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O Viva Rio inova há 20 anos, quando juntou intelectuais e lideranças comunitárias contra a violência no Rio

Carolina Bergier - 18 maio 2015 O Viva Rio atua em mais de 60 favelas cariocas, como o Morro do Alemão
O Viva Rio atua em mais de 60 favelas cariocas, como o Morro do Alemão, e é um modelo de sucesso (foto: Walter Mesquita)
Carolina Bergier - 18 maio 2015
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No dia 17 de dezembro de 1993, entre 12h00 e 12h02, a bolsa de valores do Rio de Janeiro parou para silenciar-se em protesto contra a violência. Na frente da igreja da Candelária e ao redor da cidade, milhares de pessoas fizeram o mesmo, vestidas de branco, na campanha “Dê um tempo para o Rio parar para começar de novo”, capitaneada pelo então movimento Viva Rio, que nasceu de uma ligação telefônica de Herbert de Souza, o Betinho, ao antropólogo carioca Rubem César Fernandes. Os dois se sentiram chamados a pensar em soluções para a violência após as chacinas da Candelária e de Vigário Geral. Reuniram intelectuais, empresários, jornalistas, lideranças comunitárias e artistas para idealizarem estratégias para diminuir a violência e desenvolver campanhas que contassem com a participação da sociedade civil e do Estado. Nascia, há 22 anos, o Viva Rio, já como articulador de diferentes grupos sociais.

Falar de Viva Rio sem falar de Rubem César é impossível. A organização é um reflexo de sua personalidade: um sonhador não ingênuo que faz da sua vida um lugar de encontros. Filiado ao Partido Comunista durante a ditadura militar, acabou por exilar-se na Polônia e nos Estados Unidos, onde viveu o movimento hippie, ao mesmo tempo em que doutorou-se pela Universidade de Columbia, onde foi também professor. De volta ao Brasil após onze anos de exílio, atuou como professor de antropologia na Universidade de Campinas (Unicamp), no Museu Nacional da UFRJ e em outras universidades brasileiras. Foi secretário executivo do Instituto de Estudos da Religião (Iser) e atualmente, aos 72 anos, é diretor executivo do Viva Rio no Brasil e no Haiti, autor de vários livros e artigos, além de pai de três filhos.

Parte da equipe do Viva Rio, que comemora 20 anos de atividades (foto: Vitor Madeira)

Parte da equipe do Viva Rio, que comemora 20 anos de atividades (foto: Vitor Madeira)

Como ele, o Viva Rio é multi. E assim foi desde o início de sua vida. Depois dos dois minutos de silêncio, o movimento seguiu emplacando campanhas como o Rio, Desarme-se! (1994) e o Reage Rio (1995), que em resposta a grande onda de sequestros na idade articulou-se com a Polícia Militar e levou às ruas cerca de 400 mil pessoas — tudo isso, em uma época em que as mídias sociais não existiam para facilitar a articulação de manifestações públicas. Depois de dois anos, o movimento estava maduro para seu próximo passo: tornar-se uma Organização Não Governamental (1995 marca oficialmente o início das atividades do Viva Rio). Com uma única funcionária, Rubem era o diretor voluntário à frente desse laboratório de soluções sociais, aliando pesquisa, trabalho de campo e campanhas, sempre atuando em rede na função de articulador político com diferentes atores, difíceis e complementares.

UM LABORATÓRIO DE SOLUÇÕES SOCIAIS

Na extensa pauta de demandas para conter a violência, o Viva Rio desenvolveu ao longo das duas décadas de existência projetos e programas nas áreas da educação, arte, saúde e meio ambiente, em favelas e bairros de baixa renda. Como ícone, liderou diversas campanhas pelo desarmamento, que conseguiram a entrega voluntária de 500 mil armas e a destruição de outras cem mil, apreendidas pela polícia.

De lá até o início dos anos 2000, o foco foi executar projetos em comunidades de baixa renda, tais como o Balcão de Direitos, que oferece mediação de conflitos e assistência jurídica gratuitamente. A ação, bem-sucedida, foi integrada pelo Ministério da Justiça. Esse tipo de coisa acontece constantemente por ali. O GPAE (Grupamentos de Policiamento em Áreas Especiais) é outro caso de ideia nascida no Viva Rio que acabou sendo integrada à política pública. O projeto tem como fundamento os princípios do policiamento comunitário orientado para a administração dos problemas e chegou a ser implementado em diversas favelas. Posteriormente, inspirou a criação das UPPs (Unidades Pacificadoras da Polícia).

Para que as ações deem resultado, o Viva Rio tem a delicada função de se relacionar também com o poder paralelo, sem perder a credibilidade e, consequentemente, os recursos financeiros que o sustentam. A estratégia é não criar nenhuma forma de parceria com o tráfico ou as milícias, mas ainda assim incluí-los na rede de articulação social. Carlos Roberto Cesar Fernandes, gerente de projetos do Viva Rio e filho de Rubem César, conta como isso acontece:

“Ganhamos legitimação nas comunidades ao acionar os líderes locais, que estão em interface com o poder paralelo, e sempre buscamos passar o recado ‘nós não interferimos no seu e você não interfere no nosso, beleza?’”

