Tudo começou com um berimbau. Um berimbau robótico, para ser exato. Chamado de Berimbô, o instrumento é tocado sem as mãos, automaticamente, através de um arranjo mecatrônico. A engenhoca é a primeira do seu tipo no mundo e de certa forma resume a trajetória do BiLab — Business and Innovation Lab, um projeto criado em 2006 pelo engenheiro, pesquisador e consultor baiano Ivan Monsão. O BiLab é um laboratório que funciona como uma startup de soluções em tecnologia. Inicialmente instalado dentro da Unifacs, na Universidade Salvador, tem como objetivo aproximar os ambientes acadêmico e empresarial, trazendo estudantes e pesquisadores universitários para desenvolverem juntos soluções inovadoras para problemas reais tanto de empresas consolidadas quanto de startups de tecnologia.
O Berimbô surgiu na “primeira encarnação” do laboratório, então chamado LabTag, que Ivan criou em 2004 para ajudar estudantes a transformarem seus trabalhos de conclusão de curso em projetos reais. “Sempre notei que alguns estudantes tinham uma enorme dificuldade em colocar em prática os conhecimentos obtidos na sala de aula. Quis criar uma solução que diminuísse a distância entre teoria e prática. Uma coisa é você ter uma ideia, enquanto sensação, de fazer alguma coisa, mas o problema é implementar isso”, diz ele.
No LabTag, os alunos criavam soluções para empresas que precisavam de alguma inovação em seus processos. “O estudante era orientado não apenas por um professor do curso, mas também por um profissional da empresa que buscava essa parceria. Assim haveria o vínculo acadêmico e também com o mundo profissional”, conta.
Um dos projetos desenvolvidos no LabTag foi o Berimbô, proposto como problema por Ivan para dois estudantes: Érico Santos, de Engenharia Mecânica e o Fúlvio Serpentini, de Engenharia Elétrica. “Os estudantes desenvolveram todas as soluções mecatrônicas, aplicaram o conhecimento teórico na prática, e o mais importante: foram atrás de informações de forma autônoma para fazer funcionar. E conseguiram”, diz Ivan.
O Berimbô acabaria se tornando uma espécie de mascote do BiLab, ou melhor, deste modelo de trabalho que junta educação e atividade profissional num mesmo espaço, voltado à inovação. O instrumento-robô ficou famoso, aparece na mídia e hoje é utilizado por Ivan em eventos de divulgação científica em escolas de todo o Brasil. Também esteve na última edição da Campus Party, em São Paulo, e na edição de Salvador da TEDx. O sucesso do projeto mostrou a Ivan que era possível aproximar os mundos acadêmico e corporativo com vantagens para ambas as partes. Com esta certeza em mente, ele decidiu dar um salto e criar o BiLab.
E, DE REPENTE, A UNIVERSIDADE ESTAVA AJUDANDO STARTUPS
Com o BiLab, Ivan capta projetos reais de empresas e leva para dentro do laboratório, onde os estudantes executam o trabalho junto com ele. “A coisa deu um salto de nível. Agora fazemos trabalhos para serem entregues ao cliente. Os estudantes, ainda nos primeiros semestres de curso, já treinam na prática o que irão fazer depois no mercado”, diz. Estes clientes são tanto empresas estabelecidas quanto startups, que pagam valores de mercado pela consultoria prestada. As soluções e produtos desenvolvidos têm suas patentes registradas em nome dos estudantes, que assim podem, antes mesmo da formatura, ser reconhecidos como inventores.
Ivan conta um dos desafios que o BiLab encarou, vindo de uma empresa que fabrica polímeros de chapa. Eles queriam soldar duas placas grandes de policarbonato e não sabiam como fazer. “Nós, então, buscamos um pesquisador que entende de solda, que foi o consultor neste trabalho, e desenvolvemos equipamento novo, que não existia, para atender ao cliente”, conta Ivan. Outro exemplo é o pedido de uma startup que tem um sistema inovador de diagnóstico para diminuir o tempo gasto em um exame de sangue dos habituais 30 minutos para apenas seis. “Nesse caso, eles têm o conceito do que querem, mas precisam criar o local onde colocar a gota de sangue para examinar. Nós criamos o desenho do cartucho e criamos o sistema óptico que vai ler o cartucho. Isso se torna um processo de inovação”, diz.
É exatamente com as startups de tecnologia, principalmente as de robótica e automação, que o trabalho do BiLab tem o maior potencial de fazer a diferença. Segundo Ivan, a consultoria pode significar o sucesso na implantação de uma ideia inovadora: “Numa startup, a pessoa tem uma ideia, mas geralmente não tem a tecnologia para fazer aquilo virar um produto ou conceito que a leve a outro nível, que dê escala. Quem contrata um serviço como o nosso diminui o risco, pois incorpora uma equipe com a experiência que a startup não tem e faz com que a ideia possa ser provada mais rapidamente”.
