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De mulheres para mulheres: como a Rede Asta une business a ação social

Carolina Bergier - 21 abr 2015 Rachel, Alice e Rosane, da Rede Asta, em frente à loja física da marca.
Rachel, Alice e Rosane, da Rede Asta, em frente à loja da marca em Ipanema, no Rio.
Carolina Bergier - 21 abr 2015
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“Uma das coisas mais poderosas que um ser humano pode fazer é unir ferramentas de negócio com transformação social. Faço isso todos os dias da minha vida.” Assim se define Alice Freitas, 36, co-fundadora da Rede Asta, um negócio social que comercializa acessórios, itens de moda e decoração em um modelo de comércio justo.

Alice não tinha os negócios sociais no radar antes dos 22 anos, quando vivia uma promissora carreira em uma multinacional, até que a amiga e cineasta Renata Brandão voltou de viagem e contaminou-a com a vontade de experimentar novas possibilidades. “As ONGs estavam em alta naquele momento e resolvemos largar tudo para passar quatro meses na Ásia, investigando o que de social existia por lá”, conta Alice.

Depois de dezenas de ligações caras-de-pau, contactando desconhecidos como Amyr Klink e o Ministério de Relações Exteriores, a viagem das duas se transformou no projeto Realice, uma jornada por pequenas iniciativas sociais na Índia, Bangladesh, Tailândia e Vietnã, documentada em um portal online com o objetivo de fomentar transformações sociais no Brasil.

Para se bancarem nesses meses já sem emprego, Renata e Alice venderam todas as roupas de executivas, levantaram 6 000 reais e conseguiram fechar mais de 15 parcerias com grandes instituições. Na viagem, moraram nas casas das famílias dos projetos sociais visitados. Voltaram profundamente transformadas. A partir dali, nada seria como antes.

No Brasil, o próximo emprego de Alice foi na ONG AfroReggae, mas a veia empreendedora já não sussurrava mais, gritava. Ela sentia que era hora de trabalhar com geração de renda, unindo o 2° ao 3° setor. O reencontro com Rachel Schettino, uma amiga de infância recém chegada de uma temporada na Suíça, seria o empurrão final. “Rachel? Desempregada? Eu precisava dela comigo para colocar esse negócio em pé!”, conta Alice.

ELAS NÃO SABIAM PARA ONDE IR, MAS SABIAM POR ONDE COMEÇAR

Ainda sem um modelo de negócios definido, elas começaram a capacitar um grupo de 30 mulheres de Campo Grande, na zona oeste do Rio de Janeiro, dentro de uma cooperativa de catadores. A atividade não gerava lucro algum. Para se manter, Rachel vendeu o carro, enquanto Alice fez de panfletagem política e depilação nas amigas e trabalhos como recepcionista em eventos. Além de não receberem por ajudar as artesãs a gerarem renda para si mesmas, elas gastavam dinheiro financiando a compra de produtos, a existência de um estoque mínimo e os custos da casa onde acontecia a produção. A conta não fechava. “Foi garra pura, por dois anos”, diz Alice. Ela fala sobre sua resiliência e paciência:

“Como eu aguento? Tenho altíssima resistência a algumas notícias ruins e sou profundamente alimentada por uma única notícia boa”

Neste início, Alice e Rachel apoiavam oito grupos produtivos que trabalhavam exclusivamente com produtos feitos de jornal. O Brasil tem hoje 25 mil grupos produtivos que fazem algum produto com a mãos e mais de 2 milhões de pessoas sobrevivendo de artesanato. Para as mulheres, o benefício de trabalhar de casa e perto dos filhos faz com que esta possibilidade seja ainda mais atrativa. Uma das dificuldades evidentes dessa cadeia, porém, é a dificuldade dos artesãos em comercializar seus produtos, pois o entorno não os valoriza. Ao decidir atacar este problema, as coisas começariam a mudar para Alice e Rachel.

Alice Freitas e o empoderamento de mulheres, como Anna Lucia,

Alice Freitas levou a artesã Anna Lucia para falar de empoderamento de mulheres no TEDxJardim Botânico, em 2010 (foto Juliana Varajão).

