Quando estava prestes a pegar a faixa preta no jiu-jitsu, esporte no qual competia profissionalmente, o paulista Fernando Belatto, hoje com 33 anos, recuou. Parou de competir, parou até mesmo de treinar, e foi dar um giro na vida. Ele não sabia, mas estava se preparando para retornar à arte marcial com fôlego e confiança para inovar e criar dentro dela uma metodologia própria, com preceitos da meditação e do cultivo da paz. O método é chamado O Despertar do Guerreiro Interno, ou O-DGI, e representa mais que uma ressignificação do jiu-jitsu. Para Fernando, foi a descoberta de seu propósito de vida — e a resposta também para sua busca profissional.
Durante os 10 anos que treinou jiu-jitsu (ele era da equipe Ryan Gracie), Fernando ganhou diversos títulos e medalhas. Dava aula particulares mas não via o esporte como um meio de vida. Aos 23, sentiu que aquilo não fazia mais tanto sentido. “Cansei da parte competitiva. Vivi o lado terreno da arte marcial, realizei muita coisa e foi bom porque tenho integridade para falar”, diz.
Pouco tempo depois, já trabalhando com publicidade e música (ele tocava violão e cantava em uma banda de surf music), conheceria Sri Prem Baba, um guru brasileiro de linhagem indiana que, desde então, é seu mestre espiritual e sensei. Foi através de conversas com Prem Baba e da meditação, prática que tentava imitar desde criança assistindo aos filmes de Bruce Lee e Van Damme, que sentiu um chamado para voltar à arte marcial. “Mas eu não queria. Eu brigava dentro de mim querendo fugir disso”, lembra.
Em 2008, Fernando disse a si mesmo que voltaria ao jiu-jitsu apenas para pegar a faixa preta e fechar um ciclo, o que aconteceu em 2009. Em seguida ele foi viajar para a Índia pela segunda vez e, na volta, entrou em crise. “Tudo desmoronou na minha vida. A agência de publicidade da qual era sócio se desfez, roubaram meu carro e terminei um relacionamento”, conta.
Mais uma vez, era hora de parar. Fernando alugou o apartamento em que morava, no Itaim, e se mudou para Jarinu, no interior de São Paulo, onde a família tem um sítio. Acreditava que a renda do aluguel lhe possibilitaria começar uma plantação de orgânicos mas logo viu que era insuficiente. Isso durou três meses. Ele descreve a sensação de vazio interno que enfrentou:
“Eu me perguntava ‘e agora, o que vou fazer?’. Não havia chance nenhuma de voltar para o mundo tradicional, trabalhar em uma empresa. Alguns dias depois, numa meditação, intuí tudo. Em milésimos de segundo, parece que uma tampa saiu de mim e percebi o que precisava fazer”
O “tudo” a que se refere Fernando incluía voltar a São Paulo (e morar na casa dos pais) e começar a desenvolver um método que unisse os movimentos da yoga (ele já tinha sido praticante da modalidade vinyasa) com as artes marciais, em um trabalho de resgate do caminho marcial. O nome O Despertar do Guerreiro Interno também surgiu aí. “Isso me veio com uma clareza que eu nunca tinha sentido antes. Veio como uma instrução mesmo e tudo fez sentido”, conta.
O método se subdivide em duas partes: O-DGI Open e O-DGI Way. Na primeira, posturas marciais e de yoga mesclam-se em movimentos fluidos e embalados por música. É uma prática aberta (daí o nome), que não tem sequência fixa ou atrelada à aula anterior. O objetivo é trabalhar a presença, o fluxo da energia vital e estabelecer uma conexão com as emoções.
Já o O-DGI Way é, tecnicamente falando, uma aula de jiu-jitsu. É necessário vestir quimono e se dedicar para trocar de faixa (o que ajuda a trabalhar a disciplina e o comprometimento) mas, ainda assim, os alunos meditam antes e depois da aula, fazem exercícios experimentais de energia (como treinar de olhos vendados) e são convidados ao olhar interno. Fernando fala sobre o diferencial de sua proposta:
“Aqui estamos quebrando a violência do jiu-jitsu. Os treinos são bastante fortes, tem muita suadeira, mas o clima é de paz e isso é transformador”
O Way (caminho) do nome tem a ver com a tradução literal de Budo, significado de arte marcial em japonês moderno. Etimologicamente, “bu” é guerra ou marcial (Marte é o planeta guerreiro) e “do”, caminho. A explicação tem a ver com o que Fernando busca. “O-DGI é um caminho marcial, um caminho de vida e não só uma prática física”, diz ele. O ideal, de acordo com o professor, é que as pessoas façam tanto aulas de Open como de Way, já que são complementares: “São como yin e yang”.