Segundo ele, o desafio de articulação é presente também com o governo. “Há sempre o perigo de que os projetos iniciados sejam cancelados em novos mandatos”, diz ele. A responsável por relações com investidores estrangeiros, Luisa Phebo, esclarece que, para evitar que o trabalho feito se perca, um dos grandes focos do Viva Rio é em ações que tenham continuidade mesmo após o fim dos projetos, como protocolos e treinamentos, “usando o governo como ponte”.

UM ERRO TAMBÉM PODE FORTALECER UMA ORGANIZAÇÃO

Apesar desses cuidados, em 2005, o fracasso de uma das campanhas do Viva Rio traumatizou a todos ali. Luisa e Carlos Roberto contam a história com pesar. Era a época do referendo do desarmamento, bandeira levantada alta pela ONG. O voto a ser dado era a favor ou contra a cláusula que proibia a venda de armas a civis. A pergunta era confusa e capciosa, e não havia clareza do que sim ou não significavam. Com 75% dos votos, ganhou o não e a venda foi permitida. Como o desarmamento era um dos grandes temas do Viva Rio, houve uma superexposição da imagem da ONG, mas de forma negativa, e isso teve como consequência um esvaziamento de capital que resultou na demissão de 80% dos funcionários. A crise, porém, trouxe aprendizados importantes. A organização passou a se articular ainda mais e a procurar pessoas e organizações que pudessem levantar bandeiras em conjunto.

 

Em parceria com a Secretaria de Saúde, o Viva Rio leva atendimento para 1,6 milhão de moradores de favelas cariocas.

Em um parceria com a Secretaria de Saúde, o Viva Rio viabiliza o atendimento de 1,6 milhão de moradores de favelas.

Levou três anos até que eles se reerguessem. Isso só aconteceu em 2008, quando a ONU fez o convite para o Viva Rio exercer o papel de consultor de implementação de paz no Haiti, que sofria sérias questões com violência, muito semelhantes às encontradas nas favelas cariocas. O que seria inicialmente apenas uma parceria para a redução da violência, tornou-se um trabalho amplo, que ficou ainda maior depois do terremoto de 2010. No Haiti, o Viva Rio atuou em ações como capacitação profissional, reflorestamento, mediação de conflitos, saneamento e a construção de mais de 100 biodigestores. Hoje, há 113 funcionários do Viva Rio no Haiti. Carlos Roberto fala da consolidação da organização:

“O Viva Rio foi entendendo com o tempo que é impossível escalar a transformação social mesmo sem ter parcerias sólidas com o governo”

Para que isso pudesse ser colocado em prática, em 2009, o Viva Rio deixou de ser somente uma ONG e se tornou também uma organização social (OS) pois, assim, pode participar de concorrências públicas. Isso permitiu à organização administrar o Saúde da Família, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, que tem como objetivo universalizar o acesso à saúde na cidade. O Viva Rio é, hoje, responsável pela implementação do projeto nas mais de 60 unidades presentes nas favelas cariocas. Com esse trabalho nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), mais de 1,3 milhão de usuários já foram atendidos.

O DESAFIO PERMANENTE DA SUSTENTAÇÃO FINANCEIRA

Hoje, o financiamento dos projetos do Viva Rio vem de editais públicos, parcerias com o governo e também com empresas. Para elas, a organização pode propor projetos ou ser procurada para realizar ações específicas, como acontece no trabalho com o Coletivo Coca-Cola, em que o Viva Rio oferece oficinas de comunicação multimídia em favelas cariocas.

O Viva Rio tem, atualmente, 6 mil funcionários e uma receita anual de 16,5 milhões de reais (2013), a busca pela sustentabilidade financeira é constante. Em 2013, eles abriram um fundo de investimentos gerido pela Oceana Investimentos. O fundo oferece todos os benefícios de uma aplicação financeira de primeira linha e, ao mesmo tempo, gera impacto social. A administradora renuncia de parte da receita e a repassa à ONG. “A gente fica com total liberdade de empregar esse dinheiro onde for melhor, desde a criação de projetos, até uma nova pesquisa, por exemplo”, conta Luisa. Este mecanismo de captação de recursos, inovador no Brasil, já é amplamente utilizado na Europa e nos Estados Unidos e abre uma nova perspectiva de independência para o trabalho da organização.

Nessas duas décadas de atuação, o Viva Rio está presente em mais de 50 municípios do estado do Rio, e tem ações que viraram política pública também em Salvador, além de prestar consultorias em países africanos (como o Congo) e em países vizinhos (como a Colômbia e o Panamá). O próximo passo da organização é sistematizar as tecnologias sociais já existentes e disponibilizá-las open source, além se seguir investigando outras possibilidades de garantir a sustentabilidade financeira para que, mesmo se um dia o Viva Rio deixe de existir, ou se o governo mudar, os projetos sigam vivos. No Rio e fora dele.

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  • Projeto: Viva Rio
  • O que faz: Pesquisa, campo e formulação de políticas públicas
  • Sócio(s): 1 diretor executivo (Rubem César Fernanders) e 20 fundadores e amigos
  • Funcionários: cerca de 6 mil
  • Sede: Rio de Janeiro
  • Início das atividades: 1995
  • Investimento inicial: não houve
  • Faturamento: R$ 16,5 milhões (receita em 2013)
  • Contato: [email protected]
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