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Gastrolândia: um negócio focado no prazer de comer — e saber de onde vem o que se está comendo

Letícia Diniz - 3 ago 2015 Ailin Aleixo, do Gastrolândia: missão de informar e conscientizar, sem abandonar o prazer pela comida.
Ailin Aleixo, do Gastrolândia: missão de informar e conscientizar, sem abandonar o prazer pela comida.
Letícia Diniz - 3 ago 2015
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Se você acha que se preocupar com o desperdício mundial de alimentos, excesso de agrotóxicos e maus tratos ao animais na produção de carnes é papo de ecochato, pense de novo, porque foi a partir de valores como esse que o Gastrolândia, de Ailin Aleixo, 39, tornou-se um dos maiores sites de gastronomia do Brasil (de janeiro a julho, atraiu 1,3 milhão de acessos diretos ao seu conteúdo).

Críticos gastronômicos costumam ter má reputação. Frequentemente são acusados de detonar biografias e, muitas vezes, parecem mais interessados em esbanjar sofisticação do que em falar sobre comida boa de verdade. No meio das batalhas de ego e do mar de glutamato monossódico que poluem a zona gourmet da internet, Ailin enxergou uma brecha (e também um propósito): escrever para quem, além de ser bom de garfo, também quer saber o que está por trás da comida. Apaixonada pela causa, ela conta:

“Um dos maiores problemas do mundo é a desconexão do consumidor com o que ele consome. Mas quando você começa a ler rótulos e saber de onde vem as coisas que come, não tem mais volta. O Gastrolândia fala sobre isso. Claro, sem esquecer o prazer de comer”

Neta de italianos, a publicitária nasceu com o amor pela comida no DNA. Trabalhou como editora das revistas Playboy, Viagem e Turismo e Época (algumas vezes escrevendo sobre gastronomia, mas fundamentalmente sobre comportamento) e, na VIP, assinou a coluna Mulher Honesta, pela qual é lembrada até hoje. Mas gostava mesmo é de falar sobre comida.

Desde 2011, o Gastrolândia passou a se sustentar financeiramente com anunciantes master, como a Victorinox, e brand content.

Desde o segundo ano de operação, o Gastrolândia passou a se sustentar com patrocinadores e brand content.

Ailin lançou e mantinha o site como projeto paralelo desde 2009 e, em 2011, conseguiu seu primeiro grande contrato, uma parceria de um ano com o cartão de crédito Dinners. Foi a deixa para sair das redações e se dedicar exclusivamente ao Gastrolândia, onde ela tem liberdade para escrever de um jeito que não cabia nas revistas.

“Não me importo com quais restaurantes entraram para o Guia Michelin Brasil”, escreveu, em um texto intitulado “A glamourização do irrelevante e o desprezo ao essencial”, publicado na seção Opinião e que fez bastante sucesso no site (o Gastrolândia também tem as seções Aonde Ir, Viagens, Receitas, Vídeos e Notícias, além do Dicionário Gastronômico). Para Ailin, falar sobre comida não é só visitar a hamburgueria da vez e escrever uma crítica sobre o ponto perfeito da carne, ou ensinar o leitor a usar a faca certa para cada ocasião. Significa também ir atrás do produtor de vinhos para escrever sobre as minúcias do cultivo de uvas, ou visitar a fazenda de cacau da suíça Callebaut para contar aos leitores sobre a matéria prima de um dos chocolates mais famosos do mundo.

O FILÃO DA CULINÁRIA CONSCIENTE

Reverenciar a comida é compartilhar a receita do chips de folha de beterraba — parte do tubérculo que normalmente se joga fora. “Só que a maioria das empresas não quer que isso seja dito, quer que eu diga apenas que temperos prontos são incríveis”, conta. Mas Ailin não topa: sua missão primordial, diz ela, é disseminar informação.

Burguer do Camden House, um dos lugares avaliados por Ailin no Gastrolândia.

Burguer do Camden House, um dos lugares avaliados por Ailin no Gastrolândia.

“Hoje as pessoas acham normal gastar 2 mil reais em um celular, mas acham um horror gastar 40 centavos a mais num pé de alface que não tenha agrotóxicos. Enquanto elas não souberem por que aquele produto é 20%, 30% mais caro, elas não vão comprar. Para fazer as escolhas delas as pessoas precisam de informação”, diz.

A ideia de uma culinária consciente também atravessa a gestão do negócio: Ailin é criteriosa na escolha dos anunciantes de seu site. Produtos com corantes e aromatizantes artificiais, nem pensar. Para manter-se fiel ao conceito do Gastrolândia, ela já recusou muitos clientes:

“Já tentaram ver de que jeito a gente podia trabalhar com macarrão instantâneo, mas sou super anti glutamato. Não tinha jeito: dinheiro é ótimo, mas não topo ganhar dinheiro assim”

Para ela, também não faria sentido encher o site de banners. Ela prefere colocar as marcas no site por meio de conteúdos patrocinados (brand content), uma maneira de preservar a identidade visual e garantir o tempero do Gastrolândia também na publicidade.