COMO NASCE UMA METODOLOGIA
Não estamos falando de uma startup, mas não deixa de ser inspirador o caminho que Fernando percorreu antes de consolidar a sua metodologia — que é, afinal, o seu produto. De São Paulo, ele partiu para o Rio, onde fez um curso com Orlando Cani, professor de yoga criador da Bioginástica (modalidade que alia práticas orientais a movimentos dos animais). Fez isso por imaginar que a técnica poderia agregar ao O-DGI. “Conversamos e falei sobre o que estava querendo fazer. Ele contou que quando começou a desenvolver a Bioginástica se trancava no quarto, punha dois incensos e ficava na postura do macaco. Se coçava, vivia os movimentos do macaco sem mentalizar. Ele sugeriu que eu fizesse o mesmo e me deixasse ser tomado pelo sentimento”, conta Fernando.
E ele fez. Se fechou no quarto, colocou uma música e começou a se movimentar. Surgiram daí as primeiras posturas do O-DGI. “Eram posturas que eu nunca tinha visto em lugar nenhum, como a da espada, por exemplo”, diz. Nesta fase, ele resolveu dar aulas experimentais para os amigos, sem cobrar. Montava tatames de EVA (ainda estava na casa dos pais), preparava uma trilha sonora e guiava os alunos ao longo dos movimentos. Os feedbacks, ele lembra, eram marcantes:
“Muitas pessoas começavam a chorar porque as posturas eram fortes emocionalmente. Elas me falavam a diferença que ia fazendo na vida delas, a energia que surgia, a disposição que vinha”
Foi assim por cerca de três meses, até que uma aluna disse que as aulas estavam lhe fazendo tão bem que ela queria começar a pagar. O modelo de negócios começava a mudar e ele passou a ministrar as aulas em uma academia, pagando uma porcentagem pelo uso da sala. Também voltou a dar aulas de jiu-jitsu, já com uma pegada mais calma e aliada à meditação mas ainda não totalmente integrada ao conceito do Guerreiro Interno.
Começou a perceber que mesmo que fizesse anotações e montasse as práticas de O-DGI, as aulas fluiam por si próprias, quase à sua revelia. “Fui aprendendo a lidar com a coisa. Hoje, não planejo mais aula. A trilha é a única coisa planejada e tenho hoje umas 30 trilhas montadas que uso de acordo com a energia que quero”, conta.
Em um primeiro momento, Fernando misturou jiu jitsu às aulas tradicionais de O-DGI. Ele ainda não tinha percebido ter em mãos dois produtos, ainda que complementares. Alguns alunos gostaram da aula mista, outros nem tanto. “Foi só aí que notei que poderiam ser duas práticas. Comecei a entender que o O-DGI estava se tornando algo muito maior do que estava sendo feito até então”, conta ele. Era hora de separar seu método nas modalidades Open e Way.
O O-DGI Way nasceu também da percepção de Fernando em relação a alguns alunos que, depois de alguns meses de encantamento com o método mais espontâneo e fluido, iam embora. “Acho que isso tem a ver com a constante evolução do método. Entendi que faltava a arte marcial no sentido do desenvolvimento, da graduação, porque isso traz estímulo”, diz ele.
A consolidação dos dois produtos e a mudança para uma sede própria (uma casa térrea na Vila Mariana, em São Paulo) em janeiro deste ano, são dois movimentos marcantes na construção da proposta inovadora de Fernando para as artes marciais. E se somam ao fato dele também ter começado a seguir uma dica de Prem Baba: ele deveria treinar outros faixas preta para, assim, disseminar o caminho marcial de paz. “Isso já está acontecendo. Tenho um faixa preta de kung-fu que vem treinar comigo porque o objetivo dele é alinhar o kung-fu com o O-DGI. Treino ele no Open porque o Way ele já tem. Quem sou eu pra falar do kung-fu dele?” diz Fernando, rindo.
Atualmente a sua academia tem cerca de 30 alunos nas aulas coletivas (a mensalidade custa 200 reais, para aulas duas vezes por semana) e seis alunos particulares. Fernando também dá workshops, palestras, cursos e prepara aulas específicas para empresas.
Ele não acreditava que um dia poderia viver em paz consigo mesmo e com a arte marcial. É porque ainda não conhecia o caminho.
Como erguer um “espaço transcultural” numa das menores capitais do país? E sem nenhum aporte público? Josué Mattos insistiu nesse sonho e hoje dirige o Centro Cultural Veras, em Florianópolis, criado e mantido por uma associação de artistas.
Com uma longa carreira na indústria do cinema (ele é fundador da Downtown Filmes), Bruno Wainer fala sobre saúde mental e os bastidores da criação de Aquarius, sua plataforma de streaming que acaba de chegar ao catálogo da Amazon Prime Video.
Carol Romano, cofundadora da The Mind Factor, conta como a consultoria está ajudando empresas como o Grupo Boticário e Novartis a entenderem o bem-estar dos colaboradores como um pilar estratégico para os negócios.