Gisela Blanco, que assina este texto, é jornalista mestre em Business Innovation pela University of London.
Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete de hoje é…
DESTRUIÇÃO CRIATIVA
O que acham que é: Algo que é radicalmente criativo.
O que realmente é: O termo não se refere especificamente a criatividade, mas a uma das teorias mais importantes sobre o capitalismo — a dos ciclos econômicos. A também chamada “destruição criadora” explica o efeito que as inovações produzem no mercado. Quando uma tecnologia nova chega para substituir a que antes era dominante, começa todo um novo ciclo — que vai se renovar mais uma vez no futuro, quando esta tecnologia ficar obsoleta e seu monopólio for quebrado. São esses ciclos que empurram a economia para a frente, fazendo o mercado se renovar e ganhar fôlego. “As inovações são a força motriz do crescimento econômico, e a destruição criativa é essencial para o capitalismo. Ao mesmo tempo que se cria um negócio, se destrói outros”, afirma o professor Luis Carlos Di Serio, coordenador adjunto do Fórum de Inovação da FGV. Nesses ciclos, muita coisa muda: fábricas fecham e outras são abertas, gente é demitida e outras contratadas, mudam os modelos de negócios, as formas de ganhar dinheiro, os hábitos dos consumidores. Quando os discos de vinil foram substituídos pelos CDs, por exemplo, começou uma nova Era para a indústria da música. Os vinis sumiram das lojas e as pessoas aos poucos trocaram as vitrolas por CD players. Mas só até vir o próximo ciclo de destruição criativa, quando os CDs começaram a ser substituídos pelo mp3 e pelo streaming.
Quem inventou: O economista austríaco Joseph Schumpeter, Professor de Harvard considerado o mais importante teórico sobre capitalismo. Para ele, a destruição criativa era a essência do sistema econômico, ou como ele escreveu, “fato essencial do capitalismo”. Um caos perene, uma capacidade infinita se de destruir e se reinventar, sem a qual não há progresso.
Quando foi inventado: Schumpeter explica o conceito pela primeira vez no livro Capitalismo, Socialismo e Democracia, publicado em 1942. “Ao longo dos anos, autores como Marx ou Keynes acabaram tendo muito mais visibilidade do que Schumpeter. Mas a melhor explicação sobre como funciona o motor do capitalismo foi oferecida por ele”, afirma Marcos Troyjo, economista e cientista político que é professor da Universidade de Columbia. “O mais extraordinário é que o capítulo sobre destruição criativa tem apenas quatro páginas”, diz. Mas causou um baita impacto nas teorias sociais, ajudando a entender o sistema econômico de uma forma como ninguém antes havia conseguido.
Para que serve: Para explicar por quê as inovações são tão importantes para a economia. Não é só uma questão de moda, capricho ou expressão de criatividade. As inovações radicais e as incrementais são mesmo necessárias para que a economia continue funcionando. “Não é possível levar adiante choques de produtividade ao longo do tempo sem ciclos de inovação. Estes, no limite, são os propulsores do crescimento econômico”, afirma Troyjo. Assim, tanto novas empresas quanto as já estabelecidas precisam ficar atentas para não perderem o passo e serem engolidas pelos novos ciclos.
Quem usa: Praticamente todas as tecnologias que usamos atualmente — dos carros que dirigimos aos aplicativos dos nossos smartphones — só existem porque “destruíram” a que existia antes. A popularização dos carros desempregou milhares de chocheiros e ferreiros. Os aplicativos que aparecem a cada dia ameaçam tomar o lugar de outros serviços ou profissões, como das cooperativas de taxi ou personal trainers. Os inovadores que sonham entrar no mercado e causar esse tipo de disrupção, podem usar a teoria para entender a hora certa de se movimentar. Para quem já domina o mercado, a ideia é aprender a inovar sempre, para não deixar a bola cair. “As empresas precisam ficar atentas para perceber quando entrarem numa curva de declínio. A Nokia, por exemplo, já foi muito importante mas falhou em manter suas inovações. Já a Apple, continuou inovando e por isso ainda está em curva ascendente”, afirma o professor Luis Carlos Di Serio. Um ótimo exemplo de adaptação é o da marca Montblanc, que soube usar a destruição criativa a seu favor. Como conta o professor Marcos Troyjo: “Nos anos 1990, o conselho se reuniu para discutir o futuro da empresa. Eles fabricavam canetas e as pessoas estavam usando cada vez mais computadores para escrever. Um executivo sugeriu fazer uma ‘autodestruição criativa’ da marca. Aproveitaram a receita das canetas para levar o estilo da marca a outros produtos: relógios, assessórios finos, cosméticos e perfumes masculinos”. Já dá para imaginar o resultado. “Eles cresceram, enquanto outras marcas de canetas ficaram atreladas a noções arcaicas de ‘core business’, como é o caso da Parker, Cross ou Sheaffer, que não se reinventaram e viram suas fatias de mercado cada vez mais delgadas”. Ser líder em um certo segmento não deve significar que “em time que está ganhando não se mexe”, afirma Troyjo.
Efeitos colaterais: As consequências da destruição podem ser severas: demissões, quebra de empresas, falências. Os adeptos de tecnologias antigas também podem se sentir prejudicados (já não há lugar no mundo para os entusiastas dos disquetes, por exemplo). “Ciclos de inovação produzem vencedores e perdedores. A única certeza que temos na vida econômica é a de que a prosperidade chega por meio de destruição criativa ou, como eu gosto de chamar, em um caminho alternativo, de ‘adaptação criativa'”, diz Troyjo. Assim, para não sofrer demais com os efeitos colaterais, empresas e trabalhadores precisam se adaptar. Abraçar um nicho e ter paciência também pode ser uma solução. Um caso interessante é o dos discos de vinil. Depois de terem sua morte decretada, serem substituídos pelos CDs e depois pelos formatos digitais, as poucas fábricas que sobreviveram agora experimentam um renascimento deste mercado, baseado não mais na simples entrega da música, mas no valor da experiência de se tocar um vinil (a Polysom, no Rio de Janeiro, é emblemática deste ciclo de renovação após a destruição). Segundo a Associação da Indústria de Discos dos Estados Unidos (RIAA), a venda de álbuns encolheu 12% de 2013 para 2014. No mesmo período, as vendas de discos de vinil cresceu 50%.
Quem é contra: Principalmente críticos do sistema capitalista, além de empreendedores e profissionais que não conseguem se adaptar às mudanças dos ciclos econômicos. Um crítico ilustre às teorias de Schumpeter é o economista americano Herbert Gintis, que argumenta que o professor austríaco falhou em entender a liderança social e a influência do ambiente externo nas atitudes dos líderes. Diz também que o livro Capitalismo, Socialismo e Democracia trás uma visão muito limitada do capitalismo, por ter sido escrito em uma época em que o socialismo era muito jovem e ganhava espaço no mundo. Enquanto isso, o capitalismo, na visão do próprio teórico, parecia fadado ao fracasso.
Para saber mais:
1) Assista esse vídeo do professor Marcos Troyo, da Universidade Comlumbia, explicando o que é Destruição Criativa.
2) Veja também essa aula da MRUniversity sobre preço, eficiência de mercado e destruição criativa.
3) Leia esse artigo da revista The Economist sobre a destruição criativa na educação.
4) Conheça essa lista do Tecmundo com as histórias de 10 empresas que já estiveram no topo e não resistiram à destruição criativa (Atari, AOL e Kodak são algumas delas).