Mariana Castro, que assina esse texto, lançou Empreendedorismo Criativo (Portfolio/Penguin, 199 pgs), onde conta em detalhes o case da Inesplorato e mais oito histórias completas sobre novos empreendedores brasileiros e seus empreendimentos criativos. Compre. Leia. Recomende.
Perto de celebrar os cinco anos da Inesplorato, os sócios Débora Emm, Roberto Meirelles e Carlos Alberto Martinez, o Cabé, vivem um momento parecido ao de quando lançaram a empresa de curadoria de conhecimento. O frio na barriga de inventar algo original, a dificuldade de explicar sobre o que o negócio trata, a expectativa em relação a como será recebido e, apesar da ansiedade, apostar na ideia e fazer.
Foi assim com a Inesplorato em janeiro de 2010 e é assim agora com o Mappa, plataforma que estreia sua landing page nesta terça-feira e chega ao mercado em versão beta para atender a um desejo antigo do trio: tornar a curadoria de conhecimento mais democrática e acessível para as pessoas.
Com a assinatura “Map your knowledge. Find paths to evolve”, o Mappa pretende “dar consciência às pessoas sobre seu próprio repertório”, explica Débora, idealizadora da Inesplorato. A habilidade dos curadores está lá, automatizada, promovendo mais autonomia para quem está consumindo informação. Como objetivo, a plataforma quer tornar mais visível e acessível aquilo que você sabe.
O trabalho do Mappa começa com um acervo de conteúdo qualificado, ou seja, garimpado pelos curadores da Inesplorato. A qualificação do conteúdo passa por entender para o que ele serve, com o que se conecta e quais são os seus efeitos. São os curadores atribuindo informação ao conteúdo.
O usuário passa por uma entrevista, respondendo a um formulário com perguntas sobre quem ele é, o que estudou, pelo que se interessa… e outras mais específicas como “o seu pai fez faculdade?”. Ao entrar na plataforma o usuário tem acesso a um pool de conteúdos organizados de tal forma que façam sentido para ele.
Conforme o usuário vai consumindo o conteúdo, a plataforma fica sabendo mais sobre a pessoa. É como atua um sistema operacional. Para quem assistiu, basta lembrar de Her, filme de Spike Jonze. Quanto mais a sedutora Samantha, na voz de Scarlett Johansson, sabia sobre o seu cliente, mais inteligente ela ficava. (Para quem não viu, vale a pena.)
A partir do conteúdo qualificado por curadores e do conhecimento sobre o usuário, um algoritmo cruza dados e informações e ajuda no diagnóstico sobre como a pessoa deve consumir o acervo da plataforma. Ao longo dos anos, a Inesplorato acumulou pesquisas e estudos sobre temas como cultura brasileiras, jovens e mulheres…
Ao fazer o diagnóstico, o Mappa propõe diferentes objetivos. O usuário escolhe um deles e segue por uma trilha onde encontra conteúdos relacionados aquele objetivo. “Aprenda a lidar com o erro”, por exemplo, pode ser um objetivo. A plataforma funciona como um game. Mas conta com suporte online dos curadores, que orientam a navegação e participam de fóruns.
Como entrega, um mapa – daí o nome, Mappa em italiano – mostra e traduz o DNA de conhecimento do usuário. “Em última instância você vai poder usar o seu mapa em uma entrevista de trabalho, como currículo, ou ainda levá-lo para a sua terapia”, conta Débora. Há ainda um aspecto importante de rede, em que o usuário poderá ver quantas pessoas conectadas à plataforma estão lendo o mesmo livro que ele ou vendo o mesmo filme.
O modelo de negócio ainda está sendo definido, mas o Mappa não terá publicidade, nem colocará à venda os acervos da Inesplorato. Ele prevê um sistema de assinatura. O preço ainda não está fechado, mas será mais barato do que qualquer produto da casa.
De olho no mercado global, o Mappa chega ao mercado em inglês, com a possibilidade de ser visto em português – e não o contrário. Segundo Débora, ela espera ter no futuro curadores de vários outros países trabalhando no projeto, que tragam mais diversidade à experiência de quem consome o conteúdo da plataforma.
Para que a landing page pudesse entrar no ar nesta terça, o projeto vem sendo gerido há dez meses e contou com o envolvimento de toda a equipe da Inesplorato. Mas em janeiro, quatro curadores montaram um núcleo – e desde então estão exclusivamente dedicados ao projeto.
Quando foi formado, o núcleo deveria responder a seguinte pergunta: “Como ensinar a tecnologia a fazer o que sabemos fazer, para que nosso trabalho possa ganhar escala?” Para encontrar a resposta, toda a equipe da Inesplorato fez curso de programação, inclusive os três sócios, e, como processo de trabalho, adotou a própria metodologia, usando os serviços que oferece. Entre eles, workshop de inovação e curadoria de conhecimento.
O primeiro cliente a testar o Mappa será o publicitário Keid Samour. Ele é cliente fiel da Inesplorato e foi o pioneiro a experimentar, em 2010, o novo produto da então recém-lançada empresa, que batalhava para explicar ao mercado o que era o negócio que havia criado.
DESBRAVADORES DE CONHECIMENTO
Antes de inventar a Inesplorato, Débora Emm, a jovem de Ribeirão Preto, formada em ciências sociais pela USP e em publicidade pela ESPM, trabalhava na produtora de insights Voltage. Como pesquisadora, tinha um olhar apurado sobre o comportamento humano, mas também sabia identificar a necessidade das marcas, em uma empresa que tinha grandes clientes como Pão de Açúcar e Unilever. Logo passou de estagiária a responsável por projetos de grande porte.
