por Flávia Ursini
É comum ver gestores preocupados com o número de cafezinhos que seus colaboradores estão tomando durante o expediente de trabalho, em detrimento do que “deve” ser feito.
Mas qual será a importância deste momento? Aliviar o cansaço, socializar… Ou pura perda de tempo, aos olhos de alguns. No entanto, se resgatarmos a origem dos seres humanos, somos antes de tudo mamíferos, animais que buscam através do toque a conexão, um senso de comunidade e de proteção. Como seres humanos, nós evoluímos, mas ainda temos os mesmos anseios por segurança e pertencimento e por nos empoderarmos através das conexões. Contudo, para que isso aconteça é necessário haver uma comunicação autêntica, uma conversa significativa.
Nos transformamos em doutores de tudo e, cheios de acesso à informação, parece que desaprendemos a conversar.
E o que é pior: esquecemos do valor de uma boa conversa, nos restringindo a uma comunicação imediatista, superficial e desinteressante.
O MAIS DIFÍCIL É FAZER O SIMPLES
E se a gente parasse para pensar antes de iniciar um diálogo, refletisse sobre qual o propósito do encontro, se ouvisse com atenção e o coração, sem julgamentos, e falasse com intenção? Será que o sabor da conversa não seria outro?
Uma boa troca de ideias pode alimentar nosso ser, trazer aprendizados e o reconhecimento de nossa sabedoria, revelando que somos mais sábios quando compartilhamos experiências. Interesse pelo mundo alheio, reconhecimento de nossas necessidades pessoais e, principalmente, dos problemas vividos em comunidade são pontos que nos permitem criar as melhores soluções para determinadas situações.
Agora, se migrarmos para o mundo corporativo, será que as coisas são tão simples assim? Sabemos que não. As vaidades, o orgulho, a insegurança, o desejo de poder e de tomada de decisão “destemperam” a conversa.
Imagine se pudéssemos colocar todo o “sistema” numa mesma sala, com seus líderes e participantes envolvidos de forma direta ou indiretamente na criação de suas próprias respostas. Foi esse desejo que motivou e deu origem ao que chamamos hoje de Art of Hosting ou, em tradução livre, a “Arte de anfitriar conversas significativas”.
De uma forma orgânica, essa “arte” foi elaborada por um grupo de pessoas que, por meio de conversas amplas e num ambiente de confiança, compartilharam histórias e aprendizados, resultando numa comunidade de indivíduos que foram convocados a serem anfitriões. Eles partiram de metodologias já consagradas, e cocriaram outras tecnologias de conversação como World Café, que explora questões ou problemas realmente importantes para a vida e o trabalho das pessoas.
A CULTURA DO CAFEZINHO NO MUNDO
Embora tenha sido desenvolvido por Juanita Brown e David Isaac na Califórnia, em 1995, O World Café ainda é pouco conhecido. É uma metodologia que surgiu para criar um campo favorável e permitir o acesso à inteligência coletiva. Um exemplo é a vivência que nossos facilitadores tiveram na maior organização estudantil do mundo para discutir o futuro do jovem no mercado de trabalho com 500 pessoas, ou numa empresa global de nutrição que realizou o cascateamento do planejamento estratégico entre 120 colaboradores.
Não faltam exemplos em empresas, governos, na educação, em ONG ou em ambientes comunitários de que a metodolodia é especialmente para gerar relações de confiança, aprendizados colaborativos e insights coletivos em torno dos desafios da vida real e questões estratégicas.
O World Café é flexível e poderá ser usado também em pequenos grupos, como experienciamos no evento “inova na conversa!” com a participação de 35 pessoas, dentre elas líderes de empresas, profissionais de RH e gestores de pessoas para discutir o tema “ Felicidade como fator de sucesso nas organizações”.
Nas organizações, o World Café tem sido usado com sucesso, em diversas demanda como: integração de colaboradores, acolhimento à mudança (de processos, de pessoas e de sistemas), processo seletivo para trainees, convenções de vendas, team building, busca de ideias para cocriação de soluções, entre outros.
Para ser efetivo, no entanto, alguns princípios precisam ser respeitados.
1) Consciência do Propósito da conversa.
Defina qual o motivo pelo qual deseja reunir as pessoas. Hoje, mais do que nunca, as pessoas desejam saber a razão que as movem a realizar algo, estar em sintonia com o propósito do evento, da conversa ou da reunião para se engajarem.
2) Ambiente aconchegante e acolhedor.
O cuidado com o ambiente é fundamental para criar um clima de confiança e determinante na qualidade da conversa e criatividade das ideias. O ideal é criar uma atmosfera como se estivesse em um café, que seja descontraída, com comes e bebes disponíveis, flores, folhas de flipcharter e muitas canetas coloridas, além de mesas e cadeiras confortáveis para uma conversa para até quatro ou cinco pessoas. Quando as pessoas se sentem seguras para serem elas mesmas, podem dar a sua melhor contribuição.
3) Explore questões poderosas.
Questões poderosas são aquelas relevantes para um determinado grupo. São abertas e não tem resposta imediata. Constituem-se o “chamado” do encontro. Estimulam a reflexão e a busca de soluções para um desafio comum.
4) Estimule a contribuição de todos.
Um líder não é aquele que tem a palavra, mas aquele que estimula a voz de todos. Todos podem ser protagonistas. A sabedoria já está dentro de nós e quando o conhecimento é compartilhado a sabedoria do coletivo torna-se visível.
5) Conecte perspectivas diversificadas.
A possibilidade de circular pelas mesas, conhecer novas pessoas, abre caminho ao novo a partir de uma escuta ativa, sem julgamentos. A cada rodada, a conexão de ideias e insights aumenta o conhecimento, alimentado pela diversidade coletiva que traz novos pontos de vistas. A co-criação é o verdadeiro potencial.
6) Registre a colheita.
No decorrer de todo o processo as pessoas são convidadas a fazerem registros dos pontos chaves da conversa para ao final haver um compartilhar e tornar visível os padrões da conversa e quais foram as soluções encontradas.
Na nova economia colaborativa, sustentável e disruptiva como diz Gil Giardelli, você é o que você compartilha. Assim, te convidamos a tomar muitos cafezinhos com mais conversas significativas, e no próximo convidar seu gestor!
Flávia Ursini é fundadora da Casa Deg Filó que oferece diálogos a serviço do desenvolvimento humano e inovação colaborativa para organizações. É membro da comunidade internacional Art of Hosting e facilitadora formada pelo Instituto EcoSocial. Organiza eventos como o Ciclo de Diálogos sobre Negócios Conscientes e o inova na conversa! É mãe e ama pedalar. (atualização em 5 de agosto de 2016: a Casa Deg Filó mudou de nome e agora se chama Inova na Conversa)
Clara Vanali conta como o seu processo de transição — profissional e pessoal — se desdobrou em um projeto audiovisual para captar esse momento de angústia e transformação das pessoas.