Faltava um rapazote chegar para completar a família, Pedro, de 11 anos, que surge de mochila nas costas. Ele é o mais novo da prole da brasiliense Ana Viana, 37. Sua filha mais velha, Thabatta, 20, já batia papo e entretia a espevitada pequena Irene, de 1 ano e 4 meses, a primogênita de Bárbara Ávila, 33, também nascida na cidade das linhas e concreto de Niemeyer.
Mamãe Ana e mamãe Bárbara estão concedendo entrevista para o Draft, falando do Buji, a empresa de decoração com foco no reúso, que abriram em maio de 2013. A ideia do negócio é reorganizar espaços, que podem ser casas, apartamentos, studios ou ambientes comerciais, utilizando muito do que a pessoa já tem. “Não fazemos uma decoração com a cara do Buji. É com a cara do cliente”, conta Bárbara.
A proposta de serviço delas não é botar paredes abaixo nem desenvolver projetos de reforma extenuantes. O Buji é uma empresa para pessoas que querem, digamos, vestir a casa com uma roupa diferente. Seus recursos são mudanças de cortina, pintura, tapeçaria, dicas de compras e de descarte, e a ressignificação do que está ali – uma mesa colocada em um ângulo novo, por exemplo. Parece pouco, mas Bárbara diz que muitos têm um bloqueio para essas pequenas intervenções sem ajuda profissional: “As pessoas têm medo até de mudar o móvel de lugar”.
MARAVILHAS ESCONDIDAS DENTRO DE CASA
Bárbara descreve uma dessas ocasiões em que descobriu maravilhas escondidas. Uma cliente queria algum detalhe com renda na decoração e pensava em pedir para alguém trazer uma peça da Bolívia. Peraí. Segura a ansiedade, colega. Depois de muita conversa, Ana e Bárbara descobriram que ela tinha blusa de renda, que não usava mais, esperando para ser redescoberta. Sugeriram emoldurá-la: cliente feliz. “A ideia também é a gente colocar a história da pessoa na casa”, diz Bárbara. Ana fala um pouco sobre esse processo:
“Primeiro, fazemos a pessoa reconhecer o que já tem. É um resgate de amor pelas escolhas. A partir disso, podemos orientar uma compra. Numa época de consumo tão desenfreado, apostamos no uso do que você já comprou e, às vezes, em abrir mão de algumas coisas”
Elas contabilizam cerca de 40 clientes ao longo desse período, com residências em São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro e Brasília. Dizem que desconhecem concorrência. “Tem várias pessoas com a mesma linha de pensamento, mas do jeito que a gente faz, a solução que a gente propõe, não vi”, diz Ana. Mas, tem gente de olho – recentemente elas tiveram uma consulta estranha, foram checar, e a origem era de profissionais do ramo.
Para as empreendedoras, 2015 é um ano de reconhecimento do espaço que criaram ao longo desses dois anos no mercado. E que passou por um faxina intensa entre novembro do ano passado e fevereiro deste, após as duas fazerem um trabalho com a coach Rafaela Cappai. Depois desse processo, vieram mudanças importantes: ampliaram a oferta de produtos, passaram a cobrar melhor, ajustaram o conceito e começaram a — enfim — fechar as contas no azul.
Bárbara é arquiteta de formação, e alia a sua paixão pela área com a produção de acessórios – ela faz e vende bolsas de couro desde a faculdade, em Brasília. Na capital, Ana trabalhou como vendedora em uma loja de música (brasilienses nostálgicos, abram os porões das boas memórias: Redley Records). Formou-se em Letras. Também deu aula de português para estrangeiros, foi revisora do jornal Correio Braziliense. Em paralelo a tudo isso, havia Thabatta, que nasceu quando Ana tinha 17 anos. Logo em seguida, Ana casou-se com o pai da pequena, e separou aos 21. Hoje é casada com o pai do Pedro.
“Sempre tive casa, né? Desde os 18 anos. Comecei a testar. Tive parede verde, vermelha, roxa, pintada de várias cores, listrada. Gosto muito de ousar. Sou autodidata de decoração. Estudei muito mais para decorar do que para Letras. Leio muito, tenho um bom gosto estético”, diz Ana. Ela, a certa altura, teve dois projetos ligados à decoração: Buji, então um blog sobre suas referências, e outro mais encorpado, feito junto com um amigo, sobre remodelagem de interiores com um perfil de produção dos elementos decorativos.
Ana conheceu Bárbara por conta das bolsas que ela vendia, mas não ficaram coleguinhas. Cada uma seguiu tocando sua vida. Em 2009, Ana mudou-se para São Paulo com a família. Trabalhou como revisora na área de marketing da Qualicorp (empresa de serviços de seguro personalizados), na revista Casa Vogue e como freela.
