O Brasil conta com mais de 8.000.000 km2 divididos em cinco regiões distintas, com climas, relevos e tantas outras características totalmente diversas. Some-se a isso as mudanças climáticas ocorridas nas últimas décadas, que vêm provocando fenômenos como elevações de temperatura ou grandes quedas, geadas, chuvas excessivas ou longos períodos de secas. Diante de um país tão extenso, com realidades tão distintas e tamanhas variáveis, imagine o que seria da agricultura brasileira se todos os produtores cuidassem de suas terras da mesma maneira.
Mas para sorte deles, e nossa, também, vem crescendo nos últimos anos a Agricultura de Precisão (AP), prática agrícola que reúne tecnologias para tornar as atividades da lavoura mais precisas, automatizadas e independentes. Entre outras ferramentas, a tecnologia da informação é utilizada para fazer um mapeamento detalhado de determinada área, avaliando o solo, o clima e outras variáveis que influenciam no rendimento do cultivo. A partir desta análise é possível fazer um diagnóstico das necessidades específicas e determinar as melhores alternativas, sempre respeitando as características singulares de cada região.
Façamos uma analogia: Quando uma pessoa vai ao médico, é comum que o profissional solicite um checkup completo. Com os resultados dos diversos exames em mãos, ele fará um diagnóstico e indicará o tratamento específico. Por exemplo: para anemia, suplemento de ferro. Para osteoporose, reposição de cálcio. Transferindo este raciocínio para o campo, Alberto Bernardi, Pesquisador de Fertilidade do Solo e Agricultura de Precisão da Embrapa Pecuária Sudeste, conta que o objetivo da Agricultura de Precisão (AP) é auxiliar os produtores a fazer um diagnóstico da variabilidade – que pode acontecer por manchas no solo, diferenças climáticas ou até por erros no manejo de insumos. Com isso, é possível fazer um tratamento específico, lançando mão de práticas agrícolas que diminuam ou explorem essas diferenças.
A Agricultura de Precisão atua em diversas frentes, como análise do solo, aplicação de fertilizantes e corretivos em taxas variáveis, colheita com sensores de produtividade, aplicação localizada de defensivos agrícolas e acompanhamento de lavoura para mapeamento de pragas e doenças. Essas e outras etapas permitem aplicar com exatidão os recursos necessários, de forma a maximizar a produção, reduzir as perdas e minimizar os efeitos ao meio ambiente.
Todos saem ganhando
Graças à adoção de técnicas e tecnologias da Agricultura de Precisão, tem sido possível favorecer a aplicação racional de insumos, otimizando o potencial produtivo, além de reduzir o impacto ambiental. Outro ponto a favor é a maior eficiência agrícola, menor custo na produção e, consequentemente, menor preço final dos produtos ao consumidor. E tem mais! A implementação da AP permite o aproveitamento de terras até então consideradas improdutivas, mudando a realidade economica e social de diversas regiões do Brasil. Um exemplo significativo é a transformação de grandes extensões de savanas, os cerrados brasileiros, que apresentam alta acidez e baixo teor de nutrientes, em áreas altamente produtivas.
Um processo em contínua evolução
Segundo informações da Embrapa, os primeiros fundamentos da Agricultura de Precisão surgiram em 1929, nos Estados Unidos. Já na década de 80, graças aos avanços e difusão dos sistemas de posicionamento geográfico, sistemas de informações geográficas e monitoramento de colheita, o conceito tornou-se mais conhecido e ganhou destaque não só nos EUA, como também na Alemanha, Argentina, Austrália, Inglaterra e Brasil – Aqui as pesquisas começaram apenas na década de 90.
Inicialmente, a Agricultura de Precisão foi direcionada para as máquinas agrícolas, como tratores, colheitadeiras e plantadeiras, que receberam as primeiras gerações de computadores de bordo e sistemas conhecidos como receptores GNSS (Global Navigation Satelite System). Com isso, foi possível realizar o mapeamento da variabilidade do solo, plantas e outros parâmetros, resultando numa aplicação otimizada de insumos, diminuindo custos e impactos ambientais negativos.