Em 2009, depois de viajar pela Europa junto com o amigo Roberto Meirelles, pedir demissão da Voltage e ouvir de muita gente que deveria estar louca por abrir mão do cargo e do salário, Débora passou cerca de três meses enfurnada em casa, dando forma às ideias que a inquietavam.
Para Débora, vivemos em uma época em que deixamos de ser capazes de lidar com o conteúdo disponível, pelo enorme volume e fácil acesso. Daí veio a ideia de criar uma empresa com profissionais cujo objetivo é cuidar da incapacidade de lidar com tanta informação.
O principal trabalho da Inesplorato, que significa desconhecido em italiano, é “encurtar o tempo e a distância entre as pessoas e as informações que podem transformá-las”.
Para as empresas, a Inesplorato expandiu consideravelmente os serviços oferecidos. Muitos deles surgiram a partir de demandas dos próprios clientes, entre eles Danone, Pão de Açúcar, Melitta, Globo e Whirpool. O serviço começou com as curadorias temáticas e se transformaram em estudos contínuos. Entre eles, Culturas Brasileiras, Infelicidade Feminina e Joviologia. Com eles, Débora conseguiu inverter a lógica de mercado e acabar com boa parte das angústias que tinha quando trabalhava na Voltage: demanda equivocada, prazo de entrega e não aproveitamento de material já disponível.
Para produzir os estudos que são matéria-prima do negócio, a Inesplorato elege o tema a ser pesquisado, faz um investimento para produzi-lo e só quando ficam prontos os estudos são vendidos para as empresas. Eles não partem de demandas equivocadas. Apesar de terem o mesmo conteúdo como base, são customizados de acordo com a necessidade de cada cliente.
A Inesplorato não vai a campo. Usa todo o material já produzido pela empresa e ainda levanta conteúdo disponível sobre determinado tema. Investe principalmente no tempo de sua equipe e contrata curadores de outros estados. O modelo de negócio é menos arriscado e lucrativo: se a produção de um estudo custa x, ele pode ser vendido várias vezes por 5x.
Já para as pessoas, os produtos são as curadorias direcionadas e as caixas de acervo. Na curadoria direcionada a equipe da Inesplorato prepara uma caixa cheia de conteúdos feita especialmente para o cliente. Com livros, um documentário, um artigo ou até mesmo um cartão de visita. É como se alguém que te conhecesse bem e que soubesse exatamente sobre o seu momento de vida te presenteasse com algo marcante.
Na entrega da caixa, feita de madeira pela mãe artesã de Débora, os curadores comentam sobre os conteúdos e ouvem o cliente. Como resultado a curadoria direcionada pode ampliar o repertório de quem a compra ou desencadear um novo projeto de vida. Cada caixa custa 1.500 reais.
As caixas de acervo são preparadas pelos curadores a partir de temas específicos como Empreendedorismo, Música ou Vinhos. É o material garimpado e selecionado pela equipe da Inesplorato a partir da produção das curadorias direcionadas. Cada caixa de acervo custa 600 reais.
UM TRABALHO ARTESANAL E A DIFÍCIL DECISÃO DE RECUSAR PROJETOS
Não é à toa que os 17 funcionários que compõe o time da Inês, como é chamada a empresa localizada em um simpático sobrado da Vila Mariana, são pagos para ler, ir ao cinema, a exposições, viajar e navegar pela Internet em busca de conteúdos interessantes. É assim que mantêm o repertório sempre cheio de novidades e boas referências. Outra característica da empresa é não ter estrutura hierárquica. Ninguém manda em ninguém, embora todo mundo possa dar pitaco em qualquer projeto.
Gerenciar a empresa como quem realiza um sonho, além de manter o trabalho perto do prazer e da diversão, sempre esteve entre os objetivos dos sócios. Por conta disso, os três tomaram uma decisão importante no final de 2013. Cortar pela metade o número de projetos com os quais trabalham ao longo do ano e limitar o número de caixas entregues.
Os sócios viram que para dar conta de assumir mais trabalhos, precisavam contratar mais gente e acelerar o ritmo de entrega. No entanto, segundo Débora, o curador de conhecimento – profissão registrada na carteira de trabalho dos funcionários da Inesplorato – leva um tempo para estar pronto como profissional. Além disso, o trabalho da Inesplorato é artesanal, como Débora diz:
“Passamos por uma crise séria sobre o queríamos do nosso negócio. Nosso trabalho não é de quantidade e sim de profundidade. Pra gente, não fazia sentido ganhar mais dinheiro daquele jeito”
No início de 2014, a Inesplorato fez um planejamento de metas, cortou os projetos de 48 para 24, avisou os clientes, recusou propostas, diminuiu o volume de trabalho e repensou como precificar. Chega ao final do ano no azul, com um pequeno crescimento em relação ao ano passado e tendo passado por importante período de amadurecimento.
Processo que, a partir da missão sobre como ensinar a tecnologia a fazer o que o curador de conhecimento faz, encontrou no Mappa uma solução para ganhar escala com o serviço que oferece. O Mappa nasce de uma nova unidade de negócio, com investimento externo e sem prejudicar a estrutura original, e artesanal, da Inesplorato. “É assim que o projeto também contribui para o nosso processo contínuo de aprendizado”, diz Débora.
Mariana Castro é jornalista e autora do livro Empreendedorismo Criativo. Trabalhou no Grupo Estado e na Editora Abril, antes de ir para o jornalismo digital. No portal iG, atuou como editora-chefe do Último Segundo e editora-executiva de Política, Internacional, Cidades e Educação. Atualmente é diretora da F451, que publica o Gizmodo Brasil.
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