Ainda em Brasília, Bárbara trabalhou no escritório de arquitetura, design e paisagismo Quinta. Em 2008, resolveu investir na sua verve artística e fez uma pós em acessórios na London College of Fashion. Em 2010, foi a vez de Bárbara mudar para São Paulo e, em maio daquele ano, começar a trabalhar no Estúdio Cada Um. Ficou lá até setembro de 2012, quando pediu demissão para acompanhar o marido, que ia fazer um curso na Austrália por três meses. Ao voltar, sua ideia era empreender com as suas bolsas.
PARCERIA DE CONTERRÂNEAS EXPATRIADAS
A questão é que brasiliense em São Paulo tem mania de se juntar, de se ajudar e se olhar, mesmo quando não se conhece muito bem – coisa de forasteiro perdido nas Perdizes, Pompeias, Pinheiros e afins da megalópole paulista. Bárbara acompanhava os perfis de Ana nas redes sociais, curtia as fotos dos seus projetos pelo Facebook. Certa feita, foram almoçar e Bárbara ofereceu seus recursos como arquiteta para os projetos de Ana. Não rolou, mas quando Ana rompeu com o sócio, lembrou daquela coleguinha calanga, recém-chegada do outro lado do mundo.
Ana propôs que abrissem um negócio juntas. “De repente, eu me vi no meio do furacão”, ri Bárbara. Resgataram o nome do blog de Ana e partiram para a ação em maio de 2013. Gastaram cerca de 10 000 reais em desenvolvimento de marca, site e cartões. Desde o princípio da empresa, elas trabalham em esquema de home office. Fazem reuniões semanais presenciais, usam Skype quando precisam se falar e encontram-se nas visitas prévias aos projetos. “Depois de um tempo, percebi que a gente se dava bem, se complementava e que poderíamos crescer como empresa”, diz Bárbara.
Poucos meses depois do Buji nascer, Bárbara descobriu que estava grávida. Quando foi contar a novidade para Ana, estava apreensiva. A reação de Ana foi dizer que agora ela tinha certeza que o Buji daria certo. “Acho que filho é uma força. Do mesmo jeito que ele te limita em horário, você tem uma força a mais para fazer as coisas. Você se torna mais humana quando tem filho, aprende a se virar nos 30”, diz Ana.
Bárbara comenta: “O fato da Ana ter filho ajuda bastante. Para quem não tem filho e tem um sócio que tem, imagino que seja bem difícil entender a dinâmica, porque é trabalhoso, limitador em algumas coisas com a relação a horário. A Ana segura as pontas várias vezes. Talvez, se ela não tivesse filho, isso seria mais difícil. A pessoa realmente tem que entender. Tem que ser bem parceira.”
Não quer dizer que elas sejam best friends forever no business, muito pelo contrário. São amigas, se apoiam no dia a dia – Thabatta, por exemplo, volta e meia vira babysitter de Irene. Mas circulam em ambientes diferentes e têm outros melhores amigos. “Pelo fato dela não ser minha BFF, fica mais fácil de dizer não. O respeito é maior, o respeito dos espaços. Quando a pessoa não é sua amiguinha, é melhor”, diz Ana.
Profissionalmente elas se complementam. Ana tem feeling mais rápido e intuitivo. É do tipo que entra na casa e já tem ideias sobre o que fazer para repaginar o espaço. Bárbara é mais técnica e observa os tamanhos, traz os conhecimentos da academia e da experiência em escritório de arquitetura.
QUANDO COMEÇOU A DAR CERTO, DEU ERRADO: HORA DE PEDIR AJUDA
O Buji começou oferecendo um único produto: o Super Buji, uma espécie de pacote de remodelação de ambientes da casa. O primeiro cliente, claro, foi amigo, e logo elas passaram a receber pedidos vindos principalmente do Instagram do projeto. Então, surgiu um buraco: o número de clientes e de projetos aumentava, mas a conta não fechava no final do mês. “Quando a coisa começou a dar certo, tudo deu errado”, diz Ana. “Ou a gente ia trabalhar em oito casas o tempo inteiro, ganhar dinheiro, mas não ia ter marido, filho, casa, nada”, conta. “Um projeto de 6 000 reais, que deveria durar um mês, durava cinco”, diz Bárbara.
Nessa fase, o Buji se conceituava como uma empresa de decoração possível. Daí, cada cabeça, um valor sobre esse tal possível. Bárbara explica: “A ideia do possível, para a gente, era que fosse mais acessível do que um arquiteto ou um decorador, que você não precisasse comprar muito, pudesse reutilizar, e fosse mais rápido”. Só que, ela diz, para muita gente, o possível era o mais barato – e não deveria custar mil reais.