Atualmente, as ferramentas no mercado vêm sofrendo grandes avanços com o surgimento de novos sensores e equipamentos. Ainda assim, a adoção da AP nos diversos setores do agronegócio brasileiro ainda avança em ritmo inferior ao previsto. Para se ter uma ideia, uma pesquisa realizada entre os participantes dos Seminários sobre Agricultura de Precisão, promovidos pelo SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), mostrou que apenas 53% dos participantes adotavam a técnica.
Para mudar esses números, uma série de iniciativas vem sendo adotada. Merece destaque a Rede de Agricultura de Precisão da Embrapa, que conta com mais 200 pesquisadores, 19 centros e 15 campos distribuídos pelo Brasil. A integração de várias áreas – do compartilhamento de infraestrutura à otimização de recursos financeiros, passando pela potencialização dos resultados e criação de parcerias –, tem contribuído para a formação de profissionais qualificados, estimulado a difusão das tecnologias e ajudado na capacitação do produtor rural.
Um impulso significativo na tecnologia de AP aconteceu com a chegada da Precision Planting, empresa subsidiária da Monsanto, em 2014. Através de informações precisas captadas por equipamentos, gerenciadas por aplicativos de organização de dados e corrigidas por dispositivos mecânicos, hidráulicos e eletroeletrônicos, ela tem auxiliado o agricultor no gerenciamento da lavoura, facilitando o trabalho. “São soluções para melhorar a qualidade de plantio graças a equipamentos que geram mapas em tempo real. O detalhe é que esses dados são interpretados, oferecendo recomendações que as máquinas colocam em prática. Este portfólio diferenciado ajuda o agricultor a tomar decisões mais adequadas nas operações de plantio e colheita”, explica José Galli, Gerente de Desenvolvimento de Negócios da Precision Planting.
A realidade atual
Segundo Bernardi, a Agricultura de Precisão tem ido bem e o número de adeptos vem aumentando gradativamente, com destaque na produção de soja e milho. Mas trigo, feijão, algodão, café e cana-de-açúcar também são culturas que começam a ver melhorias em seus rendimentos ao adotar a regra de aplicar o que é preciso onde for mais indicado.
O Brasil, porém, ainda tem um longo caminho a percorrer. Entre os fatores que contribuem para o lento desenvolvimento da tecnologia no campo estão o custo elevado dos equipamentos e, principalmente, a carência de mão de obra qualificada. Segundo Fábio Mattioni, engenheiro agrônomo e consultor dos produtores da região de Campo Verde (MT):
“Existe uma forte demanda pela parte da tecnologia, mas faltam profissionais capacitados para interpretar e implementar essas técnicas na fazenda.”
Hoje, a maioria dos produtores trabalha apenas com o conceito básico da Agricultura de Precisão. “Grande parte utiliza mapas de amostragem para a correção do solo, máquinas que auxiliam o plantio e sensores para o monitoramento da colheita”, explica Mattioni. De acordo com o especialista, o próximo passo é a popularização dos pulverizadores, capazes de fazer a aplicação de herbicidas e defensivos com taxa variável, e a adoção da irrigação de precisão, o que otimizará o uso da água nas lavouras.
Recentemente, várias inovações tecnológicas chegaram ao mercado. Entre elas está o SeedSense, um monitor que supervisiona o desempenho da plantadeira. Já o aplicativo Field View transforma as informações deste monitor em mapas, tudo em tempo real. Assim, desde que conte com acesso à internet, o produtor pode visualizar possíveis falhas, acompanhar a velocidade adotada e até mesmo a qualidade ao longo do cultivo. Outro recurso é o Wavevision, um dispositivo acoplado às plantadeiras para medir a massa durante o plantio, diferenciando o que é semente de outros materiais, aumentando, assim, a assertividade no processo.
Essas e outras tecnologias já são realidade nas chamadas “fazendas hi-tech”. Aliás, esse conceito de fazenda inteligente (ou smart farm) é o principal indício do promissor futuro no campo. “A tendência é uma interligação entre todas as atividades da propriedade. Esse amplo monitoramento e o controle intenso do funcionamento das máquinas permitirá a melhor utilização dos insumos e um ganho em produtividade. Isso já está acontecendo nos EUA”, diz Bernardi.