O cozinheiro e apresentador de TV inglês Jamie Oliver inventou que 15 de maio — esta sexta-feira! — é dia de falar sobre alimentação infantil. Conhecido como Food Revolution Day (o Dia da Revolução da Comida, em uma tradução que empobrece a proposta), o projeto nasceu de uma série de TV em 2010 e agora pretende derrubar a taxa de obesidade infantil no mundo — segundo a equipe de Jamie, são mais de 42 milhões de crianças de até 5 anos obesas ou com sobrepeso.
Uma das embaixadoras do Food Revolution Day no Brasil é Mayra Abbondanza Abucham, agitada empreendedora que é autoridade em alimentação infantil e fez desta causa o seu negócio. Inspirada pelo trabalho como consultora de famílias com filhos, Mayra começou a criar campanhas e ferramentas que pudessem ajudar ainda mais gente: livros, jogos, aplicativos, conteúdo, eventos, cursos. Em pouco tempo, chamou a atenção da mídia, dos especialistas em saúde pública e de marcas estabelecidas como Amil, Nestlé, Eletrolux e Philips Walita, entre outras.
A consultora acaba de voltar de uma temporada na Inglaterra, onde foi encontrar-se com a equipe de Jamie Oliver e participar de um curso na Schumacher College, o templo da educação sobre sustentabilidade. Na escola, passou por uma imersão na culinária vegetariana e em seu impacto sobre o planeta. Voltou ao Brasil com a ideia de criar um projeto sobre vegetarianismo para o universo infantil e lança agora, no dia 15 de maio, o Segundinha Sem Carne, com apoio da Sociedade Vegetariana Brasileira e da Amil.
O movimento é filhote do Segunda Sem Carne, ou Meat Free Monday, que tem apoio de políticos e celebridades, gente como Paul McCartney. O projeto de Mayra, porém, é o primeiro dedicado à conscientização de crianças. “Não sou radical, eu gosto de carne”, conta. “Por isso acho o convite do Segunda Sem Carne mais acessível e simpático. Quero falar com este grande grupo de pessoas que tomou consciência da relevância do vegetarianismo mas não sabe por onde começar.”
O Segundinha Sem Carne terá um lançamento na sede da consultoria, em São Paulo, em um evento com pais e mães, cozinheiras, nutricionistas e crianças convidadas. E segue como campanha de awarness, para chamar a atenção de um público maior, na sua página de Facebook.
ELA PODIA SEGUIR O BUSINESS DA FAMÍLIA, MAS PREFERIU INOVAR
Mayra Abbondanza Abucham é filha dos fundadores da Vivenda do Camarão e se formou em engenharia de alimentos pela Escola de Engenharia Mauá nos anos 1990. Foi estagiária na Kibon, a única grande empresa na qual trabalhou. Com o ex-marido, morou em Nova York onde se formou chef de cozinha pela Culinary Academy of Long Island. Sem permissão para trabalhar nos EUA, era assistente em um ateliê de design de bolos. Foi um talento doméstico que moldou os rumos da sua vida profissional: “Meus amigos notavam o modo como eu organizava cardápios na minha casa e sempre diziam que eu tinha que ajudá-los.” Em 2008, já de volta ao Brasil, fundou a Dedo de Moça, misto de cozinha-escola e consultoria para ajudar famílias que queriam comer bem em casa. Mas ela tinha uma visão diferente de sua sócia sobre o futuro da empresa. Ela conta:
“Sempre quis criar projetos de impacto, mudar a realidade das pessoas”
Em 2013, fundou a Dedinho de Moça, que hoje se chama Mayra Abucham Consultoria de Alimentação Infantil. Os anos de consultoria colocaram Mayra em contato direto com mais de 500 famílias. “Percebi como a chegada dos filhos é um momento muito bom para propor mudanças de hábitos”, conta Mayra, “e que as famílias precisam de muita informação neste período”.
Seu primeiro empreendimento para além da consultoria foi transformar suas dicas em um livro saboroso, O que fazer para o seu filho comer bem (Editora DBA), que está esgotado. Como a oferta de livros sobre o assunto é cheia de traduções que não falam de ingredientes ou hábitos brasileiros, seu livro está na fila da primeira reimpressão.
No mesmo ano, a consultora foi convidada para apresentar uma série de 3 meses dentro do programa Bem Estar, na TV Globo, chamada Meu filho não come, onde mostrou a essência de sua proposta. “O que faz uma criança comer melhor é colocá-la para dentro do processo”, ensina Mayra, que propõe trazer as crianças para a cozinha não esporadicamente — não para fazer bolo, mas para decidir sobre o cardápio, para escolher as frutas do lanche, para fazer o molho da salada. “O foco do meu trabalho é criar ferramentas para esta interação”, conta.