Foi quando a coach Rafaela Cappai chegou nas meninas, interessada no serviço de decoração para a própria casa mas, também, oferecendo os seus. A princípio, Ana e Bárbara não acharam que seria o caso mas, num segundo momento, resolveram ouvir com mais atenção a proposta e entender o trabalho do coach. Decidiram experimentar.
o diferencial é propor soluções que driblem a necessidade de obra e modificar o ambiente com truques de pintura e reposicionamento dos móveis
Acabaram por passar internamente, em termos de estrutura de negócio, pelo mesmo processo que ofereciam aos seus cliente: o de arrumação de casa. Assim, germinaram um novo conceito, o de decoração reúso, que no fundo já fazia parte do DNA do Buji. Não foi fácil, até porque o preço mudou. Ana conta:
“Sair do possível para o reúso foi uma mudança sinistra. Foi a hora em que a gente assumiu: nosso serviço é esse e vai custar mais caro mesmo”
Começaram a usar ferramentas de organização de projeto, fazer livro-caixa, precificar melhor. Também diversificaram o serviço e estabeleceram regras que favoreceriam outra intenção do Buji, a de ser ágil. “Existe um Buji antes do coaching, e um depois”, diz Bárbara. Hoje a empresa oferece três pacotes de serviço. Super Buji é o Premium e custa a partir de 3 800 reais. Por projeto, fazem no máximo dois cômodos. “A gente também quer empoderar o cliente para que ele também faça suas escolhas. Já aconteceu várias vezes da gente fazer um pedaço da casa, e a pessoa se sentir segura e fazer o resto”, conta Bárbara.
No Super Buji, o cliente recebe um descritivo, um book de referências e elas acompanham os fornecedores – o serviço de cortinas e de pintura, por exemplo. Porém, a mão é dupla – o cliente vai às compras. Elas preparam uma agenda, orientam, definem tamanho, tipo, sugerem três lojas. Não compram e nem exigem lojas específicas. Depois da entrega dos fornecedores e das compras feitas, elas arrumam tudo e finalizam o projeto (sem a presença do cliente). O processo todo dura até 90 dias.
Já o @Buji custa 1 800 reais por cômodo e todo o processo é feito online — elas desenvolvem o projeto via internet, com reuniões por Skype e muita interatividade com Whatsapp e email. Esse é o único serviço em que o cliente recebe uma apresentação em 3D, já que terá que montar a casa sozinho. Elas dizem que os resultados têm sido surpreendentes, com clientes empolgados com o “Do it yourself” supervisionado, mandando fotos e vídeos do processo.
Por fim, há o Café com Post-It, uma consultoria express de duas horas de duração, em que as duas visitam a casa do cliente, batem um papo e dão suas dicas preciosas ali mesmo, a 800 reais. Mas elas também precisaram fazer ajustes ao longo do caminho. Por exemplo, o papel do post-it está sendo reestudado porque elas gastavam muito tempo escrevendo e grudando os quadradinhos pela casa. Depois da conversa, elas enviam um PDF descritivo com as dicas em até 10 dias. “Percebemos que o trabalho fica mais claro, pois nem todo cliente entende desenho. A maioria não entende uma planta baixa”, diz Bárbara.
A VIDA DEPOIS DO COACHING
Casa arrumada, elas estão animadas com a procura de um perfil de público que não imaginavam como target: o da faixa dos 50 anos. “Todo nosso trabalho foi feito em cima da pessoa entre 30 e 40 anos, que talvez queira trazer algumas coisas da casa da mãe, ou que cansou de ser mambembe. Esse público de 50 anos é gente que sabe o que quer mesmo. Foi uma surpresa”, afirma Ana.
Olhando para trás, as duas brasilienses aconselham quem quer empreender a fazer algo que elas próprias negligenciaram: a arrumar a casa antes de abrir as portas para visitas. Bárbara fala sobre o que se arrepende:
“A gente penou bastante por não termos um plano de negócios desde o início. Patinamos muito por causa disso, mas tudo o que a gente viveu foi bem importante para o nosso aprendizado”
E outra, esta da Ana: “A pessoa tem que estar disposta a continuar estudando, a se ver como empresário. Esse processo de se ver como empresa, se descobrir, foi muito intenso. Então, se você vai começar um negócio, tem que começar a estudar como ser um empreendedor. Se começar por aí, é um bom caminho.”
Já dá para prever alguns novos detalhes na decoração da casa Buji em um futuro breve. Ana cita incluir acessórios, fazer um livro, cuidar da energia da casa, estar mais online no dia a dia. Repaginar, revisar, remodelar, rever sempre que for necessário – e gostoso de fazer.
(No canal do Draft no YouTube, veja Bárbara Ávila e Ana Viana falando sobre filhos, sobre como se preparar para empreender e de quando elas souberam que era “a” hora de se lançar no novo negócio.)
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