A tempestade já se avizinhava, mas esta semana foi impossível ficar imune ao assunto, especialmente em São Paulo, onde a Câmara de Vereadores aprovou em votação única a proibição da empresa Uber e similares de funcionar na cidade. Foi apenas mais um capítulo de uma novela que está longe do fim. De um lado, “a vida como ela é”, cidades cheias de velhos problemas mas com alguma ordem, mesmo no meio do caos. Do outro, “a novidade”, um serviço difícil de catalogar que propõe novas relações de trabalho e de consumo ao mesmo tempo que desorganiza (e ameaça) o que havia antes dele.
A proibição da Uber na capital paulista aconteceu embalada por uma manifestação de mais de 1 000 taxistas, que foram até a Prefeitura e bloquearam o viaduto Jacareí, nas proximidades.
O mesmo risco de proibição está na Câmara Legislativa, em Brasília e, por lá, os usuários do aplicativo — ah, sim, caso você ainda não saiba, a Uber é essencialmente um aplicativo no qual o usuário solicita um carro, com motorista, para percorrer determinado trajeto — organizaram um protesto pelo Facebook de nome “Manifestação contra a proibição do UBER em Brasília!”, que já tem com 3 700 confirmados e conclama a todos os usuários a comparecerem em frente ao Palácio do Buriti, na próxima quarta-feira (8) para pedir ao governador Rodrigo Rollemberg que não assine a lei. Em seu site, a própria Uber lançou a mesma campanha.
O designer Thiago Freitas utilizou o serviço em Brasília (além da capital federal, o serviço está disponível em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte) e conta como foi a experiência: “Chama atenção a qualidade do serviço, um motorista profissional, muito bem vestido e muito educado, abre a porta para o passageiro e pergunta se a temperatura do ar-condicionado está do agrado, se a música está boa, se eu queria conectar o meu celular para escutar as minhas músicas e até me oferece um copo d’água!”.
Thiago e a mulher, Andrea Louzada Borges, fizeram um teste percorrendo o mesmo caminho, de 4 quilômetros, um de táxi e o outro de Uber. A corrida no carrão de luxo (outra característica da Uber) via aplicativo saiu 3 reais mais barata que a do táxi comum. O dilema está exposto. Um serviço que impressiona os usuários pela qualidade e que custa menos que seu concorrente direto não teria como ganhar mercado sem causar polêmica. Vamos a elas.
1) Uber é táxi? E o táxi, não pode ser Uber?
A Uber está presente nas quatro cidades brasileiras citadas: São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Segundo os taxistas paulistanos, há cerca de 1 200 veículos cadastrados no aplicativo circulando pela capital paulista. A empresa não oferece os números e, a propósito, alega não prestar serviço de táxi por ser nada mais que uma plataforma que aproxima um motorista autônomo (que tem seu carro particular) de um usuário interessado.
O táxi, por sua vez, é um serviço público de transporte individual. No Brasil, algumas empresas têm permissões (os alvarás) para rodar com táxi pelo país, eles alugam essas permissões para motoristas, que têm de trabalhar para pagá-las além de retirar o seu próprio salário. Para circularem, os táxis precisam se adequar a uma série de normas, que variam de cidade para cidade.
2) O Uber é legal, ilegal ou engorda?
Como é algo novo, não há consenso. Do ponto de vista legal, o serviço oferecido pelo Uber pode ser visto como uma “carona remunerada”, algo ilegal no país. Rodrigo Novaes, engenheiro de produção e consultor legislativo do Senado Federal na área de transporte, menciona a Lei Federal nº 12.468, de 2011, que regulamenta a profissão de taxista e diz que é atividade privativa dos profissionais taxistas “a utilização de veículo automotor para o transporte público individual remunerado de passageiros”. Isso caracterizaria o serviço como um táxi “pirata”.
Fábio Sabba, diretor de comunicação da Uber no Brasil, coloca a questão de outra forma: “São duas categorias de transporte distintas, uma é o transporte individual público, o táxi, e outra é o transporte individual privado. Vale ressaltar que a Uber não faz carona remunerada”.
