Entre quinta e sexta, véspera de uma das eleições presidenciais mais acirradas da história brasileira, convidamos dois articulistas para defender o voto em Dilma Rousseff, dois para defender o voto em Aécio Neves, dois para defender o voto nulo e um para defender o não-voto. Com você, teses bem defendidas, que tentam escapar às desinteligências e à desinformação que tomaram conta dos ânimos nesse final de campanha. Para que você termine de formar a sua opinião.
Por Eduardo Nasi
Começo abrindo o jogo: eu não vou votar. Mais uma vez, perdi o prazo de transferir o título. Possivelmente vou justificar, mas só porque ir até o TRE é mais complicado que aparecer na escola logo depois da esquina. Mas, se fosse votar, anularia.
Votar nulo não é uma escolha fácil. Eu acompanho o noticiário político, fico tenso com resultado de eleição, gosto de palpitar, gosto da ideia de que o debate pode melhorar o país. Mas há uma tendência em tentar desqualificar o voto nulo. Atribuo esse movimento ao clima de torcida que tomou conta do país. Por causa das pesquisas em que os candidatos ficam dentro da margem de empate técnico, há uma ideia de que cada voto é importante para eleger ou Dilma ou Aécio. O voto nulo, nesse cenário, seria um desperdício, um ato de covardia ou de preguiça por parte de um eleitor supostamente descomprometido com o futuro do país. Comecei a ver que quem anunciava que pretendia anular começou a ser perseguido, marcado como um subcidadão.
Por isso, nesta semana, joguei na internet um texto defendendo a anulação. Para minha surpresa, o debate não teve nada a ver com o chorume virtual que temos visto nas últimas semanas. Ao contrário: a conversa amplificou e esclareceu meus argumentos, e apresento abaixo uma versão maior e possivelmente melhor do texto original. Incorporei algumas ideias que não tinham aparecido, e que surgiram a partir das discussões. (Agradeço a todos que participaram.)
PELO VOTO NULO (versão melhorada e ampliada)
1. É mentira que voto nulo é igual a se abster de uma escolha. Voto nulo é dizer que você não concorda com nada disso que está aí. Também é uma escolha. Isso é óbvio. Mas não parece.
2. É mentira que o voto nulo é uma saída fácil. Até pode ser. Mas até aí escolher entre Dilma ou Aécio também pode ser uma saída fácil e impensada. Inclusive, para os meus parâmetros, a virulenta paixão pelos candidatos têm mostrado que é bem cômodo simplesmente odiar um lado e escolher o outro. E digo mais: o clima de torcida destas eleições tem transformado qualquer escolha em uma escolha burra. Só depende do ângulo que se vê.
3. Voto com autoengano é pior que o voto em nulo. Nenhum dos candidatos está isento de acusações graves de corrupção – se não direta, no topo da cadeia alimentar de sua base de apoio. Mas tem gente que defende que não quer uma quadrilha no poder, e por isso vota no adversário, que possivelmente não é tão diferente assim. E mais: quem diz que o partido adversário é nazista, fascista, soviético, comunista e outros istas radicais acredita mesmo nisso ou só está endossando um discurso de ódio, medo e segregação? Tem ainda quem ignora as alianças tenebrosas de seus candidatos, dizendo que é apenas uma forma de garantir governabilidade. Minha impressão nesses dias todos é que são justamente as pessoas que praticam o voto auto-iludido que mais condenam o voto nulo. Estou errado?
4. Votar é uma obrigação, mas a escolha é de cada um. A pessoa tem direito em votar em quem quiser, como quiser e com o nível de reflexão que quiser. A lei eleitoral diz que só precisa justificar quem não vota, e isso se não pagar a multa. Então pode se votar com ódio, com sentimentos pouco nobres, movido por interesses pessoais, ou por altruísmo, fé, indiferença, crenças estapafúrdias. Isso aí é a democracia representativa, e eu acho bem legal. (Confesso que o cenário bélico destas eleições cria em mim uma tendência de simpatizar com o voto dos bobos, dos inocentes, dos avoados, dos que se deixam levar pelo coração. O voto em branco, que diz “se virem aí”, não é tão raivoso quanto o voto nulo, é um voto deitado na rede, de pé descalço, ouvindo Caymmi, e portanto também tem minha simpatia.)
