Priscila Sabará, 29, tem uma causa – a comida como experiência, a gastronomia como entretenimento. Priscila acredita que o ato de comer tem grande contribuição a dar para um mundo feito de pessoas mais felizes e mais próximas umas das outras.
A vida de Priscila, nutricionista formada pela USP em 2008, parece ter confluído para que ela criasse o Foodpass, cuja tagline é “design de delírios gastronômicos – arte + diversão + comida”, uma plataforma que se propõe a produzir e curar os melhores eventos, produtos e serviços gastronômicos de São Paulo e Rio – por enquanto.
Para Priscila, comida é arte, expressão, cultura que vem da experiência primeva, humana, de sentar junto com o outro e dividir o alimento. O Foodpass busca celebrar essa visão em eventos, festas, aulas de cozinha, congressos, palestras, feiras, experiências dentro da cidade, viagens para fora da cidade, conversas com chefs, visitas a produtores e outros quitutes que Priscila vai inventando pelo caminho.
ANTES DO COMEÇO
Priscila passou boa parte da adolescência na companhia de uma inimiga barra pesada: a bulimia. O ato de cozinhar e de comer sempre foi central em sua família. “Cresci na cozinha. Aprendi a fazer pão de queijo com 6 anos”, diz. A família do pai tem sangue sírio e alemão. A da mãe, italiano e negro. O avô, químico, se aposentou e abriu uma rotisseria no Itaim Bibi, em São Paulo, nos anos 70 – a Cosa Nostra.
Com pai e mãe acima do peso, Priscila se via obesa – embora hoje perceba que estava longe de sê-lo de fato. “Dos 10 ou 11 anos, até os 14 ou 15, enfrentei a bulimia. Com o tempo, o bulímico passa a devolver o alimento naturalmente, sem precisar forçar. Um dia um médico disse a meus pais que meu problema não era gástrico, mas psicológico. Ninguém sabia o que estava acontecendo”, diz Priscila. “Isso começou para mim numa aula de biologia – encontrei ali, na lousa, um modo de comer e de não deixar meu corpo absorver as propriedades dos alimentos que eu imaginava que me engordavam”.
Segundo Priscila, foi o vôlei que a salvou. “Venci a bulimia com atividade física. Eu simplesmente não conseguia parar de pé se não comesse direito. Então deixei aquilo para trás”.
COMO TUDO COMEÇOU
A gastronomia representou para Priscila um resgate da boa relação com a comida. Ela começou a faculdade de Nutrição em 2003. E já começou a trabalhar na cozinha experimental da escola, fazendo consultoria para a indústria. Depois, foi trabalhar com a chef Ana Soares na Mesa III – que tinha uma rotisseria e prestava consultoria para restaurantes como Astor, Pirajá e Adega Santiago.
Priscila decidiu explorar as possibilidades da USP fazendo cadeiras optativas em outros cursos – buscando olhar a alimentação por outras óticas. “Foi aí que comecei a entender que comer bem não era só dieta nutricional. Tudo é bom desde que seja bem feito. Nada faz mal desde que seja consumido de modo correto”, diz.
Antes de se formar, Priscila, ainda com a Mesa III, teve a primeira experiência com evento – trabalhou com Ana no Mesa Tendências, uma parceria da revista Prazeres da Mesa com o Senac, que trouxe o chef espanhol Ferran Adriá ao Brasil, em 2008. Essa exposição internacional também lhe permitiu conhecer o trabalho da agência GSR, que agenciava chefs na Espanha. Priscila vislumbrou ali um mercado que um dia chegaria ao Brasil.
Priscila deixou a Mesa III e foi trabalhar com o crítico Josimar Melo, produzindo conteúdo. E também teve uma atuação na ONG SertãoBras – criada por Lian Andrade, filha de Gabriel Andrade, fundador da Andrade Gutierrez – que se dedica ao movimento da legalização do queijo de leite cru no país.