As duas peitaram o risco de abrir um quiosque em um shopping na zona sul do Rio de Janeiro para vender os produtos da rede de artesãs que estavam capacitando. Deu certo, ainda que não totalmente. Mas era uma notícia boa. O quiosque gerou muita renda para as artesãs, mas apenas 400 reais para cada uma das sócias ao fim de um ano inteiro de trabalho. “Sabia que o que eu estava fazendo não era nada inovador, mas ainda não tinha surgido a minha grande ideia”, conta Alice. Até o dia em que veio o estalo.

Num momento em que não tinham sequer 70 reais para pagar a conta de luz, Alice e Rachel se viram encomendando produtos da Natura pelo catálogo oferecido pela manicure delas. “Pensei: alguma coisa está muito errada, mas também muito certa”, lembra Alice. E naquele momento apareceu a grande ideia: por que não vender os produtos da rede usando o mesmo sistema da Natura? Mônica, a manicure, saiu dali com uma bolsa cheia de itens da cooperativa para retornar, uma semana depois, com a bolsa vazia. Bingo! Era isso.

Com o projeto agora mais palpável e interessante, começou a captação de recursos. O primeiro investimento, de 187 000 reais, veio da Fundação Avina. Nascia assim, oficialmente, a Rede Asta, a primeira focada em venda direta de produtos sustentáveis e que atua no empoderamento de mulheres artesãs e de seus pequenos negócios (por meio de treinamentos, formação de redes de produção e criação de canais de venda) no Brasil.

NÃO BASTA SER SOCIAL. TEM QUE SER BONITO

Um dos diferenciais da Rede Asta é o cuidado estético com os produtos. Não basta ser socialmente responsável e comercialmente justo: tem que ser bonito. Ou “bom, bonito e do bem”, como prega o lema da rede. Para tanto, depois de fazer a seleção de grupos produtivos, a Asta também dá apoio de designers da equipe de desenvolvimento antes que eles criem as coleções (de bolsas, almofadas, acessórios para a casa, papelaria etc).

Almofadas produzidas pela Rede Asta.

Almofadas produzidas pela Rede Asta. O lema é os produtos serem bons, bonitos e do bem.

Para fazer parte da rede, os artesãos precisam se encaixar em alguns critérios: ter produtos de qualidade e com potencial de mercado; capacidade de produção (mínimo de 200 peças mês); ser um grupo formado por ao menos 60% de mulheres; estar localizado em uma região de baixo poder aquisitivo; ter uma produção que não agrida o meio ambiente.

Era hora de testar o modelo de negócios da venda por catálogo. No modelo inicial, as conselheiras levavam o catálogo para oferecer os produtos em suas redes de relacionamentos. Mas o resultado da primeira tentativa foi um fiasco. O catálogo era mal diagramado, com imagens mal cortadas e preços desconexos. Outro problema aconteceu com as vendedoras. Rachel e Alice acharam que contratar ex-representantes de outras marcas de venda direta seria uma tacada de mestre, já que teriam milhares de clientes logo no início do negócio. Porém, não foi o que aconteceu, pois essas conselheiras não vestiam a camisa da Rede Asta. O catálogo precisava melhorar, urgente. O perfil das conselheiras Asta precisava ser diferente. Diferente como? Elas ainda não sabiam.

Foi aí que mais um encontro entre mulheres aconteceu. Rosane Rosa, com vasta experiência de varejo, chegou à Asta para estruturar o negócio, melhorar a visão e a estratégia de vendas. Após refazer todo o catálogo, era necessário melhorar também o conceito da rede de conselheiras. A partir da ideia de que uma rede verdadeira cresceria de dentro para fora, as conselheiras passaram a ser as sócias, suas amigas e parentes mais próximas. Com esta nova estratégia, elas fecharam o ano de 2008 com sete conselheiras e um faturamento de 8 000 reais. Era o início de uma história de inovação.

