Quando criança, ele queria ser goleiro do Corinthians; hoje, é fã de qualquer coisa na brasa e odeia lugares pomposos e garçons blasé. Raphael Despirite, 33, é um chef de cozinha diferente do que se vê por aí. E leva essa diferença para seu trabalho e para a sua vida. Despirite faz parte da terceira geração de um dos mais tradicionais restaurantes paulistanos, o Marcel, especializado em gastronomia francesa clássica. Em 2012 ele deu um passo além e criou um dos projetos mais inovadores de São Paulo (que já ganhou edições em outras cidades, como Brasília e Rio de Janeiro). Batizado de Fechado para Jantar, a iniciativa visa criar jantares em lugares inusitados, longe da formalidade de um restaurante. “A ideia surgiu do desejo de criar uma experiência que fosse tão divertida para quem faz, quanto para quem consome. Eu quero é que as pessoas se divirtam comendo.” Com edições realizadas em locais tão diversos quanto uma livraria, o Morro do Vidigal ou uma loja de utensílios de cozinha, o Fechado Para Jantar tem se mostrado um sucesso absoluto. “Pensar o momento de entretenimento de uma nova maneira é o grande desafio”, avalia.
Quando foi que você percebeu que queria mudar profissionalmente?
Na verdade, não mudei propriamente, continuo fazendo a mesma coisa só que de outra maneira. O que mudou mesmo foi minha percepção sobre gastronomia: não é mais só cozinhar, é uma experiência mais ampla. No Fechado para Jantar, por exemplo, a comida e a bebida servem como uma ferramenta, como fio condutor de toda a experiência, mas tem a interação entre as pessoas e o compartilhamento, a descoberta de lugares diferentes, a música, o aprendizado tanto nos papos quanto no contato com novos ingredientes, pratos etc. O importante aqui é que não tem uma fórmula, a experiência nunca é igual nem para a gente nem para o cara que participa. A edição do Fechado agora de julho, por exemplo, vamos fazer dentro do Dante Alighieri, colégio em que eu e meus dois sócios estudamos. Vai ter um apelo muito grande de memória, lembrança.
Quem são os seus ídolos, as pessoas que te inspiraram ou inspiram?
Meu pai é um cara que me inspira, é um cara que sabe lidar com pessoas como poucos, isso foi fundamental para mim. Aprender a cozinhar é fácil, gerir e motivar uma equipe, conquistar respeito, isso sim é um baita sufoco.
Qual seu sonho na infância, aquilo que você achou que iria ser quando crescesse?
Tirando ser goleiro do Corinthians, lembro de uma vez, quando era molequinho, falar para minha irmã que queria ser o melhor chef de cozinha do mundo. Mais tarde me liguei que isso não existe, cozinha não é uma competição. Não existe o melhor restaurante do mundo ou melhor chef, isso é uma bobagem enorme.
Por que esse desejo de criar uma experiência divertida? Jantar em um restaurante “formal” já não é divertido?
Quero criar uma experiência divertida tanto para mim, quanto para o cara que vai viver aquilo, oferecer uma história para contar, algo que fique marcado. Saio para jantar em restaurantes no mínimo três vezes por semana e tenho o Marcel, que é um restaurante super tradicional. O restaurante não deixou de ser divertido, mas é mais do mesmo. Pensar o momento de entretenimento de uma nova maneira é o grande desafio, dai surgiu o Fechado para Jantar e, mais recentemente, o nosso novo projeto KnockKnock, que é um bar itinerante, pop-up e cheio de experiências.
Você tem rotina de trabalho?
Não. Nem dá para saber o que é trabalho e o que não é, tenho muito prazer em comida – comer e fazer. Tento estar toda noite no restaurante, durante o dia me divido entre os negócios. Não tenho uma folga fixa, mas tento dar uma relaxada aos domingos. Estou conectado o tempo todo: me divirto trabalhando e trabalho quando estou me divertindo.
Qual é o seu prato preferido?
Qualquer coisa na brasa.
Qual é a sua formação gastronômica?
Tenho formação técnica de gastronomia pela L’École Ritz Escoffier, de Paris, mas aprendi a maioria das coisas trabalhando por aí, no Marcel, em Portugal (com o chef Vitor Sobral), nos estágios. Comecei umas quatro faculdades, administração de marketing, hotelaria, mas não terminei nenhuma.
Qual foi o conselho mais importante que você recebeu na sua vida?
“Calma cara!”. Meu pai diz o tempo todo e é o melhor conselho.
Se você fosse convidado para um jantar exclusivo, quem gostaria que fosse o chef?
[O chef francês] Michel Bras, ele é o cara!
O que não entra na sua cozinha?
Produto meia-boca e gente mau-caráter
O que te deixa mais feliz depois de um jantar?
A cara do cliente quando realmente foi impactado. Dá para ver quando aquilo fez diferença na vida dele. Sou adepto do lema que felicidade é boa comida, boa bebida e baixa expectativa: odeio lugares pretensiosos e pomposos, garçom blasé e coisas do gênero. Um bom PF ou uma cerveja gelada com os amigos são formas instantâneas de alegria.