Mudanças profundas não acontecem do nada, é sabido. É preciso planejar, correr riscos, estar aberto a novos desafios, conquistas e, consequentemente, novos fracassos. Este é um pouco o roteiro vivido pelo casal Ricardo Infante, 31, e Fabiana Avellar, 29, sócios na Openship, uma startup de inovação aberta que, entre outros projetos, desenvolve sistemas para ajudar pessoas e instituições a reduzirem consumo de energia. “Sempre nos perguntamos o que pode ser mudado no dia a dia através da tecnologia. Mudar, para nós, significa melhorar algum processo, otimizar algum recurso, evitar algum desperdício”, diz Ricardo. A empresa fica em São Carlos, a 230 quilômetros da capital paulista — e este detalhe é crucial para contar a história dos seus fundadores.
Fabiana nasceu na cidade e lá viveu até a adolescência. Modelista, já em São Paulo, teve uma confecção (a Duo Camisaria) e trabalhou na C&A sem deixar de lado seu interesse pessoal por alimentação orgânica e naturista. Ela estuda permacultura, é adepta da alimentação viva e cuida todos os dias de uma horta caseira, da qual retira ervas e grãos germinados para fazer pastas, molhos para massas e pães integrais.
Ricardo é um empreendedor serial. Iniciou um mestrado como aluno especial (uma espécie de ouvinte) em Engenharia de Produção na USP assim que chegou em São Carlos, há dois anos. O objetivo é se aproximar da academia e entender mais sobre teorias e aplicações práticas de gerenciamentos de projetos ágeis (falamos sobre eles neste Verbete Draft). Havia se formado em Multimeios na PUC-SP e, desde o começo da carreira, trabalhou com desenvolvimento de produtos para web, ora como autônomo ora como empregado. Co-fundou mais de dez startups desde 2012, período em que atuou como chefe de tecnologia da Startup House, uma criadora de negócios paulistana formada por um grupo de empreendedores e investidores.
POR QUE SAIR DE SÃO PAULO PARA EMPREENDER?
No final de 2013, Ricardo fez uma aposta alta: propôs aos investidores um spin-off do departamento de tecnologia da Startup House. Eles toparam, e esse foi o primeiro passo da grande mudança, pois aposta incluía sair de São Paulo — uma vontade antiga dele e de Fabiana, em busca de uma equação que incluísse mais qualidade de vida sem que abrissem mão da relevância no mercado.
Ricardo entregou a casa, junto com Fabiana, estava pronto para se mudar e empreender fora da metrópole. Mas para o negócio poder dar certo, ele convenceu dois profissionais da Startup House a também mudarem de endereço: o desenvolvedor de softwares Mozart Brum, 29, e o desenvolvedor front-end, Paulo Massilon Freitas, 26.
Em São Carlos nasceria a Openship, startup criada para ser um escritório de projetos de inovação aberta com base em tecnologia. A empresa trabalha no desenvolvimento de softwares e hardwares cocriados não apenas com os usuários (o que é mais óbvio para startups) mas também com empresas, universidades e instituições.
Um exemplo do que a Openship cria é o Cultive: um sistema de gerenciamento e controle de hortas caseiras e de pequeno porte. Através de sensores, capta as informações sobre a área de cultivo – baixa umidade, pH, excesso ou falta de nutrientes, entre outras – e envia os dados para um software com controle de gerenciamento, para que o horticultor consiga gerenciar melhor suas plantações. O Cultive, hoje, é um empreendimento com suporte da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (a Embrapa) e parceiro da desenvolvedora dos sensores Tecnicer. Além disso, conta com o suporte de uma rede de agrônomos locais. Fabiana fala desta rede, que é um desdobramento prático do propósito da Openship: “Estamos comprometidos em ajudar o pequeno produtor orgânico a produzir mais e melhor”.
Do Cultive, nasceria um segundo projeto da Openship: o Astro Hub, um sistema que gerencia e controla os pontos de energia de uma casa ou um estabelecimento. O funcionamento é parecido com o do Cultive mas, em vez de acompanhar as hortas caseiras, uma tomada inteligente é acoplada a equipamentos eletrônicos – TV, geladeira, máquina de lavar, etc. – e faz uma leitura em tempo real do uso de energia de cada ponto, enviando os dados para um software de controle. Assim, o dono da casa, ou da empresa, consegue gerenciar seu consumo de energia elétrica. “Estudamos o mercado de energia no Brasil e podemos dizer: as pessoas não sabem no que estão gastando. É tudo muito confuso e queremos fazer algo transparente”, diz Ricardo.