Assim nasceram projetos como as Oficinas de Degustação Maluca (eventos presenciais onde as crianças ajudam a preparar, por exemplo, arroz de várias cores, com legumes diferentes), a Banca de Frutas (um carrinho itinerante inspirado nas feiras-livre que leva sucos e frutas apresentadas de uma maneira atraente para festas infantis e eventos como o Slow Kids em São Paulo) e o aplicativo para celular Lanchinho Legal, que será lançado em 2015 (através do qual as crianças fazem escolhas para o organizar o cardápio do lanche e aprendem brincando como equilibrar o programa alimentar, que é enviado para os pais por email).
UMA IDEIA, MUITOS NEGÓCIOS
Parte de seu negócio é criar conteúdo sob encomenda. Para a Nestlé, em 2013, ela desenvolveu uma série de receitas de papinha para fugir do óbvio frango com cenoura e batata. E chegou a combinações ricas como papinha de mandioca, abobrinha e sementes de erva doce ou papinha do mar com abóbora, alho poró e tomilho. “Não há alimentos proibidos para as crianças”, explica. “Pelo contrário: a comida não pode é ser sem tempero, sem sabor.” Um projeto de consultoria para grandes marcas pode custar entre 10.000 e 300.000 reais.
Com a Philips Walita, Mayra desenvolveu uma escola de culinária nos moldes das que a marca promovia na década de 1960. A empresa escolheu se aproximar da comunidade de Heliópolis, em São Paulo, onde a taxa de obesidade infantil é elevada, e escolheu a loja do Magazine Luiza para sediar as aulas. O projeto durou nove meses e carregava muito conceito em alimentação disfarçado em brincadeiras e mão na massa.
“Abordamos temas como aproveitamento integral de alimentos e as diferenças da alimentação fora e dentro de casa”, lembra ela. “Combatemos até a resistência comum das comunidades de baixa renda como aquela para com a cesta básica. Todo mundo cansa daqueles produtos, mas a verdade é que, se bem complementados com hori-fruti e carnes, ali está a base de uma boa alimentação”. A maltratada sardinha, que vai da lata para o prato, ganhou destaque em uma receita simples e saborosa, ao forno com batata, cebola e tomate, temperada com azeite, sal e pimenta.
A próxima batalha de sua campanha para aproximar as famílias com crianças de uma alimentação mais saudável e menos neurótica Mayra quer travar dentro das escolas. Ela quer levar educação alimentar para a grade curricular da educação infantil (por volta dos 5 anos), com atividades que colocam a criança em ação. “Nada de cartilhas, de teoria; vamos usar jogos para ensinar os conceitos”, explica ela. “A escola tem espaço para ensinar religião, política. Alimentar-se bem é uma coisa que você precisa fazer pelo menos 3 vezes ao dia, e é preciso conhecer este assunto para acertar as escolhas”. Seu projeto piloto está voltado para escolas particulares.
A mãe de Pedro (10), Julia (8), Francisco (3) e Felipe (1) sabe que o momento das refeições das crianças pode ser um ponto crítico nos lares modernos. “A Julia, por exemplo, come super pouco, é um filé de borboleta de tão magrinha. Uma mãe mais aflita ia brigar com ela todo dia.” Mas, se bem-resolvido, este ponto crítico pode trazer benefícios duradouros como boas notas na escola e menores taxas de obesidade. Segundo ela, os pais não estão preparados psicologicamente para este desafio. “Se puder dar um conselho para os pais, é para que tentem fazer com que o momento da alimentação seja leve e gostoso. Mais do que esperar que seu filho raspe o prato. Mais do achar que ele tem de comer todos os legumes.” E completa:
“Grande parte dos problemas com alimentação infantil vem desta expectativa dos pais, que é inatingível”
Mayra acaba de obter o certificado como Empresa B, e já conversa com outros Bs para lançar projetos. Ela também entrou para o seleto grupo Novos Urbanos, o Laboratório de Inovação Social criado por Denise Chaer, que debate de forma permanente como novas formas de consumo inauguram novas organizações sociais e redesenham a cidade. Enquanto os gigantes da indústria de alimentos estão perdendo peso, os pequenos empreendedores da alimentação saudável e startups sobre o tema estão ganhando espaço. Se por um lado falta um plano de negócios estruturado, por outro sobra agilidade, criatividade, senso de oportunidade e uma rede de relacionamentos forte. A consultoria de Mayra é um exemplo bem temperado deste movimento.