Imagine que aquela sua amiga gente boa te escreveu dizendo que vai se casar. Está apaixonada, tudo lindo, a festa é daqui dois meses e você está convidado. Mas, olha só, de presente ela está pedindo doações para a ONG que acompanha. Quem realiza a operação é a Presente Consciente, empresa carioca que está inventando um modelo de captação de recursos para instituições sociais baseado na realização de festas.
Aniversário, casamento, chá de bebê, de casa e mais um monte de datas marcadas no calendário, o dia das mães, o dos namorados e o das crianças: dar e receber presentes faz parte de nosso acordo social. Este foi o estalo que tirou Tamara Rothstein, 34, de um modelo estagnado de captação. Era 2013 e ela trabalhava neste setor de uma instituição quando se deparou com o esgotamento da proposta de assinaturas mensais de apoio para a causa. Os círculos sociais acessados pela instituição já estavam saturados, dali não sairia crescimento.
Engenheira biomédica por formação, Tamara estava afundada em uma pesquisa para tentar reverter a estagnação da captação quando a ideia de revisitar a forma como damos presentes tomou forma. Ela conta:
“Esse dinheiro nós já gastamos, é socialmente esperado que se dê presentes. Entendendo isso, as pessoas podem propor aos seus amigos e familiares um olhar para causas sociais”
Quando a ideia amadureceu, Tamara já sabia quem seria sua parceira: Ana Clara Schulman, 33, amiga que fazia pós em gestão ambiental e pesquisava padrões de consumo, acumulação, a quantidade de presentes em festas infantis. Ela topou na hora, vestiu a camisa e as duas foram trabalhar.
As duas se inscreveram em uma Maratona de Negócios Sociais do Sebrae, evento que marcou o amadurecimento da empresa. Chegaram apenas com a ideia e, lá, encontraram iniciativas que já estavam de pé e produzindo, o que foi um excelente espaço para trocas e aprendizado. As sócias estavam tão empolgadas e dedicadas que, ao fim de quatro dias de evento, ganharam o terceiro lugar na Maratona.
Como prêmio, fizeram cursos e capacitações na rede do Sebrae, mas o que valeu mesmo foi a rede formada ali. “A premiação foi um bom empurrão, mas o que nos capacitou mesmo foram esses quatro dias de evento. Entramos em contato com muita gente legal, abriu um mundo novo ”, conta Tamara.
Formataram, então, uma nova forma de apoiar instituições beneficientes. Nascia assim o FeliciCard, um vale-doação que funciona em dois modelos: Festa ou Avulso. Na Festa Consciente o realizador da festa escolhe até duas instituições parceiras e pede aos convidados que comprem os presentes via ferramenta — como o casamento que abre este texto —, direcionando o recurso para essas empresas. Neste modelo há duas opções: 100%, onde todo o dinheiro vai para as instituições, ou o 50/50, onde metade fica com o realizador da festa e metade é doação. No modelo Avulso, quem quer presentear oferece o FeliciCard ao presenteado, que pode escolher para qual instituição destinar o recurso. Assim, o presente também é um convite à participação e ao envolvimento nas causas sociais.
UM NEGÓCIO QUE SÓ FUNCIONA EM REDE
Com a ideia madura, dá-lhe desenhar a ferramenta. Demorou quase cinco meses para deixá-la redonda para o lançamento em maio de 2014. Tamara é engenheira, entende a lógica necessária apra estruturar um sistema e sabe o que pedir para os programadores. Neste momento, também tiveram que ir atrás das primeiras organizações parceiras, que toparam participar antes mesmo do site estar pronto.
Elas lançaram o site com seis instituições e em pouco tempo choveram sugestões. Entre nomes como Doutores da Alegria, AACD, Observatório de Favelas e Greenpeace, hoje são 31 parceiros e há uma lista de espera de 160. O processo é lento e rigoroso para habilitar aquelas que estarão aptas a receberem os valores dos presentes conscientes. As instituições são pesquisadas e visitadas uma a uma, mais de uma vez, num envolvimento que demanda tempo. Isso feito, empresa e ONG assinam um contrato no qual uma das cláusulas diz que se a instituição se envolver em qualquer tipo de escândalo de corrupção a parceria se encerra automaticamente.