A DIFÍCIL TRANSIÇÃO DA METRÓPOLE PARA O INTERIOR
O Cultive e o Astro Hub são resultado de meses intensos de trabalho (braçal e mental) nessa transição da metrópole para o interior. Assim que montaram a casa em São Carlos, Ricardo e Fabiana alugaram o escritório da Openship. Mãos à obra: tiraram o primeiro fim de semana para pintar eles mesmos as paredes do espaço onde iam gastar muitas horas do dia. A empresa era então formada por Ricardo, Fabiana, Mozart e Paulo.
Nessa fase, a principal fonte de receita da Openship eram os antigos parceiros de Ricardo na Startup House, clientes como o Casare (site de casamentos para o qual eles desenvolviam software), o Imprensa.me (ferramenta de gestão para assessorias de imprensa, fechada recentemente) e outros projetos pontuais.
Em São Carlos, o casal precisava correr atrás de equipe e levou alguns meses até encontrar e treinar as pessoas. Ricardo focou em procurar talentos nas universidades (a USP tem uma unidade na cidade), enquanto Fabiana cuidava da parte administrativa do escritório. Não foi uma fase fácil, ela conta:
“Fiquei de luto quando saí de São Paulo, pelos amigos que ficaram, por tudo que tínhamos construído lá. Demorou um pouco para eu perceber que viver no interior tinha muito mais a ver comigo”
Entre as descobertas da cidade, ela aponta que a principal foi ter conseguido fazer coisas que em São Paulo sempre “ficavam para depois”, tais como se aprofundar no estudo da permacultura, praticar yoga na fazenda da Toca e envolver-se com as comunidades de agricultores locais, como a CSA São Carlos.
No segundo semestre de 2014, quase um ano depois da mudança, chegou a hora de rever o caminho traçado, corrigir erros e tomar decisões para o futuro. Com a base da equipe já montada, Ricardo e Fabiana promoveram muitas dinâmicas de grupo e discussões entre os colaboradores. Nesse processo, conceberam e direcionaram seus esforços para o Cultive. “Ainda estávamos muito influenciados pela vida em São Paulo, queríamos ajudar as pessoas a produzir, nem que fosse um temperinho, em suas casas e apartamentos. E nós mesmos, eu e a Fabi, apesar de gostar muito de plantas e cultivar uma pequena horta em casa, tínhamos dificuldades. E foi assim que nasceu a ideia Cultive”, conta Ricardo.
O DESAFIO DE INOVAR CONTINUAMENTE
Hoje a equipe da Openship tem nove pessoas, a maioria programadores. Eles mudaram de escritório recentemente, para uma casa no centro da cidade, mais próxima das universidades e de onde moram. Com o bom encaminhamento dos projetos, Ricardo e Fabiana planejam uma nova empreitada: aos poucos, querem abrir a gestão da Openship. Recentemente, tornaram públicos os salários de todos os colaboradores, bem como as contas a pagar e a receber. Inovar não é fácil (alguém disse que seria?), e o processo gerou ruídos e desentendimentos, como Ricardo conta:
“É paradoxal a questão da horizontalidade. Muitos profissionais pedem isso, mas quando você, de fato, abre essas questões existe um baita receio também, porque liberdade vem junto com responsabilidade”
Na Openship, as responsabilidades são determinadas pelos próprios colaboradores: eles definem seus papéis a partir de metas de curto prazo divididas e validadas com todo o time. “Na prática, as teorias dos economistas mais arrojados, os PhDs, precisam de muito trabalho de todos para se tornarem realidade. Precisamos de gente que acredite nisso e queira trabalhar junto conosco”, afirma Ricardo.
Essa receita de trabalho, que é também a receita de vida dos dois sócios, tem dado resultados: o Cultive e o Astro Hub acabam de ser incluídos nas lista das 50 melhores startups da 6ª Edição do Concurso Acelera Startup da FIESP.
O bom momento também se reflete na vida do casal. Passados dois anos do início da mudança a que se propuseram, a cada dia eles reafirmam o compromisso de construir um vida equilibrada com alguns valores que eles buscavam desde lá atrás, quando optaram por deixar São Paulo para trás: ter vida mais calma e mais conectada com a natureza. E isso não significa trabalhar menos. No curto prazo, precisam finalizar toda a pré-produção do Cultive e do Astro Hub para lançar os dois produtos no mercado já no começo de 2016.
Com a vida e os negócios começando a se consolidar em São Carlos, os dois evitam fazer planos de mais longo prazo. “Para nós, esse movimento foi muito natural. Mudar é uma experiência sensorial. Tudo é novo e faz a gente ter aquele olho do estrangeiro, que é sempre bacana, por isso voltar pra São Paulo é muito difícil, pois vemos uma cidade saturada e aqui em São Carlos as possibilidades estão começando a se abrir”, diz Ricardo. Um dia de cada vez, seguem cultivando a mudança que, afinal, nunca para de acontecer.
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