Priscila seguiu experimentando possibilidades no mercado de gastronomia no país. Fez pós-graduação em Gestão da Comunicação na ECA – a Escola de Comunicação e Artes da USP. Lá, conheceu o professor Vinícius Romanini. E foi trabalhar com ele numa consultoria de comunicação e branding voltada para a indústria do turismo, da hotelaria e da gastronomia.
De lá foi trabalhar na Anexo, outra agência especializada no mercado de gastronomia. Ali começou a prospectar, depois de desenvolver também atividades como PR e Social Media.
Então Diego Badaró, do Amma Chocolates, apareceu em sua vida. Diego recebeu de herança uma fazenda de cacau na Bahia, caída, e a transformou num negócio de sucesso, produzindo um dos chocolates orgânicos mais respeitados no mundo. Diego percebeu que a melhor coisa que podia fazer pelo cacau era preservar a mata nativa, em vez de devastá-la. E percebeu também que precisava de marketing. Então chamou Priscila para trabalhar com ele. E ela o fez, por um ano, a partir de São Paulo.
“Não tínhamos reserva, nem planejamento financeiro. Não entendíamos nada de administração. E dinheiro, se você não gere, evapora. De julho a outubro do ano passado não retiramos nada. Vivemos de empréstimos familiares”
Em 2012, quando Ana Soares abriu uma nova loja em São Paulo, Priscila propôs a Diego que, ao invés de trabalhar só para ele, ela virasse uma agência. Diego topou. Aí Priscila chamou Nina Loscalzo para ser sócia. O terceiro cliente era o Empório São Joao.
Naquele mesmo ano, quando Diego trouxe ao Brasil o Salon du Chocolat, o maior evento mundial da indústria chocolateira, Priscila chamou alguns chefes para cozinhar com chocolate – Claude Troisgros, Rodrigo Oliveira (do restaurante Mocotó), além dos pâtissiers Diego Lozado e Fabrice Lenaud.
Esse, segundo Priscila, foi o momento em que o Foodpass começou a nascer. Depois de fazer quase tudo em gastronomia – consultoria, produção de conteúdo, tabelas nutricionais, ativismo de Terceiro Setor, marketing, RP, Social Media, prospecção, eventos – e, claro, de cozinhar muito ao longo desse caminho todo, Priscila se aproximava cada vez mais da sua ideia de ter uma agência de gastronomia que tratasse a comida como arte e como experiência.
O Selo Reserva, um clube do vinho, também lhe inspirou. “Por que não vender experiências gastronômicas? As pessoas vão a eventos. Por que não frequentar eventos ainda mais prazerosos, focados em comer e beber? Em nosso mercado, havia essa oportunidade: criar uma urgência que mobilizasse as pessoas”, diz Priscila. “Outra referência para mim foi o Le Fooding, um guia francês, alternativo ao Michelin, que produz eventos e que vende ingressos online para essas atividades ligados à comida. Ficou claro que era isso que eu queria fazer da minha vida”.
QUANDO O SONHO COMEÇA A SE TORNAR REALIDADE
Priscila começou a desenhar os primeiros eventos gastronômicos. Na estreia, uma festa de aniversário para o namorado e sua turma de artistas. “Aí começamos a experimentar com festas temáticas. Fizemos o evento ‘Saravá’, o encontro das culturas europeia e africana no Brasil, com tudo em preto e branco, inclusive as comidas e bebidas”, diz. “Depois fizemos o ‘Speakeasy’ – também ambientando tudo, da mesa à cenografia e à música. Fizemos a festa do ‘Dia dos Mortos’. E fomos vendo que podíamos começar a vender essas experiências sensoriais com comida”.
Priscila e Nina foram expandindo a atuação do Foodpass, do círculo de amigos para restaurantes parceiros. Depois, para outros lugares. E partiram para desenhar o site. A ambição desde o início era ser um grande marketplace de gastronomia, com venda de serviços e produtos capazes de transformar a comida em experiência. Decidiram começar a aposta com serviços, no primeiro semestre de 2013. Com o grande diferencial da curadoria de Priscila – que privilegia o slow food, as refeições com “quilômetro zero” (em que você não precisa se deslocar mais longe de um quilômetro para comer), com consumo de produtos locais e ingredientes da estação.
