Eme Viegas, 32, e Jaqueline Barbosa, 25, são muitas coisas juntos. Primeiro, eles são um casal apaixonado que faz todo tipo de plano junto – tanto em nível pessoal quanto profissional. Este grude deu origem ao Casal Sem-Vergonha, site em que falam de sexo para outros casais que possam ter uma vida íntima um pouco mais sem graça que a deles. Além disso, são fonte de informação cool sobre cultura, empreendedorismo, sustentabilidade e turismo, tendo fundado o Hypeness em 2011, época do boom dos blogs de produção de conteúdo. E, para que tudo isso dê certo, eles são adeptos de uma premissa básica: é preciso poder trabalhar de qualquer lugar do mundo. Para provar que esta ideia é possível, criaram o Nômades Digitais.
Eme é uma pessoa divertida. Conta sobre sua vida e a trajetória de criação dos sites, que os fizeram chegar a um faturamento anual de 2,5 milhões de reais em 2014, sem parar de fazer piada. No site e websérie Nômades Digitais, a mais nova ramificação da empresa do casal, eles ensinam aos leitores como usar a tecnologia (principalmente a internet) para viajar e ganhar dinheiro ao mesmo tempo. E publicaram um manifesto, onde uma frase tem destaque: “Se você está na mesma trilha que todo mundo, então está fazendo algo errado”.
Ele é publicitário e sua carreira começou bem cedo – mais precisamente, aos 13 anos de idade. “Eu estava em casa à tarde, tomando um copão de Toddy e assistindo Chaves, e meu pai chegou e me disse: ‘eu não vou ter filho vagabundo! Amanhã vou arrumar um emprego para você’. Naquela época, acho que isso ainda não era crime”, brinca. A folga de Eme acabou cedo, mas ele foi levado a um trabalho que o aproximaria da sua área de atuação: virou office-boy em uma agência de publicidade, a Publicis.
Eme era responsável tanto pelas entregas externas quanto dentro da agência, o que lhe permitiu ter contato próximo com as diversas áreas da publicidade. “Quando me apresentaram o andar da criação e eu vi a galera jogando bola, fazendo brainstorm com o pé em cima da mesa, soube que era com isso que eu queria trabalhar”, diz. Na época da faculdade, matriculou-se no curso de Design da Publicidade na Escola Panamericana de Artes. “Não era uma formação reconhecida pelo MEC e nem dava diploma. Tinha aula duas vezes por semana e, por isso, conseguia trabalhar ao mesmo tempo”, conta. A promessa era uma só: criar desde o primeiro dia e sair de lá com um portfólio montado.
Toda a teoria do ensino tradicional, Eme já tinha adquirido nos livros de marketing, propaganda e empreendedorismo que lia desde muito jovem. Durante dez anos, trabalhou como diretor de criação nas maiores agências de São Paulo – Ogilvy, Click, FSB entre várias outras. Foram idas e vindas na área, entre abertura de algumas empresas que não deram muito certo. Até que, em 2010, ele conheceu Jaqueline pelo Orkut.
“Ela tinha uma trajetória parecida, começou a trabalhar aos 15 anos como garçonete e bem cedo aprendeu, como eu, que a gente precisava ralar muito para obter as coisas que queria”, conta Eme. As conversas começaram a bater e uma enorme sincronicidade os conectou, dando a impressão de que nenhuma outra pessoa no mundo entenderia o outro tão bem. Nesses bates-papos do recém-casal, eles finalmente concluíram que não estavam mais felizes em seus empregos – Jaqueline era professora de inglês e tradutora. E que precisavam largar tudo e criar alguma outra coisa que desse um novo sentido à vida.
NO UNIVERSO DA MÍDIA, POSSIBILIDADES DE NEGÓCIO
“A gente viu que tinha ideias fora do comum que se encontravam, sobre a forma de vida que queríamos levar, ou o trabalho dos nossos sonhos. Tínhamos os mesmos questionamentos”, diz Eme. Como ele já trabalhava com publicidade digital há muitos anos, conhecia bem o mercado de criação para a internet. O grande inspirador para o público que queriam atingir foi o blog Jovem Nerd, especializado em critica humorística em forma de notícias. Os dois se afundaram em pesquisas de referências para faturamento para ver se um negócio como este seria viável. E viram que sim.