Mais distinções que afastam a Uber dos táxis. Táxis são concessões públicas e por isso, devem atender a todas as regiões do país e ser um sistema aberto para toda a população. O Uber, por sua vez, atua apenas nas áreas centrais das cidades citadas.
3) O incômodo da inovação disruptiva.
Embora tenha características de uma empresa disruptiva, ou seja, que traz uma inovação ao mercado capaz de desestabilizar os concorrentes diretos (no caso, os táxis), a Uber não tem algo crucial nas empresas essencialmente disruptivas: abrangência. Ou seja, por mais que incomode, o Uber está mordendo apenas uma fatia (com cereja, é verdade), de um bolo muito maior do que suas possibilidades.
Para usar o aplicativo há uma série de pré-requisitos que restringem ainda mais o mercado da Uber. É preciso ter um smartphone com sistema operacional compatível com o aplicativo e um cartão de crédito internacional. Não há outra maneira de usar o serviço.
A mobilidade urbana também não sofre muita mudança, já que a empresa não tem escala para afetar diretamente a massa de milhões de deslocamentos diários realizados nessas cidades. Um impacto aferível, por sua vez, seria a diminuição do uso de carros particulares, principalmente no período noturno. Dados da Uber apontam que, no Rio de Janeiro, 87% dos usuários têm carro e 91% utilizam o serviço para ir à balada. Já em São Paulo, os números são 85% e 87%, respectivamente.
Ainda que em teoria a Uber não seja equivalente ao serviço de táxis, um dado prático dá razão aos taxistas inquietos. Em São Francisco (EUA), cidade onde a Uber iniciou suas operações, os taxistas perderam 64% das corridas em dois anos, segundo a agência de transportes da cidade americana.
4) Os tais motoristas de luxo. Quem são?
No Brasil, para ser um motorista Uber é preciso estar com a carteira de motorista profissional (que permite exercer função remunerada) em dia, não ter antecedentes criminais e apresentar algum tipo de emissão de nota fiscal, ou seja, o motorista pode ser um microempreendedor individual (MEI), ter um CNPJ ou emitir notas por uma empresa. Na UberBlack (categoria mais luxuosa das três existentes na empresa mundialmente, sendo que as outras duas, X e Pop, não estão disponíveis no Brasil), 80% do valor da corrida fica com o motorista e 20% são pagos à Uber pelo uso da plataforma.
Os carros, no sistema UberBlack, precisam ser necessariamente sedãs pretos, modelo 2012 ou mais novo, ter ar-condicionado sempre ligado, banco de couro e estar sempre limpos. Após cada corrida, o usuário do aplicativo avalia o motorista que, se não mantiver uma marca acima de 90% positiva, passa por uma reciclagem e pode ser expulso. Segundo Sabba, eles também passam por um treinamento e são orientados a abrir a porta carro, disponibilizar água e perguntar qual a rádio o cliente deseja ouvir (do jeitinho que Thiago, o usuário, descreveu no início deste texto). De acordo com Sabba, os motoristas nacionais têm uma média de 4,95 estrelas, num total de 5 possíveis na avaliação dos usuários.
4) O preço não é tabelado. E agora?
Sem regulamentação legal e sem uma tabela aprovada por lei, o Uber segue outra linha de cobrança, por quilometragem, muito parecida com o taxímetro, é verdade. O percurso já começa com um valor, geralmente de 5 reais, mas que depende da oferta de veículos naquela região e pode aumentar. O usuário pode escolher se aceita o valor mais alto ou não, o que é chamado de preço dinâmico.
“Essa é uma forma de garantir que o usuário sempre tenha um carro. Em uma área com muitos chamados, o algoritmo do aplicativo aciona o preço dinâmico e todos os motoristas ao redor, offline e online, recebem a notificação que o preço dinâmico está em ação. Com isso, mais motoristas se dirigem para aquele lugar, os usuários conseguem um carro e o preço volta ao normal”, descreve Sabba. Além disso, o usuário que não quis pagar mais caro pode pedir para ser informado pelo aplicativo quando os valores voltarem ao normal. Em São Paulo, no período diurno, a tarifa da Uber é 5% maior que a de um táxi.
5) É seguro?
