Em junho do ano passado, a prefeitura de São Paulo inaugurou os primeiros dos 400 quilômetros de ciclovia previstos no Plano de Metas da gestão Fernando Haddad para 2015. A iniciativa, que causou polêmica entre comerciantes e moradores dos bairros beneficiados com as pistas, direcionou ainda mais o facho de luz sobre o movimento cicloativista que, há anos, vem cobrando medidas mais drásticas da prefeitura com relação à mobilidade urbana na cidade.
Aline Cavalcante, sócia e fundadora d’oGangorra, um espaço de trabalho compartilhado que nasceu com a proposta de juntar pessoas que trabalham ou atuam com temas relacionados à mudança de qualidade de vida em São Paulo, faz parte deste movimento. E tem na bicicleta não apenas como um meio de transporte, desde que se mudou para a cidade, em 2008, como também um modo de vida.
Hoje, a sergipana radicada em São Paulo faz do ativismo a sua principal fonte de renda e é uma das militantes pela profissionalização da atividade, que ela define como fundamental para a mudança dos negócios e dos processos no Brasil, como ela diz:
“Sou da leva de pessoas que acha que o ativismo deve ser profissionalizado. Isso é fundamental, tanto para o desenvolvimento de carreiras sólidas com profissionais apaixonados como para a transformação das cidades e da sociedade naquilo que acreditamos e queremos para o futuro”
Vinda de Aracaju com um diploma de jornalismo, para cursar pós-graduação em Multimídia na PUC, Aline logo descobriu que poderia praticar em São Paulo o que fazia tão bem em sua cidade natal: percorrer as ruas e avenidas de bicicleta, reduzindo o tempo de locomoção entre a sua casa e a faculdade. Essa iniciativa contribuiu para que ela conhecesse a cidade que acabara de chegar pela visão do ciclista. Isso, diz, foi muito importante para que enxergasse todas as belezas da pauliceia e percebesse que a terra da garoa pode ser, sim, um ótimo lugar para se morar.
Foi assim que Aline começou a formar a sua rede de amizades e a segmentar a sua área de atuação como jornalista. Os laços de amizade e experiências acumulados nesses anos de pedaladas lhe renderam trabalhos diversos, mas sempre ao redor do tema mobilidade urbana: desde a produção de conteúdo especializado para blogs até a conquista de uma vaga na Secretaria de Estado do Meio Ambiente.
oGangorra nasceu em 2013. Mas foi em 2008, pouco tempo depois de sua chegada a São Paulo, que Aline conheceu seus três sócios – todos em cima de uma bike, claro. A jornalista Evelyn Araripe, a fotógrafa Laura Sobenes e o designer Pedro Ishikawa também são profissionais da comunicação que se dedicam à causa de melhorar a qualidade de vida nas grandes cidades – por meio do engajamento em questões ligadas à mobilidade urbana.
Dessa junção de ideias e ideais e de uma proposta de trabalho em conjunto com o Las Magrelas, um bar e bicicletaria que é como uma alma gêmea d’oGangorra, nasceu o negócio, a princípio focado em projetos de comunicação ligados às bandeiras do grupo. Mais tarde, depois do contato com inúmeros projetos ligados ao tema da bicicleta, oGangorra se tornou também um espaço de coworking para abrigar iniciativas em sinergia com o conceito da casa, aproximando ideias, favorecendo o diálogo e a discussão sobre qualidade de vida e ressignificação das cidades, com o objetivo de fomentar novos negócios criativos nessa área.
“Hoje aqui na casinha trabalham diferentes formatos de iniciativas, entre empresas, ONGs, institutos, projetos, startups, entusiastas, entre outros. Somos cerca de 15 iniciativas: ProntoSP, Peperômia, Bike Anjo, Aromeiazero, Bike Café, Cidades para Pessoas, Bike é Legal, Bar do Celso, Pedalentos, Coletivo CRU, Lilt Cycles, Instituto Reinventar, Vá de Bike e Corrida Amiga”, conta Aline.
O RISCO DE SE AFASTAR DO SEU PROPÓSITO
Os quatro sócios são responsáveis pela administração do espaço e os demais projetos pagam um aluguel para a utilização da casa, de acordo com a capacidade de cada um. Como é de se imaginar, hoje os sócios d’oGangorra também se envolvem com as iniciativas que brotam do caldeirão de ideias da casa. No início, porém, eles ainda atuavam a maior parte do tempo em projetos paralelos de conteúdo que realizavam para empresas. A proposta inicial da criação do espaço, que era a justamente a troca de ideias com as iniciativas presentes na casa e a dedicação à descoberta de novos negócios, estava começando a ficar perigosamente em segundo plano.
Foi quando, em uma conversa com as outras iniciativas da casa, que sinalizavam sentir falta da participação e envolvimento mais intenso d’oGangorra nos projetos que estavam acontecendo ali dentro, e do papel de articulação que sempre exerceram, nasceu a ideia do “Parquinho”. Este é o nome escolhido para o serviço de membership, em que os parceiros podem escolher os planos com os serviços que mais se adequam às suas necessidades.
Com 15 membros desde a sua criação, em fevereiro de 2014, os envolvidos no Parquinho têm como benefícios uma série de serviços e atividades, desde mailing de contatos e newsletter com debates calorosos até informações estratégicas sobre mobilidade urbana e demais projetos que estão acontecendo pelo Brasil (benefícios inclusos no plano básico, chamado de Caixinha de Areia, e que custa 30 reais por mês) até mentoring, serviços de design e assessoria de comunicação (o plano mais completo, chamado de Montanha Russa, que custa 2 500 reais por mês).
O serviço de membership se soma às outras frentes de atuação d’oGangorra e vai construindo a possibilidade de os sócios exercerem o ativismo com geração de renda, como uma carreira, uma nova concepção de negócios. A inauguração do Bicicletário Municipal de Pinheiros, que contou com o festival Bike na Batata, realizado em parceria com o projeto Aromeiazero e o patrocínio do Itaú, por exemplo, demonstra como é possível gerir um negócio a partir da provocação de mudanças positivas na cidade e até mesmo na forma de fazer negócios.
Em 2015 mais um projeto entra para a lista das parcerias bem-sucedidas d’oGangorra e que implicam um importante impacto social. É o Arruaça, que será realizado no Campo Limpo em parceria com a ONG Escola de Notícias, e com apoio do Itaú, e vai dar aulas e promover experiências a céu aberto sobre mobilidade urbana a 30 jovens da região. A ideia é que os participantes tenham uma vivência nas ruas do Campo Limpo (na periferia de São Paulo), com uma metodologia desenvolvida pelos sócios d’oGangorra e, após seis meses de projeto, criem soluções de melhoria que serão avaliadas. As melhores ações receberão um incentivo para a sua realização. Assim, juntando muito trabalho e um olhar fixo no que desejam para a cidade, oGangorra mantém seu equilíbrio.