Startups e empresas consolidadas, portanto, teriam muito a ganhar ao se associar ao ambiente acadêmico. Mas e as universidades? O que aproveitam desta parceria? Segundo Ivan, muito. Ele afirma que as universidades brasileiras ainda estão muito atrás de outros países em relação à aplicação do conhecimento acadêmico para o desenvolvimento da economia real, principalmente em um aspecto fundamental do desenvolvimento, a inovação:
“O que falta na universidade, por uma questão de tradição e de modelo, no Brasil, é este casamento entre o que se faz lá dentro e o que o mercado quer. É muito difícil encontrar o interlocutor que una os dois mundos, precisa ser alguém da indústria mas que mantenha o convívio com a universidade”
O BiLab surgiu no momento em que começou a se falar em “apagão de mão de obra qualificada” no Brasil, um dos principais motivos citados pelos especialistas para a dificuldade em criar inovação e tecnologia local no nosso país, uma das razões da baixa competitividade da indústria nacional. “Percebemos o sinal do mercado de carência enorme de formação de mão de obra qualificada e queríamos colaborar com essa expertise. Trabalhei em países como Alemanha, Suíça e China no desenvolvimento de produtos reais e, aqui, ainda estamos muito atrasados”, diz ele. “O modelo de educação que temos no Brasil valoriza muito a academia, e decidi não entrar em conflito com isto. Fizemos um laboratório paradidático, que lida apenas com o que pode ir para o mercado ou algo lá de fora que podemos usar nossa expertise para aprimorar.” Ivan acredita que, ao envolver os estudantes com o BiLab, está contribuindo para formar esses interlocutores, gente que fale o idioma acadêmico e o da indústria.
UM ALUNO DE ESCOLA PÚBLICA FASCINADO POR ROBÔS
Apesar de sempre ter estudado em escola pública, Ivan lembra que desde cedo demonstrava a vocação para a área técnica, além do gosto pela aquisição de conhecimento sozinho, autodidata. “Sempre brinquei com eletrônicos e com ciência em geral. Gostava de pesquisar, vivia nas bibliotecas, esse meu interesse por tecnologia e ciência e perfil autodidata acabaram me levando até a universidade”, conta. Ivan cursou Engenharia Eletrônica e, no trabalho de conclusão da graduação, propôs o desenvolvimento de um robô feito de sucata. Após dois anos e meio, o robô estava pronto e ganhou destaque na mídia (mais ou menos o que aconteceria, anos depois, com o Berimbô).
O sucesso com o robô o fez receber uma oferta que, também, mais adiante ajudaria a moldar o conceito do BiLab. “Uma empresa de guindastes nos propôs uma troca. Eles dariam acesso à fábrica deles, nós teríamos a liberdade de usar nosso conhecimento e criar qualquer coisa ali. Se disso saísse algo industrializável, o lucro seria dividido entre as duas partes. Se não saísse, a gente levava de volta para a universidade o que tínhamos desenvolvido. Isso foi pioneiro na época”, conta ele. Mais tarde, Ivan iria para a Alemanha, onde atuou na indústra de automação, em uma empresa de máquinas de venda, e também para a China trabalhar em um projeto de tecnologia espacial. As experiências internacionais reforçaram nele a certeza do quanto é importante aumentar a integração entre os mundos acadêmico e empresarial, como ele diz:
“O que tentei fazer no BiLab foi misturar as pessoas, fazer uma área conversar com a outra, trazer pessoas de outros cursos e fazer visitas para as pessoas conhecerem o trabalho. Falta uma iniciativa por parte da academia para que exista essa interação entre áreas”
De volta ao princípio, o Berimbô teve esse conceito de juntar áreas e conhecimentos que normalmente não se conectam como deveriam. Começou como um projeto educacional para formar dois estudantes, mas envolveu uma mostra do projeto mecânico eletrônico, envolveu software, interface gráfica, além do desafio de pegar uma ideia e transformar em um produto. “Isso tudo é gestão da inovação”, diz o cientista baiano.
Ele faz mais um paralelo curioso: “O berimbau é um instrumento simples e aberto, ou seja, rapidamente é possível entender como ele funciona e como é simples de ser tocado. O interessante num projeto como esse é que a gente acaba aprendendo mais do que esperava. No meu caso, eu não tinha ideia do alcance da capoeira do mundo. Não sabia que é praticada em tantos outros países, nem que podia ser uma maneira de se viajar para o exterior, conhecer outras pessoas, aprender outros idiomas e até de ter uma ascensão social que talvez não viesse por outros meios”. Inovação e aprendizado podem estar em todo lugar, basta manter os olhos atentos e a mente curiosa.
Por meio de “batalhas de conceitos”, a empresa ajuda os clientes a encontrar soluções criativas para problemas e dá prêmios em dinheiro aos estudantes que dão as melhores respostas.