Primeiramente me apresento. Nasci em Votorantim, interior de São Paulo e vivi lá até os sete anos. Com um ano meus pais se separaram, aos três ganhei um novo pai. Até os 14, meu nome era Fábio Ramos Escobar, mas, por ter dois irmãos loirinhos, de certa forma eu tinha vergonha na escola por ter outro sobrenome e acabei pedindo aos meus pais para ser adotado. Sendo assim, passei a ser Fábio Ramos Marcondes. Isso é só um detalhe, mas vale a pena para entender alguns processos que me levaram ao abuso de drogas e álcool.
Aos 14, além de ser adotado formalmente pelo meu novo pai, também fiz uma escolha. Queria descobrir o que era ser um viciado! Sei que pode parecer a escolha mais idiota do mundo, e realmente é, mas isso é algo que compreendo hoje. Antes, eu poderia até entender, mas não tinha como ter consciência do que estava fazendo.
Desde pequeno eu tinha a impressão de ver a vida de uma forma diferente. Eu me achava feio, magro, pobre e que tudo que era ruim acontecia comigo. Em momentos contrários, me achava lindo, forte e rico e que tudo que era bom acontecia comigo. Só aqui, hoje, percebo algumas características obsessivas e compulsivas.
Pouco conseguia me concentrar na escola, tanto que foram inúmeras as séries repetidas. Se não me engano, repeti todas as ímpares, até que fui para um supletivo. Nas faculdades foram oito tentativas… mas tudo ia por terra. Porém, toda música, toda arte, toda humanidade e subjetividade eu entendia e tocava-me na alma. Essa confusão, ou sensibilidade, me deixava sempre em altos e baixos.
O que pegava era a inadequação social. Era como se poucas vezes eu conseguisse fazer algo de acordo com os padrões e o meu vazio interior só aumentava. Sempre fui abençoado. Meus pais, irmãos, familiares, amigos, a vida, deus, todas as essências sempre me favoreceram. Eu é que não enxergava, ou quando enxergava trocavas os valores. Coisas que eu achava que estavam acontecendo, na verdade, quase sempre não estavam. O mundo seguia e as coisas estavam iguais para todos. Mas daí… chegam as drogas!
Descobri que com as drogas, o álcool primeiramente, tudo o que eu sentia se apagava, se calava, sumia. Comecei a usar para silenciar minha mente. Depois viriam lança perfume, cocaína, LSD, MDMA…
Nessa época, eu perambulava pelas faculdades, começa e parava, enquanto no trabalho até que as coisas começaram a ir bem. Por volta dos 20 anos, comecei a trabalhar com amigos de juventude em um negócio de família (um laboratório) e, em poucos anos, fui chamado para ser sócio. Foi incrível, saí de casa para morar sozinho, peguei um carro, a empresa crescia, eu fazia a parte diplomática com o Mercosul e, de quebra, comecei a desenvolver uma marca de roupa, sohdykinna, onde aplicava minhas aspirações artísticas.
Ao mesmo tempo, o vício em cocaína estava altíssimo e eu, que estava também crescendo nos negócios, não aguentei o tranco. Com 27 anos, espanei de vez. Arquitetei um plano que me pareceu perfeito, o de vender minhas cotas na empresa e montar minha grife. Fui com tanta certeza nisso que encerrei tudo que tinha naquele momento: apartamento, carro, empresa e namoro!
Troquei tudo por um prato de cocaína, um copo de whisky, modelos, festas, mentiras, ilusões e fantasias de um fetiche social consumista. Até que fui bem… Anestesiado de tanto pó, cheio de mulheres e prestígio, fiz a marca nascer, estar na praça mas, em vez de trabalhar, adivinha? Eu cheirava.
Junto disso, sofria calado porque percebia um fim daquela escolha de garoto. Imaginava que morreria logo. Estava mesmo viciado e não conseguia mais parar. Foi quando decidi começar a escrever. Escrevia, muitas vezes chapado, ora para lembrar de como eu estava, ora para me despedir da vida. A coisa começou a ficar feia e, enfim, consegui pedir ajuda.
Falei para os meu pais e amigos que estava viciado em cocaína. Todos ficaram em choque, afinal de contas eu sempre disfarcei bem
Mas eles estenderam a mão e tentaram me ajudar. Fui encaminhado a um psiquiatria. Um mês depois, quando peguei a medicação, triturei todos os comprimidos e cheirei. Voltei ao uso de cocaína com mais força, agora misturando com remédio. Mas, por sorte, esse ciclo foi rápido. Logo reforcei o pedido de ajuda aos meus pais e eles me mandaram para a fazenda do meu tio em Boa Vista, em Roraima, com passagem só de ida.
