Para além da pancadaria e do treinamento duro, vencer no mundo do MMA (Mixed Martial Arts, ou artes marciais mistas) também é empreender. Como uma startup em busca do modelo de negócio perfeito, o lutador precisa monetizar seu trabalho, atrair “aceleradoras” (academias) e “investidores-anjo” (patrocinadores) e até “pivotar” (mudar de categoria) se for preciso.
Quem escreve uma história de sucesso hoje nesse mercado é a Chute Boxe Diego Lima, academia de São Paulo que conta com três atletas no UFC (Ultimate Fighting Championship), a principal organização de MMA do mundo: Thomas Almeida, Lucas “Mineiro” Martins e Felipe “Sertanejo” Arantes. Olhar para o caminho dessa trupe ajuda a entender as engrenagens da roda milionária do MMA e os desafios que se impõem aos atletas fora do octógono.
A parceria entre Diego e Felipe é o marco zero desse percurso. Formado em direito, Diego Lima tocava a vida como dono de pet shop e aluno graduado de muay thai (boxe tailandês). Num dia de 2002, um menino de 14 anos que morava no mesmo bairro da loja passou por lá e comentou que treinava taekwondo. Saiu com um convite de Diego para conhecer o muay thai.
“Felipe veio, treinou e nunca mais parou. Foi meu primeiro aluno, e me despertou para esse lado de professor”, diz Diego. Sob a batuta do novo mestre, Felipe começou a faturar todos os campeonatos amadores. Aos 17 anos, balançou diante do pedido de uma namorada para que deixasse as lutas.
“Cheguei para o Felipe e disse: ‘Além de seu sonho de entrar no UFC, que também é meu, eu quero comprar a academia. Se eu comprar, você entra comigo. Se você entrar, serei seu parceiro’”, conta Diego, relembrando a proposta que selou de vez a sociedade.
Começava ali o caminho das pedras de Felipe no MMA. Bancado por Diego, que àquela altura já gerenciava outros jovens atletas, Sertanejo deu – literalmente – a cara ao tapa. Foram 19 lutas (e 13 vitórias) em diferentes ligas de 2008 a abril de 2011, cinco delas nos EUA. Em agosto de 2011 veio um convite de última hora para uma substituição no UFC, e desde então já são quase cinco anos na Copa do Mundo do MMA, com três vitórias, três derrotas e um empate.
Em 2012, aquele outro sonho se realizou: Diego e Felipe negociaram com o dono da academia que abriga a Chute Boxe e se tornaram sócios do empreendimento. Felipe comprou um apartamento aos 25 anos e hoje, aos 27, tem contrato anual com o UFC – o pagamento é feito por luta, e a bolsa por combate gira em torno de 10 mil dólares – valor que pode dobrar em caso de vitória.
UMA JORNADA SEM NENHUM GLAMOUR
Do outro lado de São Paulo, no bairro do Paraíso, outros lutadores trabalham por um lugar ao sol no UFC. Num arranjo comum nesse meio, o baiano Euclides Viana, 27, fechou parceria com o dono da 011 MMA Team – em troca do trabalho como professor, recebe 20% do lucro da academia e estrutura para treinar.
“A maioria se vira dando aulas por 80 a 100 reais a hora”, diz Euclides, que divide um alojamento com outros cinco atletas no prédio da academia, e só visita a família em Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, aos finais de semana. “Muitos chegam a lutar de graça só para conseguir melhorar o resultado no Sherdog [banco de dados que é referência no MMA] e aumentar as bolsas”, completa.
Eventos nacionais de MMA não costumam pagar muito ao atleta – há até quem ofereça parte do aporte em ingressos para as lutas. No principal circuito brasileiro, o Jungle Fight, considerado o grande trampolim local para o UFC, as bolsas giram em torno de 1.000 a 3.000 reais. É pouco para um lutador de alto nível sem patrocínio nem parcerias – só a conta de academia, material e suplementação alimentar não sai por menos de 3.000 reais por mês.