Com essa postura, se de um lado ela perde anunciantes, de outro ganha confiabilidade. Foi o que chamou a atenção do site MSN, com quem começou uma parceria em 2014. Graças ao novo contrato, atualmente o conteúdo do Gastrolândia é distribuído para 25 milhões de visitantes por mês no portal, além dos 345 mil fãs da página no Facebook e dos cerca de 200 mil visitantes diretos no site. No ano passado, os contratos com anunciantes, o conteúdo patrocinado e as parcerias diversas geraram um faturamento de 250 mil reais para ela.

ROTINA INTENSA E A BUSCA POR NOVOS NEGÓCIOS

Mas apesar de amar seu ganha pão, ela conta que sua rotina não é moleza: “Bato o escanteio e cabeceio. Faço os projetos, vendo os projetos, faço os contatos com as empresas, apresento. Minha rotina quase todo dia é bunda na cadeira das oito da manhã às oito da noite”. O almoço costuma ser na rua e o jantar ela mesma cozinha — mas quem lava a louça é o marido, o designer Marcelo Furquim (sem filhos, eles têm cinco gatos). Por conta dos irremediáveis excessos da labuta, em casa a comida é leve, com pouca carne e muita verdura.

O cardápio mais contido, porém, só vale pra quando ela está em São Paulo. Em julho deste ano, esteve na Itália para desvendar a fabricação artesanal de embutidos. Pouco antes foi à Bélgica conhecer uma espécie de biblioteca de fermentos naturais e, para o segundo semestre, estão programadas viagens de negócios à Nova Zelândia, São Francisco e Alemanha. Só esse ano ela já viajou nove vezes, em geral convidada por feiras e eventos internacionais interessados na projeção que o Gastrolândia pode trazer.

Neste segundo semestre, vem novidade: spin off do Gastrolândia, a nova empreitada é um canal no YouTube onde Ailin vai mostrar o que há por trás dos alimentos que consumimos. O “Por trás dakg” (lê-se “por trás da-kilo”) já tem dois pilotos gravados, um sobre hortas orgânicas e outro sobre fermentação natural de massas. O modelo de negócios da nova empreitada consiste em se associar a anunciantes que queiram ter sua marca vinculada a esse tipo de conteúdo — como a Phillips, para quem Ailin já vendeu uma cota.

Camiseta desenvolvida por Ailin em parceria com a Gastromotiva, vendidas no site El Cabriton.

Camiseta desenvolvida por Ailin em parceria com a Gastromotiva, vendidas no site El Cabriton.

Há também projetos que não geram receita direta para o site, mas alimentam a alma do Gastrolândia. No último deles, Ailin procurou três grandes agências de publicidade para criarem estampas com o tema food porn (o termo é famoso em hashtags nas redes sociais e se refere à paixão pela comida). As peças estão à venda na loja de camisetas El Cabriton, e toda a renda será revertida para a ONG Gastromotiva, entidade que trabalha com formação de profissionais de cozinha entre pessoas de baixa renda. Com iniciativas como essa, Ailin explora a gastronomia não só como prazer, mas também como fonte de transformação social, seguindo uma tendência mundial cujo ícone maior é o britânico Jamie Oliver.

O turismo gastronômico tem sido outro foco importante na área de novos negócios do Gastrolândia. Está em fase de captação com patrocinadores o Garfando!, uma parceria de Ailin com o chef Guga Rocha. A partir de viagens pelo mundo, eles querem selecionar dicas de bares e restaurantes, informações sobre especialidades étnicas locais e histórias de personagens marcantes. A ideia é somar o poder de engajamento de Guga (chef contratado da Record e no ar no canal Fox) ao de Ailin, gerando conteúdo deste tipo em português, o que não é muito comum, em vídeos, no Periscope e no YouTube, e textos a serem divulgados nas redes sociais de ambos — além, é claro, do próprio Gastrolândia.

Devagar, mas consistente: é assim que Ailin avalia o desenvolvimento, no Brasil, desta maneira mais consciente e sustentável de pensar a gastronomia — ou, em última instância, a alimentação. “A gente já produz três vezes a comida necessária pra alimentar a população mundial e joga fora um terço dessa comida. Os agrotóxicos poluem solos e rios, os animais para abate são tratados como commodities e não como seres vivos”, diz, sem esconder uma preocupação. O desafio é gigantesco, mas com milhares de seguidores e uma taça de um bom Cabernet, quem é que vai dizer que também não pode ser saboroso?

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Gastrolândia
  • O que faz: Site sobre gastronomia
  • Sócio(s): Ailin Aleixo
  • Funcionários: 1 (apenas a sócia)
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2009
  • Investimento inicial: NI
  • Faturamento: R$ 250.000 (em 2014)
  • Contato: [email protected]
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