A experiência lá foi incrível. Pude estabelecer um contato primário com a abstinência e talvez a primeira redenção com deus ou alguma semiótica espiritual. Bebi ayahuasca, fiz kambô e trabalhei no pasto. Porém, precisei voltar a São Paulo e, nessa volta, saí com uma mulher e nós dois ficamos juntos durante três semanas. Quando já não estávamos mais envolvidos, e eu já estava com a passagem de volta a Boa vista comprada, ela me chama para dizer que está grávida.
Fiquei por aqui, e aos 29 anos passei a integrar um programa anônimo para pessoas com problemas com álcool e drogas. Em consenso e amor, eu e a mulher que engravidei resolvemos nossas diferenças para o bem de nossa filha que viria a nascer. Seguimos separados, nos unindo somente no que cabe ao bem de nossa filha.
Nessa caminhada, descobri algumas novas verdades. Talvez a mais bela é que a abstinência é um princípio libertador. Outra é a verdade do amor espiritual. E, por fim, a verdade que fazer aquilo que precisa ser feito.
Estou há 2 anos, 10 meses e 12 dias sem o uso de álcool e drogas
Em uma consulta com meu analista, falei que tinha quatro cadernos escritos desde os 27 anos. Depois de ler algumas páginas, ele me disse que aquilo poderia dar um livro. Eu estava desempregado, com quase 30 anos, sem faculdade, sem dinheiro, ia ser pai, era adotado de pai e, ainda, um ex-drogado. Por que não? Digitei tudo, fiz anotações complementares e quando faltava somente um título, fui tomado por algo que refletia bem o que sentia: “30 anos, fudeu”.
Procurei editoras e foi uma luta. Eu não tinha dinheiro para publicar. Partilhando com meus pais, meu irmão sugeriu o financiamento coletivo e me encaminhou o link do Catarse. Montei um briefing, subi o projeto e consegui dinheiro para a primeira impressão. Nesse meio tempo, voltei a estudar e segui negociando com editoras, até que o livro saiu pela Chiado Editora, que é de Portugal.
A minha vida continuou. Voltei até a trabalhar com meu antigos sócios, dessa vez como funcionário, e fiquei lá o tempo necessário, até decidir transformar minha vida mais uma vez.
Resolvi que trabalharia com o que gosto. Nessa caminhada, passei de ano na faculdade que entrara de novo, pela nona (!) vez, em Publicidade e Propaganda pela FIAM FAAM. Também estou começando com Iniciação Científica e, além disso, consegui uma vaga para trabalhar na área, hoje sou executivo de contas na agência Greenz.
Também sou um pai presente para minha filha, meus pais, irmãos, familiares e amigos.
Compreendo hoje, ao me apresentar para vida com propósito e intenção, ao simples executar de bons atos, que a transformação é pessoal para então ser coletiva. O grande despertar dessa caminhada não está em querer fazer algo, mas sim por fazer algo de fato.
Entendo que as minhas perdas me trouxeram conquistas, e a principal dela é a força da escolha. Não importa o que tenhamos, importa o que faremos disso. Posso dizer que aprendi muito sobre mim mesmo depois que parei de me drogar.
Sofri até descobrir qual é o meu propósito. Na real ainda não sei, mas é uma coisa que estou aprendendo a perceber e buscar. Propósitos existem quando nos permitimos ser instrumentos de algo que se manifesta no coletivo.
Quanto ao medo de envelhecer, não tenho. Sempre ouvi que “depois fica mais difícil” e é como me sinto, descobrindo o mundo com 32 anos, gozando de tantas coisas boas apesar do buraco deixado por um passado sem interesse nos estudos e com os acontecimentos que narrei aqui.
Amadurecer dói, mas é inevitável — e vale a pena. Fica tudo mais gostoso.
Fábio Marcondes é executivo de contas na agência Greenz, autor de 30 Anos Fudeu e mantém o blog Ventos da Vida aos Infinitos Horizontes.
Marcos Tartuci conta como o diagnóstico de Transtorno de Ansiedade Generalizada agravado pelo consumo excessivo de bebida alcoólica o levou a mudar de vida e a fundar uma healthtech para ajudar pessoas na mesma situação.