UM MODELO DE NEGÓCIOS PARA CHAMAR DE SEU
O Foodpass está baseado em três entregas:
E-commerce
Além de vender convites para seus próprios eventos, o Foodpass vende convites para eventos de terceiros, curados pela empresa – do curso de barista do Octávio Café ao Sunday Sessions da cerveja Sol. E fica com 8 a 20% da receita dos convites vendidos. O site chegou a vender 700 ingressos ao preço unitário de 130 reais de um evento terceiro em maio de 2014.
Projetos Foodpass
Os eventos próprios da empresa, como Banquetes de Cinema (um chef cria um prato inspirado em filme – e você come o prato enquanto assiste o filme), IlovPicNic (piqueniques temáticos no Teto Verde do Centro Cultural São Paulo), Expedicões ao Leo (excursões com o chef Léo Botto a fazendas produtoras), todos mensais. Além do Food Hunters (passeios gastroarquitetônicos pelo centro de São Paulo, em que você vai parando e comendo em vários lugares diferentes), quinzenal. Em seus projetos, o Foodpass conta também com o patrocínio de marcas como H2O e Zahil.
Alfaiataria
Os eventos gastronômicos que o Foodpass cria sob medida para empresas – Mastercard, Ernst & Young, Microsoft, Philadelphia são alguns dos clientes que contrataram os serviços da empresa em 2014.
Com essa atividade, a agência foi minguando propositalmente até o meio de 2013. Nina acabou saindo da sociedade em março de 2014. “Não tínhamos reserva, nem planejamento financeiro. Não entendíamos nada de administração. E dinheiro, se você não gere, evapora. De julho a outubro do ano passado não retiramos nada. Vivemos de empréstimos familiares. Isso fez a Nina desanimar”, diz Priscila, que chegou a pegar 20 mil reais na Caixa Federal – para se manter e para levar a empresa adiante.
A ARTISTA QUE ENCANTA VERSUS A FRIEZA DOS NÚMEROS
Sem muita clareza contábil do quanto fatura ou da sua rentabilidade, Priscila conseguiu pagar todas as dívidas em julho desse ano. Agora Priscila está sozinha. O pai, que tem posto de gasolina e alguns negócios imobiliários, volta e meia chama Priscila para trabalhar com ele. Ela resiste. Está empenhada em aprender mais sobre finanças e solidificar o Foodpass.
“Estou desenhando com uma consultora planilhas que eu consiga entender. Sei que o Foodpass hoje opera com um custo fixo de 10 mil reais. E sei que em 2013 passaram 400 mil reais pelo nosso caixa, incluindo aí o dinheiro que eu repasso aos donos dos eventos cujos ingressos eu vendo”, diz. “Adoraria ter um sócio que me complementasse, que soubesse ganhar dinheiro com o que eu faço, que aportasse gestão ao negócio”.
Priscila já recebeu seis convites para ter novos sócios na empresa. “Mas ainda não apareceu quem quisesse entrar de cabeça comigo, quem tivesse o mesmo nível de paixão que eu tenho pelo negócio. Houve quem quisesse comprar a minha capacidade criativa, e eu não quis. Houve quem quisesse me incubar de um jeito meio impessoal, e eu também não quis. Para mim, a questão não é grana, mas complementariedade e cumplicidade”.
Priscila está sentada naquele ponto do caminho de várias startups em que o empreendedor se vê sobrecarregado. Você é pequeno, tem que fazer tudo sozinho, sua capacidade operacional é muito menor que o seu sonho, e parece que você jamais vencerá essa fase em que precisa suar muito para vender e depois precisa suar mais ainda para entregar. (Quem nunca?)
Felizmente, parece óbvio que Priscila também está sentada sobre outra coisa. Uma mina de ouro: ela mesma.
A Beth Bakery, de Beth Viveiros, é uma micropadaria que entrega pães e bolos na casa do cliente uma vez por semana. Com muito planejamento e força no marketing digital, dá lucro desde o primeiro mês.