O Casal Sem Vergonha nasceu de uma vontade real que Eme e Jaqueline tinham de melhorar a vida das pessoas – neste caso, de seus relacionamentos. Tiveram primeiro a ideia de criar um livro sobre os conceitos modernos de relações, a forma como estão se transformando e as crises contemporâneas, mas viram que um blog daria um retorno muito mais palpável e rápido. Cada capítulo do possível livro virou um vídeo publicado e viralizado no Youtube, e no terceiro episódio, já começaram a criar conteúdo escrito. Tudo baseado na experiência própria do casal e em pesquisas a que tinham acesso mundo afora.
Na mesma época, os dois se deram conta de que também faltava no mercado um site que conseguisse ser fonte e organizar todos os links de referências nacionais e internacionais. Eme fazia essa curadoria pessoal para alimentar suas criações publicitárias havia muito tempo e viu que, se funcionava para ele e sua equipe, poderia servir para muitas outras pessoas:
“Nosso conceito na hora de fundar o Hypeness era montar um site que falasse de inovação e criatividade em várias áreas, como arte, ciência e cotidiano”
Hoje, quatro anos depois da fundação, os dois sites têm, cada um, cerca de 7 milhões de visitantes por mês e aproximadamente 750 mil pessoas nas respectivas fan pages do Facebook. 60% do faturamento total vem com o Hypeness, 30% com o Casal Sem Vergonha e os outros 10% de receita ficam a encargo do Nômades Digitais, que teve patrocínio da aérea KLM e do site de aluguel de imóveis Airbnb durante os três primeiros meses.
Tudo o que eles fizeram de investimento foi o próprio tempo, já que economizaram cerca de 50 mil reais — o suficiente para poderem se demitir dos trabalhos para se dedicarem ao projeto ainda incerto dos sites. No primeiro ano, a renda foi mínima, e os blogs só começaram a dar lucro um ano e meio depois da abertura.
OS DESAFIOS DE UM MODELO EM CRISE
O medo de sair de um emprego seguro para investir em algo totalmente autoral atormentou o primeiro ano da empresa e deixou o casal extremamente cuidadoso com dinheiro. Além disso, a maioria dos amigos e familiares não entendeu o que os dois queriam – sair do trabalho fixo para fundar um blog, sério? Durante um ano, eles pararam de comer em restaurantes e ir para a balada – Jaqueline ficou esse período sem comprar qualquer roupa.
Com o tempo, o aumento no número de leitores trouxe anúncios publicitários e iniciou o fluxo de caixa. Foi quando eles conseguiram aumentar a equipe de produção de conteúdo. Juntos, os três sites contam hoje com 13 funcionários espalhados pelo mundo. Há gente em São Paulo, Curitiba, Florianópolis, São Francisco, Barcelona e Lisboa. Há dois tipos de colaboração: alguns recebem por matéria produzida e outros ganham um salário fixo por mês.
Em um de seus vídeos, Eme diz: “É, voce pensa que ser nômade digital é só delícia, só ficar viajando o mundo, curtindo, ganhando uma grana, vendo sua empresa crescer? Tem dia de muito trabalho”. A conta média dos dois é de 12 a 13 horas por dia sem intervalos, mas nunca em finais de semana. Liberdade, para eles, é uma palavra amiga de produtividade. O ideal é que todos façam o melhor trabalho possível no menor tempo para que todo mundo possa viajar e aproveitar o tempo livre – tanto os dois quanto seus colaboradores.
No modelo de negócios, a receita que vem da publicidade (venda de anúncios nas páginas) está presente em todos os sites, mas não é a única geradora de faturamento. Eme e Jaqueline trabalham com três fontes de receita:
1) Venda de publicidade;
2) Serviço de consultoria digital para marcas e agências de publicidade; e
3) Elaboração e venda de relatórios de inovação e tendências para marcas.
Eme fala a respeito:
“Nosso modelo utiliza a metodologia do polvo. A cabeça é a empresa e cada braço é uma fonte de receita. Se uma empresa tem só uma fonte de capital, ela é frágil perante crises e épocas de vacas magras”
Este ano, o casal vai propor mais uma inovação. Seguindo a tendência mundial de sites como The New York Times e The Telegraph, eles vão começar, pouco a pouco, a cobrar um valor do usuário pelo acesso ao conteúdo. “Fizemos uma pesquisa e vimos que a maioria dos leitores não se importa em pagar por algo que tenha valor e não só preço”, afirma, mesmo que o Hypeness possa ser o único site do estilo a cobrar por notícias no Brasil. Ele dá mais detalhes: “Não é cobrar para ler posts, mas vender produtos editoriais de conteúdo especial para os leitores”.
Mas tudo bem. Arriscar e ser pioneiros, para Eme e Jaqueline, não é problema e nem novidade.
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