Peça chave no modelo de negócio do MMA, patrocínio também não é fácil. Empresas tendem a optar por atletas já com visibilidade, e os aportes mensais em dinheiro são coisa rara – a praxe é o apoio em forma de produtos. “É ilusão achar que entrar no UFC significa ficar rico”, diz o peso-pesado Fernando “Santo Forte” Rodrigues, 27, sete vitórias e apenas uma derrota no cartel.
Atleta da Team Nogueira, a rede de franquias dos gêmeos Rodrigo Minotauro e Rogério Minotouro, Fernando tem apoios de uma empresa de fightwear e outra de suplementos, que oferecem produtos. Dispõe da estrutura da Team Nogueira (que também trabalha com parcerias com profissionais como fisioterapeutas e quiropráticos) e recebe 1.500 reais por mês para divulgar uma marca de jóias de aço.
De olho numa vaga no UFC e com um currículo de respeito no octógono, Fernando ainda depende das aulas como personal trainer e do trampo como produtor de festas de música eletrônica para sobreviver. Sabe também que é preciso um bocado de networking (leia-se contatos) para que o atleta chame a atenção de Dana White, o big boss do UFC. “Além do talento, tem que ter um diferencial. Lutadores há muitos, e o público quer ver o cara diferente”, completa Ney Braga, treinador de boxe dos atletas da Team Nogueira.
IMAGEM É TUDO
A preocupação com a construção de um personagem ajudou a pavimentar o rumo de Felipe “Sertanejo” no UFC. De chapéu de vaqueiro e com entradas no ringue ao som de Bruno & Marrone, o paulistano imprimiu de cara sua marca em meio ao oceano de lutadores. É como diz o treinador Diego Lima:
“O UFC hoje é um show e quer um artista”
A monetização da “startup Felipe” vem dos ganhos da academia, de patrocínios (uma empresa de suplementação, uma rede de padarias e outra de laticínios) e das presenças VIP em eventos. Esses podem ser palestras de motivação, inauguração de academias e até participação em baladas (sem álcool na jogada, claro), sempre por R$ 3.000 a aparição.
Com três vitórias e três derrotas no UFC, Sertanejo sabe que a estratégia de sobrevivência neste mercado é só uma: ganhar. “É mais fácil você entrar [no UFC] do que permanecer lá dentro. Se você perder três vezes ainda lutando bem, você sai. É 100% resultado”, diz. A preparação, permanente, inclui três sessões diárias de treinos (de 1h30 cada) e descanso apenas aos domingos.
Para Diego Lima, o break-even ainda não chegou, mesmo após 13 anos de investimentos em atletas. “Se colocar no papel não recuperei metade do que investi”, diz. A equipe da Chute Boxe tem hoje 25 lutadores – quatro no UFC (Charles do Bronx treina com Diego mas é atleta da Macaco Gold Team), seis no XFC e dois no World Series (outras ligas gringas importantes). Além de treinador, Diego também é empresário de 20 dos 25 atletas da equipe. “Estou colhendo, mas investi muito.”
A partir de julho, a economia do UFC passará por uma reviravolta. Com a maior parceria da história da organização, de valores não divulgados, atletas não poderão mais usar logotipos de outros patrocinadores na semana dos eventos nem estender os famosos banners de investidores individuais durante a entrada no octógono. E há quem acredite que a sombra do escândalo de doping do ícone Anderson Silva irá impactar a popularidade do MMA no mundo.
Com o pensamento em formato de octógono, aquele que evita que lutadores fiquem presos num canto sem saída, Diego minimiza possíveis impactos negativos. “Sobre a parceria com a Reebok, não vejo como a união de dois gigantes possa dar errado. E quem acompanha o UFC de verdade é uma massa muito maior do que esse escândalo [do doping de Silva] dá a entender”, afirma. Para um mercado tão competitivo e sujeito a turbulências, nada mais apropriado do que o sentido do mantra “Oss”, a saudação de origem japonesa que é célebre no mundo da luta: pressionar a si mesmo e suportar.