5. Vi muitos amigos que falaram muitíssimo mal de um candidato no primeiro turno virarem a casaca e passarem a apoiá-lo. É um direito. Cada um é livre pra fazer o que quiser. Mas, nessa, não contem comigo. Amigos: eu lembro do que vocês disseram contra os candidatos que vocês agora adotam. Eu sigo acreditando no que vocês me disseram ontem.
6. A gente debate muito as propostas dos candidatos. Cobra programa de governo. Defende dizendo que fulano vai fazer isso ou aquilo, vai defender esta ou aquela causa. Para mim, proposta é só um novo nome pra velha “promessa eleitoral”. Um nome ainda imaculado, talhado por marqueteiros diante do desgaste do termo anterior. Eu prefiro ver o que os candidatos já fizeram. Se o vencedor quiser cumprir suas propostas no próximo mandato, talvez eu passe a levá-lo mais a sério.
7. Proposta sedutora, daquelas bem revolucionárias e libertárias, lançada durante as eleições não valem nada quando o candidato ou o partido do candidato não fizeram nada a respeito nos anos anteriores. Convenhamos que tanto PT quanto PSDB são partidos bem grandinhos para mexerem uns pauzinhos e conquistarem algumas coisas. O resto é papo. Eu preciso de mais ação e de menos papo para acreditar numa promessa.
8. Desconfio que o nível de delírio está altíssimo porque não reconheço nas propostas o país em que vivi nos últimos meses. Cadê a resposta às manifestações? Cadê a herança da Copa do Mundo (incluindo aí sucessos e fracassos)? (Há quem diga que o eleitorado também não respondeu às ruas, e até tenho um pitaco a dar sobre isso, mas não é o caso de falar disso hoje.)
9. Cada voto é um aval. Quando o próximo presidente mandar bater em manifestante, matar índio ou desmatar a Amazônia, ele vai bradar que teve X milhões de votos. São esses votos que vão legitimar os transgênicos, a condução desastrada da economia, o desprezo pelos direitos humanos, o estímulo desenfreado a setores ultrapassados da economia. Cada voto a mais é um avalzinho a mais para o horror. Bem pequeno. Mas é. O voto nulo diz: “não ao horror”.
10. Dadas as opções, não vejo alternativa ao horror. Não acredito em “menos horror” nem em “mais horror”. Não acredito em dar aval a “menos horror”. Horror é horror, merece apenas repúdio.
11. Não acredito em candidato perfeito, o que significaria anular para sempre, como uma regra. Mas acredito em candidato razoável, em candidato OK, em candidato que dá para engolir. No primeiro turno, eu vi uma pequena porção de candidatos razoáveis. Não teria anulado. Mas acredito em limite para o que posso tolerar. Quero ter o direito de dizer que os candidatos do segundo turno estão além do meu limite de tolerância, e quero que outras pessoas possam dizer o mesmo sem serem perseguidas ou chamadas de covardes, direta ou indiretamente.
12. Sei que, neste contexto de virulência e torcida, o discurso a favor do voto nulo é frágil. O voto nulo não tem equipe de marketing, não tem time de social media. Também não tem representante no debate, não dá entrevista na TV, não tem adesivo nem cavalete de rua. (Por isso mesmo, é um discurso mais forte: é um discurso sobrevivente.)
13. Cabe a nós dar voz ao voto nulo. Quando sair o resultado, vamos lembrar que a maioria mesmo não votou no vencedor.
14. Fala-se muito de por que escolher um candidato, e pouco sobre dizer “não”. Temos que aprender a dizer mais “não”. A não apoiar, a não dar aval. Por isso, defendo o voto nulo.
Eduardo Nasi, 38, nasceu em Porto Alegre, mas mora em São Paulo. É jornalista, mas trabalha com publicidade e ainda acha tempo pra ser artista, desenhar livros, ilustrar crônicas do Carpinejar e fazer exposições. Criou com a filósofa Marcia Tiburi o projeto Desenhando SP, que, ao longo deste ano, reuniu pessoas para desenhar nas ruas de São Paulo.
Leia aqui a análise dos outros articulistas a favor de Dilma, de Aécio, do voto nulo e do não-voto.
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