Junto com toda a polêmica e disputa de mercado, uma preocupação que vem à tona é quanto à segurança do usuário, pois fora do Brasil há diversos relatos de agressão e assédio sexual, principalmente contra mulheres. Para evitar esse tipo de coisa por aqui, a Uber reforçou as exigências para o motorista se cadastrar e fornece ao usuário, ao final de cada corrida, o nome completo do motorista, placa e modelo do veículo utilizado. Mas nada de telefones, como ocorre em outros aplicativos (como o Easy Taxi ou ou 99Taxis), pois o sistema decodifica o número de celular do usuário, que não é acessível ao motorista.
Já na questão do pagamento, como o cartão de crédito fica cadastrado, não é preciso nem mesmo levá-lo para a transação. Tudo é feito via aplicativo. É possível, inclusive, pedir que o motorista Uber transporte uma outra pessoa numa corrida que será paga pelo usuário que pediu a corrida. O recibo chega por e-mail e apresenta a rota feita.
6) Então, como vai ficar?
O consultor em transporte Rodrigo Novaes aponta duas saídas para que o aplicativo passe a funcionar sem ruídos no Brasil. A primeira seria reduzir a tarifa da Uber, segundo o princípio legal da modicidade tarifária do serviço público. Nesse caso, deveria custar apenas o suficiente para operar nas condições de qualidade e regularidade exigidas pelo Poder Público. Ele afirma que essa medida tem amparo legal, pelo artigo 12-A da Lei Federal nº 12.587, de 2012, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana e diz que “o direito à exploração de serviços de táxi poderá ser outorgado a qualquer interessado que satisfaça os requisitos exigidos pelo poder público local”.
O segundo caminho, ainda apontado por Novaes, seria haver uma rediscussão e um novo acordo social para limitação de entrada no mercado de táxis, com o valor econômico gerado pela escassez artificial de permissões (alvarás). Estas permissões, em número limitado, seriam alugadas diretamente pelo Poder Público pela maior oferta e por períodos curtos (um ou dois anos, no máximo). Embora seja difícil estimar os recursos que circulam por um mercado não regulamentado de transporte urbano, considerando as frotas atuais e os valores das diárias reportados na imprensa, a ordem de grandeza é de 100 milhões de reais por ano em Brasília e 1 bilhão de reais anuais na cidade de São Paulo.
A verdade é que não adianta tapar o sol com a peneira. A modernidade chegou e é preciso que as leis e os serviços também o acompanhem. A Uber afirmou que vai continuar suas atividades em São Paulo. A Câmara de Vereadores ainda precisa votar a lei em segundo turno, para que seja enviada ao prefeito Fernando Haddad e, só então, sancionada ou não.
“Inovação é fundamental para o desenvolvimento das cidades. Acreditamos que os motoristas parceiros e os usuários já entendem os benefícios da nossa plataforma e inclusive compartilharam dele com a Câmara dos Vereadores, mandando mais de 300 mil e-mails em dois dias. Acreditamos que é hora de um debate amplo sobre inovação e tecnologia aplicada à cidade”, afirma Sabba.
Falando em inovação, a Uber considera-se uma empresa da Economia Compartilhada, abraça essa designação e a defende, como Sabba diz: “[Já] que o prestador de serviço parceiro, que é um motorista profissional, usa seu carro particular para transportar indivíduos, temos um modelo de serviço que preza pela economia compartilhada”.
Mesmo com as controvérsias, que seguirão por um bom tempo ainda, o Uber chega ao Brasil como uma possibilidade confortável de se locomover pelas grandes cidades. A empresa é globalmente avaliada em 40 bilhões de dólares, ultrapassando marcas como a locadora de veículos americana Hertz (11 bilhões) ou a Fiat (17 bilhões).
Além disso, a Uber segue abocanhando parceiros, como o Google, que integrou o serviço do Maps para Android e iOS, ou a Amazon, que quer usar carros da Uber para suas entregas. A lista de investidores no aplicativo é enorme e não para de crescer, incluindo gente como Shawn Fanning (ex-Napster), Jeff Bezos (da Amazon) e a Google Ventures. Presente em mais de 320 cidades e 58 países, controverso ou não, a Uber é uma realidade.
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