SE VOCÊ ESTIVER PRONTO, AOS POUCOS O CAMINHO APARECE

A Rede Asta, depois de tentativas e erros, tem agora como modelo de negócio um mix de canais de venda: a venda direta ainda existe (mas está sendo repensada), há a loja virtual, duas lojas físicas no Rio de Janeiro, um showroom em São Paulo e uma frente de produtos para clientes corporativos (que ganhou mais força com a lei de resíduos sólidos, já que as artesãs utilizam o “lixo” gerado pela própria empresa para criar os produtos). Este tipo de venda, no atacado, já corresponde a 56% do faturamento bruto, que em 2014 foi de 1,13 milhão de reais. No site da Rede Asta é possível ter acesso a todos os números de faturamento e precificação, um exercício de transparência, além do comércio justo.

Mas o que realmente define a Rede Asta é o encontro de mulheres que querem potencializar a independência financeira de outras mulheres, que já são 91% dos artesãos da rede. Em 2010, Alice participou do TEDxJardim Botânico, em dupla com a artesã Anna Lucia (do grupo Fuxicarte), para contar como isso acontece na prática. Segundo a ONU, a mulher é uma multiplicadora biológica, pois 90% da renda que gera vai para a sua família e, se há sobra, quem ganha é a comunidade. Entre os homens essa porcentagem é de 30 a 40%. Alice fala sobre o que é empoderar essas mulheres:

“Com a Rede Asta, não damos dinheiro para a mulher. Damos a certeza de que ela pode ser independente”

A Rede tem 20 funcionários de carteira assinada e mais de 800 artesãs em 64 grupos produtivos produzindo itens sustentáveis a partir de materiais reaproveitados (2,3 toneladas em 2013 e 797 quilos em 2014). São mulheres que estão transformando suas realidades e a de suas comunidades, apoiadas pela Asta com treinamentos, suporte logístico e fomento à venda de suas produções.

Artesãs da Rede Asta: uma rede de mulheres que tem mais de 64 grupos produtores.

Artesãs do grupo produtivo Pontos e Pespontos, um dos 64 reunidos pela Rede Asta.

O próximo passo, seguindo o caminho que agora é claro para as sócias, é apoiar mais a estruturação do negócio das cadeias produtivas. Isso porque a logística da Asta ainda sofre com a falta de organização de alguns grupos. Às vezes, um caminhão anda centenas de quilômetros para buscar um lote que não ficou pronto no prazo, o que impacta negativamente toda a rede. A ideia, agora, é montar uma escola de produtoras, com um modelo de capacitação e treinamento que as tornará ainda mais preparadas para o mercado.

Levar em conta toda a cadeia produtiva foi essencial na reinvenção e melhoria da empresa, que em março deste ano passou a ser uma Empresa do Sistema B, certificada por ter práticas de responsabilidade social empresarial genuínas, além de um propósito social e ambiental. Este é apenas um dos prêmios que a Rede Asta já ganhou. O caminho está aberto.

Hoje com 36 anos, Alice começa a sentir o peso de mais de uma década empreendendo. “Me tornei mãe e aprendi que tenho limite, isso me preocupa. Até porque a Rede Asta não é só uma empresa, ela se tornou a bandeira de que dá pra viver de negócios sociais no Brasil”, afirma.

Apesar do cenário de incerteza na economia, a Rede continua crescendo. Hoje, impacta cerca de 3 mil pessoas. Um dos motivos de estar firme, segundo Alice, é que “em momentos de crise, as pessoas tendem a pensar mais antes de comprar e isso pode levá-las a fazer escolhas mais conscientes.” O outro é que as três sócias têm não só a vontade de fazer com que mulheres de baixa renda tenham lugar no mercado, mas o entendimento de que, se não tiverem um negócio muito sólido, o sonho não é viável.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Rede Asta
  • O que faz: Vende produtos de design feitos por grupos de baixa renda
  • Sócio(s): Alice Freitas, Rachel Schettino, Rosane Rosa e Miriam Lima
  • Funcionários: 21 (incluindo as sócias) e cerca de 800 artesãs
  • Sede: Rio de Janeiro
  • Início das atividades: 2005
  • Investimento inicial: R$ 20.000
  • Faturamento: R$ 1.136.000 em 2014
  • Contato: (21) 3217-9967 e [email protected]
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