Outra obrigação contratual, adicionada ao longo do último ano, é a necessidade de as instituições se comunicarem com os doadores, indicando o projeto ou a área em que aquele recurso será utilizado. A empresa quer, no futuro, aprofundar esse acompanhamento, oferecendo aos interessados uma prestação de contas mais detalhada e presente no desenvolvimento de determinada instituição. Hoje existe uma parceria, em que a Presente Consciente oferece plataforma, ferramenta e atendimento aos realizadores das festas, enquanto as instituições entram com divulgação das doações recebidas para suas redes e o acompanhamento posterior aos doadores. Também cabe a elas fazer o retorno, acompanhar os doadores ao longo do tempo.
“Pessoas sensíveis a causas sociais podem propor a quem está ao seu redor e nunca olhou para isso. Podem provocar amigos e familiares a lidar com uma questão”, diz Tamara. A ideia de corrente do bem é a grande motivação por trás do trabalho. Tocar pessoas que ainda não olharam para determinada causa, atingir novos círculos sociais por meio de um indivíduo disposto a amplificar determinada luta. E, assim, elas vão alcançando pessoas que nunca se envolveram com o assunto.
Até aqui, Tamara e Ana Clara já realizaram cerca de 100 festas — a maior dela arrecadou 15 000 reais em presentes conscientes. As festas representam 90% das vendas de FeliciCards, os outros 10% são de presentes avulsos (o valor mínimo é de 30 reais e não existe valor máximo). Para cada transação, a empresa fica com uma taxa administrativa de 5 reais, enquanto outros 4% + 15 centavos são a taxa da operadora de cartão PayPal.
DUAS SÓCIAS E TRÊS NASCIMENTOS: CLARA, LARA E A EMPRESA
Enquanto converso com Tamara, ela ouve um choro e pede licença. Se afasta para ver o que aconteceu com Clara, sua filha que completa um ano este mês. Clara nasceu um mês depois do início das atividades da empresa. Meses depois, nascia Lara, a filha de Ana. Ou seja, no primeiro ano de atividade da empresa, as duas sócias se tornaram mães.
O choro foi por conta de uma queda, a menina bateu a boca, mas não foi nada demais. “Ela quase nunca chora, então quando chora preciso dar uma olhada”, diz a mãe. Tamara e Ana têm conseguido equilibrar produtividade na Presente Consciente com maternidade. Claro que é difícil, muitas vezes Tamara dorme super tarde porque a madrugada é a hora em que a casa fica em silêncio e ela pode produzir, desenvolver a empresa. Então lembra que a bebê vai acordar às 6h, 6h30 e que já passou da sua hora de dormir.
Até aqui, as sócias consideram que a empresa está em período de observação e experiência, momento que se alongou devido aos dois nascimentos. Porém, agora que Ana está prestes a voltar à rotina de trabalho, Tamara acredita que elas vão reencontrar um ritmo intenso de produção para colocar mais as ideias em prática.
O passo seguinte é produzir conteúdo “com calor humano”, ou seja, trazer depoimentos de quem já usou o serviço e também apresentar as instituições de maneira mais estruturada. Elas pretendem construir uma área do site que mostre o que cada instituição tem feito com essas doações. A ideia é dar tranquilidade aos doadores, para que tenham uma ideia concreta de quem estão ajudando e como os recursos são empregados.
No momento, elas estão terminando uma cartilha para as instituições parceiras, trazendo caminhos para a comunicação. Também vão oferecer algumas peças de divulgação semi prontas, ajudando na divulgação das festas. É possível que estejam encontrando um novo nicho de mercado: a necessidade de realizar uma comunicação institucional mais voltada para resultados entre instituições sociais. Mas ainda falta tempo de estrada para comprovar essa hipótese.
A Presente Consciente tem pouco mais de um ano e está se estruturando ao reinventar um modelo de captação. Hoje, Tamara dedica à empresa seis horas por dia e mais quantas de madrugada a pequena Clara deixar. Com a poeira das duas maternidades baixando, vai ser interessante acompanhar os caminhos de crescimento da empresa. Tamara só garante que, não importa quanto trabalho tenha, não vai abrir mão de sua caminhada matinal com a filhota.
Num momento em que resiliência é a palavra de ordem, empreendedores se unem para evitar a disseminação do coronavírus com ações simples, mas efetivas. Entre elas, a liberação dos funcionários para o trabalho remoto e o apoio a prestadores de serviços autônomos.