eles praticamente não ganham dinheiro vendendo por elas, já que ficam com 50% do preço de capa, muitas pegam em consignação e pagam só em 60 ou 90 dias. Mas é algo necessário para quem está no ramo: “as pessoas relacionam a livraria com prestígio, credibilidade”, admite.

Cecilia Arbolave no escritório da Lote 42.

Cecilia Arbolave no escritório da Lote 42.

Cecilia diz que ganha o mesmo que ganhava nos tempos de jornalista da Abril. “Eu não fiz essa troca para ter melhor qualidade de vida financeira. Eu olho para trás e penso ’não trocaria’. As pessoas me oferecem um frila fixo, ou para voltar a uma outra empresa, e não quero, estou feliz aqui. Vejo muita coisa acontecendo”. Além da assistente, alguns dos processos mais trabalhosos, como distribuição em livrarias ou emissão de notas, está sendo terceirizado.

A meta é terminar 2014 com 5 livros lançados, com tiragens entre mil e 2 mil cópias. “Condição de crescer, sempre tem. Mas não queremos dar um passo maior que as pernas”, diz Cecilia. Por ora João continua em seu trabalho. Se pulasse para ficar o tempo todo na editora, eles teriam que acelerar o ritmo de lançamentos para compensar e fazer caixa, o que não é o foco agora.

Há uma preocupação de João, Cecilia e vários outros da área em aumentar o mercado. “Está tendo muito o espírito de andar junto, colaborar. Uma coisa muito legal é que todo mundo está explorando as coisas físicas do livro. Diferentes técnicas, formatos, formas de mostrar uma história. Muito de arte gráfica. Muita gravura. E as editoras compartilham isso, trocam a experiência em cada gráfica, por exemplo”, explica Cecilia.

As experimentações com os formatos são marca da Lote. O livro Seu Azul, de Gustavo Piqueira, tem uma aplicação de areia na capa e fontes diferentes para cada personagem. A coletânea de críticas de discos Indiscotíveis (o best-seller da editora, com a primeira tiragem de 2 mil esgotada) parece um álbum em vinil, com vários livretos e capinhas. Parte do objetivo é fazer com que esse capricho não se transforme em obras inacessíveis: o livro mais caro (o próprio Indiscotíveis, que deve ganhar uma segunda edição) é 49,90.

Os eBooks, por ora, estão fora da estratégia. O foco é dar o tratamento que cada obra, autor e leitor merece. Como diz a Lote em sua própria página: “Acreditamos que o leitor é quem deve decidir a melhor maneira de aproveitar sua leitura. Os assuntos que nos comprometemos em apresentar ao público atenderão demandas contemporâneas da sociedade, mas sem deixar de lado um tratamento cuidadoso, sempre sustentado pela tese de que o texto precisa ir além do tempo real.”

draft card - Lote 42

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